Oferecer acolhimento aos alunos e apoio para sua inserção no mercado vem sendo cada vez mais uma das preocupações da escola, diz Tatiana Angelotto, gerente do Núcleo de Carreiras
Bárbara Nór
Há mais de 20 anos, a socióloga australiana Judy Singer criava o termo “neurodiversidade” para reconhecer que o desenvolvimento do cérebro de cada pessoa é único — e que não é possível falar em cérebros “normais” ou “anormais”, mas de funcionamentos do cérebro que vão contra ou a favor do considerado como padrão de acordo com determinada época e sociedade.
Hoje, o termo “neurodivergente” ganhou popularidade, em especial para falar de pessoas com condições como transtorno do espectro autista (TEA), dislexia e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Estima-se que cerca de 15% a 20% da população mundial seja neurodivergente. No entanto, ainda estamos longe de ter um mercado de trabalho inclusivo para esse público. Processos seletivos baseados em dinâmicas de grupo e entrevistas rápidas, ambientes excessivamente estimulantes, a presença de ambiguidades e “subentendidos” na comunicação do dia a dia e falta de preparo de gestores para lidar com a diversidade são alguns dos obstáculos comuns para uma inclusão efetiva.
No Insper, oferecer acolhimento para alunos neurodivergentes e apoio para sua inclusão no mercado vem cada vez mais sendo uma das preocupações, diz Tatiana Angelotto, gerente do Núcleo de Carreiras do Insper, que inclui a Central de Estágios, o relacionamento com empresas e o desenvolvimento profissional de alunos e alumni.
Segundo ela, o número de alunos neurodivergentes no Insper vem aumentando nos últimos anos — especialmente daqueles parte do transtorno do espectro autista. Para dar o suporte necessário, o Student Life, área de apoio aos alunos do Insper, acompanha de perto todos esses casos. “A partir do momento em que um candidato neurodivergente se inscreve no vestibular, o Núcleo de Carreiras já recebe uma série de informações sobre essa pessoa”, diz Tatiana. “Ficamos sabendo se ela tem alguma necessidade específica no vestibular, como alguém para fazer a leitura da prova ou um escriba para transcrever suas respostas.”
Uma vez aprovados e matriculados no Insper, os alunos seguem sendo acompanhados pelo núcleo, que garante as adaptações necessárias para o aproveitamento do curso. “Buscamos entender qual o nível de suporte e de qual tipo de acompanhamento cada um precisa”, afirma Tatiana. Para alguns casos, os alunos podem contar com professores auxiliares, que podem dar assistência em sala de aula.
Essas informações também são usadas no Núcleo de Carreira para ajudar os alunos em seu desenvolvimento profissional “Com esse mapeamento do Student Life, fica mais fácil achar esses alunos, conversar mais de perto e entender o que eles procuram”, diz Tatiana. “A gente tem feito uma chamada mais personalizada e individualizada com esses alunos para entender também como podemos ajudar nesse início profissional”.
De outro lado, ela nota, cada vez mais empresas têm buscado o Insper com vagas afirmativas para pessoas neurodivergentes. Nesses casos, a área convida os alunos interessados para conhecer a empresa e entrar em contato com as oportunidades disponíveis, além de mediar os processos seletivos. “Depois, incentivamos os alunos a pedirem feedback para o gestor, perguntar o que está dando certo ou não e compartilhar conosco também como está sendo o processo.”
Além de acompanhar os alunos neurodivergentes, o próprio Insper também vem aumentando o número de pessoas neurodivergentes em seu quadro de trabalho. Um processo que vem sendo de muito aprendizado, segundo Tatiana. “Há cuidados na inclusão de pessoas neurodivergentes que a gente só aprende com a convivência mesmo”, afirma. Até porque cada um tem necessidades únicas — mesmo que o diagnóstico entre duas pessoas possa ser o mesmo. “É preciso ter menos apego ao laudo que estamos recebendo e mais abertura para sentar e conversar com aquela pessoa.”
Para Tatiana, esse cuidado deve começar desde o processo seletivo. “Já na hora que convido uma pessoa para a entrevista, busco entender se ela consegue fazer esse deslocamento, se precisa de uma sala com suporte especial, se preciso reservar mais tempo para fazer essa entrevista”, diz. “Pode ser que a pessoa não consiga ser tão objetiva, ou que eu precise explicar um pouco mais sobre a área e sobre a empresa, e é preciso estar preparado para isso.” Por outro lado, há certas coisas que precisam ser evitadas, como dinâmicas coletivas ou ambientes com muito estímulos, que podem não fazer sentido para pessoas no espectro autista, por exemplo.
Além disso, é preciso garantir que os gestores tenham disponibilidade para conversar mais vezes com os funcionários, darem feedbacks claros, mas com sensibilidade. “Quando vou contratar uma pessoa neurodivergente, preciso ver o perfil de cada gestor, se ele pode dedicar mais tempo ao treinamento, se ele tem sensibilidade”, diz. “Também é preciso garantir que os projetos tenham escopo bem definido, com começo, meio e fim, com expectativas muito claras — em especial no caso de estagiários e profissionais no início de carreira.”
Diagnosticado aos 2 anos de idade com síndrome de Asperger, parte do espectro autista, Eduardo Montandon, 19, estudante de Engenharia de Computação no Insper, conta que esse acompanhamento próximo da faculdade foi, junto com o apoio de sua família, essencial para que ele se adaptasse ao curso e começasse a sua carreira.
Nascido em Goiânia, ele nunca tinha morado fora de sua cidade natal, nem longe de sua família. “O começo foi bem difícil”, diz. Não só era sua primeira vez morando sozinho, como ele não conhecia ninguém na cidade. Para ajudar, ele conta que sua família fez rodízio para ir para São Paulo ficar junto com ele. “No segundo semestre, começaram a me deixar sozinho e comecei a me adaptar e fazer amigos aqui na cidade.”
O Insper, segundo ele, ajudou com o contato próximo e diário sempre que ele precisasse. “Tem pessoas muito boas no Insper que me ajudaram muito, estão sempre me acompanhando e às vezes ficam comigo na sala”, afirma. Uma das coisas mais significativas, para Eduardo, foi a ajuda para anotar as aulas e, em provas escritas, transcrever as respostas que ele ditava. “Minha letra é completamente ilegível. Essa é uma barreira que nunca consegui ultrapassar”, diz.
Foi no Insper também que Eduardo teve suas primeiras experiências profissionais: no verão de 2022 para 2023, ele fez um estágio na área de TI do Insper, onde ajudou a desenvolver planilhas para mudanças no sistema de preenchimento da faculdade. “Foi incrível. Conheci muitas pessoas boas que gostam do que fazem e que me guiaram no que eu podia ou não podia fazer”, diz. Agora, ele acaba de concluir um outro summer, dessa vez em um banco internacional de investimentos. “Foi outra experiência incrível. Aprendi muito nesse estágio.”
Ele conta que conheceu o banco graças ao Núcleo de Carreiras do Insper, que o convidou para ir conhecer a empresa e intermediou o processo seletivo. Nesse estágio, um de seus maiores aprendizados foi justamente com questões comportamentais na vida profissional. “Às vezes fico muito agitado, e isso para o ambiente de trabalho não é viável”, diz. “Eles apontaram para mim o que não estava legal e conversei com meu psicólogo. Hoje melhorei bastante.”
Segundo Eduardo, o cuidado em conversar com ele e explicar o que era ou não esperado no ambiente de trabalho é um exemplo daquilo que pode fazer mais diferença na inclusão de pessoas no espectro autista no mercado de trabalho. “Coisas que parecem óbvias para os outros não são para mim”, diz. “As pessoas neurodivergentes requerem um pouco mais de paciência — às vezes estou incomodando alguém e nem percebo.”
Hoje, Eduardo diz que não tem mais vontade de voltar para Goiânia e se diz cada vez mais ambicioso com seus planos para o futuro. “Quero fazer minha vida aqui, fiquei encantado com a cidade”, diz. “E, se puder, tenho vontade de trabalhar no exterior.”