Realizar busca
test

Cidades inteligentes são feitas com dados de qualidade

Evento organizado pelo Centro de Ciência de Dados discutiu a importância das informações na melhoria dos territórios urbanos

Evento organizado pelo Centro de Ciência de Dados discutiu a importância das informações na melhoria dos territórios urbanos

 

Leandro Steiw

 

As tecnologias orientadas por dados podem contribuir para a criação de cidades mais sustentáveis, eficientes e resilientes. Esse foi o mote do evento “Dado certo! Cidades inteligentes”, realizado no dia 21 de março, no auditório Steffi e Max Perlman, do Insper. A organização foi do Centro de Ciência de Dados do Insper, que nesta edição contou com o apoio do Laboratório Arq.Futuro de Cidades. Adriano Borges, professor de mobilidade e dados urbanos do Insper e pesquisador-líder do Laboratório, mediou o debate entre especialistas na área de urbanismo social.

Para ele, a tecnologia digital e computacional tem mudado a maneira como trabalhamos, nos divertimos e nos sociabilizamos, mas outras evoluções tecnológicas também formataram e permitiram a construção das cidades: energia elétrica, elevadores, concreto armado, sistemas de saneamento e tuneladoras, entre outras muitas que permitiram colocar tanta gente a viver no mesmo lugar. “Cidades são extremamente produtivas e, por isso mesmo, talvez sejam a grande invenção da humanidade”, disse Borges, ecoando especialistas como o economista norte-americano Edward L. Glaeser, conselheiro do Laboratório, e o historiador inglês Ben Wilson. “Mas também produzem uma série de contradições, desigualdades, poluição, congestionamento, alto preço dos aluguéis – só para citar várias dessas disfunções geradas por viver em cidades”, ressaltou.

A tecnologia possivelmente conseguirá consiga promover a superação dessas disfunções, no entantos alguns desses desafios não serão respondidos com novas tecnologias, acredita Borges. “Não é com carros elétricos ou autônomos que vamos resolver os congestionamentos”, exemplifica. “O máximo que teremos é um congestionamento de baixa emissão. A solução para o congestionamento foi inventada há mais de um século e se chama transporte público eficiente e barato. Contudo, para tantos problemas das cidades, talvez a tecnologia e o uso de dados e a capacidade que temos de processar e transformar dados em inteligência possa trazer resposta para alguns desses desafios.”

Coordenador do Núcleo de Cidades Inteligentes e Big Data do Laboratório, Mauricio Bouskela tratou do conceito de “dado certo” e da interpretação correta dessa informação. Ele começou indagando o que é o dado certo em relação ao trânsito de motocicletas em São Paulo – onde 1,1 milhão de motos registradas movimentam boa parte da circulação, do lazer e do trabalho. No ano passado, a capital registrou mais de uma morte por dia em acidentes com motocicletas, normalmente de homens de 18 a 29 anos. “Para qualquer cidadão, pesquisador ou secretário, essa estatística é um absurdo”, afirmou Bouskela. “Só que a ação não está acontecendo por algum motivo. Será que é falta de dados? Pode ser.” Ele demonstrou como o processo de decisão do gestor tende a melhorar com a agregação de informações a um mesmo mapa de acidentes.

Segundo Bouskela, o valor do dado está relacionado à sua qualidade, e não tanto à quantidade. “A coleta também é muito importante, porque um dado de má qualidade impacta a tomada de decisão”, explicou. “Outros desafios são a interoperabilidade, a privacidade e a proteção dos dados. Ele é um conjunto de grande potencial, que pode gerar algo positivo se puder ser transformado em poucas linhas que respondam e resumam a condição do território. Se esse dado de 10 linhas não me contar uma história, para a minha audiência não vale nada. Para um prefeito ou prefeita, tem um valor. Para um cidadão, tem outro. Para a comunidade pública, é outro valor. Então, o valor do dado depende de um ciclo.”

A arquiteta e urbanista Graziella Demantova, gerente de cidades da consultoria Bright Cities, comentou como pode parecer estranho falar em cidades inteligentes sob a perspectiva do cidadão, porque se imagina a urbe como algo feito para e pelas pessoas. “A cidade, por sua natureza, sempre foi o ideal de utopia”, disse ela. “Quando percebemos o impacto da poluição no modo de vida e no meio ambiente, começamos a desejar cidades mais verdes e sustentáveis. Vemos na cidade inteligente a grande solução para as perdas de funcionalidades, o trânsito, o acesso à moradia e à educação. Porém vemos o movimento crescente de câmeras e centrais de comando que, de certa maneira, aumentam a discriminação e a desigualdade.”

Em contrapartida, num mundo onde 2,6 bilhões de pessoas não têm acesso à internet, Graziella questionou quem se beneficia pelo uso da tecnologia nas cidades inteligentes. “A privatização de infraestruturas e serviços tira da mão do governo a responsabilidade de uso adequado e ético dos nossos dados, então também precisamos conscientizar os stakeholders que estão implementando e assumindo essas tecnologias”, afirmou. Nessa direção, ela enumerou os cinco pilares do programa People Centred-Smart Cities, das Nações Unidas: comunidade no centro das atenções, inclusão e equidade digital, infraestrutura de gestão de dados e serviços digitais, segurança dos ativos digitais e capacidade organizacional da cidade inteligente.

Graziella citou o aplicativo Digital Matatus, que indica as rotas de transporte informal no Quênia, como projeto com olhar para a realidade socioterritorial e as necessidades da população. Os desafios são praticamente os mesmos em todos os lugares: falta de capacidade local, participação comunitária, atualização de dados, restrições financeiras, interoperabilidade e padronização das tecnologias, conscientização sobre direitos humanos, privacidade e papel dos residentes. Todavia, cada local tem as suas especificidades. “O uso do dado certo será aquele que tiver esse olhar em cima dos direitos humanos e da ética”, disse Graziella.

 

Escassez de dados

A engenheira civil e sanitarista Katia Mello, sócia-fundadora da consultoria de gestão socioambiental Diagonal, ressaltou que os dados são fundamentais para o desenvolvimento sustentável dos territórios e a mudança social. Entretanto, é em relação justamente aos territórios vulnerabilizados que as informações são escassas, como ficou evidente no caso da pandemia de covid-19, iniciada em 2020. Na ocasião, a Diagonal ajudou a estruturar um núcleo de inteligência social para planejamento das ações do governo do estado de São Paulo no enfrentamento da doença. O grande desafio era tornar visíveis as áreas com maior exposição ao vírus, permitindo agilizar o atendimento.

A estratégia passou pela obtenção de dados primários sobre acesso a água potável e os diversos territórios de risco e o cruzamento com a área de cobertura da Sabesp. “Sobrepondo as favelas, os loteamentos e todas as áreas degradadas, chegamos claramente às 2.000 áreas sem acesso à água na região metropolitana de São Paulo”, recordou Katia. “Montou-se um programa de como levar água para lá. Esse é um exemplo de dado que ajudou a tomar uma decisão no momento importante.” Procedimento semelhante foi usado em parceria com o Instituto Butantan, na organização da testagem da população e posterior distribuição e aplicação da vacina contra o Sars-CoV-2.

O economista João Melhado, diretor de políticas públicas e compliance da startup Loft, contou como o uso de dados ajudou a combater a epidemia de cólera em Londres, na Inglaterra, ainda no século 19 – história contada no livro O Mapa Fantasma, do norte-americano Steven Johnson. “Quando se colocaram os casos e as mortes que ocorriam devido ao cólera num mapa da cidade, começou-se a descobrir que as mortes estavam acontecendo próximas aos poços artesianos”, disse. “As pessoas pensavam que o cólera era transmitido pelo ar, assim como a gente lavava as embalagens que recebia por delivery na época da covid, porque não sabia muito bem como o vírus se transmitia.”

A diferença é que a capacidade de analisar e processar dados aumentou desde então, devido ao surgimento de novas tecnologias. O acesso às informações do mercado imobiliário, porém, continua opaco, na opinião de Melhado. “Quem está comprando não tem a menor ideia de quanto vale um imóvel e quem está vendendo também não sabe”, afirmou ele. “Isso vale para a política pública. Estávamos acabando de discutir o Plano Diretor da cidade de São Paulo com pouca informação baseada em evidência. O Laboratório fez estudos interessantes nessa linha para trazer um pouco mais de ciência para a discussão. O mercado imobiliário é habitação e, no final das contas, é moradia das pessoas. Quantas vezes você compra um imóvel na vida?”

Para Adriano Borges, o evento permitiu reunir visões diferentes do conceito e da aplicação de cidades inteligentes. No encerramento do evento, ele apresentou um diagrama com as várias dimensões de cidades inteligentes, abordadas no curso “Cidades inteligentes: tecnologia, transformação digital e inovação urbana”, cuja próxima turma começa em 25 de abril. “Falamos sobre cultura de decisão baseada em dados, capacidade e inteligência de dados e planejamento de longo prazo”, destacou. “Outras dimensões importantes são o diálogo com atores da academia e dos setores privado e público; mecanismos de governança e de comunicação e reconhecimento de todas as peças que compõem um ecossistema de inovação e cidades inteligentes em um município; a infraestrutura e a tecnologia; e recursos, sem os quais conseguimos fazer pouca coisa.”

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade