Realizar busca
test

Os negócios no mundo da Lua ganham força

A nova corrida até o satélite natural da Terra envolve a busca de água e minérios raros, numa disputa que agora inclui Índia, Japão, as três potências espaciais e um crescente número de startups. Já dá para arrendar um terreninho por lá?

A nova corrida até o satélite natural da Terra envolve a busca de água e minérios raros, numa disputa que agora inclui Índia, Japão, as três potências espaciais e um crescente número de startups. Já dá para arrendar um terreninho por lá?

 

David A. Cohen

 

Vender terrenos na Lua já foi uma expressão cujo significado era enganar otários. De alguns anos para cá, já não se pode mais fazer essa equivalência. Há uma revigorada disputa pela colonização e exploração do satélite, e vem crescendo bastante o número de missões para lá — tanto de governos quanto de empresas privadas.

“Nunca houve uma real desistência de ir para a Lua”, diz o matemático e doutor em engenharia aeronáutica Marco Antonio Leonel Caetano, professor de Sistemas de Informação no Insper. “Mas agora a frequência está aumentando porque a tecnologia dos combustíveis é melhor, o acúmulo de satélites em torno da Lua ajuda na otimização do pouso, as linguagens e a própria programação melhoraram muito.”

O jogo também se tornou mais plural. Primeiro, há um renovado interesse dos contendores iniciais da corrida espacial. A Nasa, agência espacial americana, lançou em novembro passado a primeira nave do programa Artemis (substituto das missões Apollo, de cinco décadas atrás). O plano é levar astronautas para a Lua novamente em 2025. A Rússia também retomou a intenção de pousar na Lua (após 47 anos), com o lançamento de uma nave operada por robôs, a Luna-25, em agosto; embora o pouso tenha fracassado, o chefe da agência espacial russa, Yuri Borisov, reafirmou que “começou uma nova corrida para explorar a Lua”.

Além dos dois países, agora há também a China, que anunciou seu plano de levar humanos à Lua em 2030. E a Índia, que em agosto se tornou o quarto país do mundo a conseguir pousar uma nave na Lua. E o Japão, que no início de setembro lançou um foguete com dois pacotes bastante diferentes: o primeiro é um telescópio de raios X cujo objetivo é analisar a composição da poeira cósmica; o segundo é uma nave que deverá pousar na Lua no primeiro trimestre do ano que vem (o motivo de tamanha demora é que o aparelho, chamado de SLIM, iniciais de Smart Lander for Investigating Moon, ou nave de pouso inteligente para investigar a Lua, usa um sistema de propulsão movido por robôs que faz ajustes durante o voo para minimizar o consumo de combustível).

Os programas de lançamento de satélites em geral também estão se ampliando: até o Reino Unido, que só colocou um satélite em órbita em 1971, entrou no ramo — e planeja lançar seus foguetes a partir de bases no próprio país, não da Austrália, como foi o Black Arrow de cinco décadas atrás (isso se tornou mais fácil pela diminuição expressiva do tamanho dos satélites, que agora exigem foguetes bem mais modestos para serem levados ao espaço).

O avanço — e consequente barateamento — da tecnologia está permitindo inclusive a entrada de empresas privadas na disputa: uma iniciativa israelense, a Bereshit (“no início”, título do livro bíblico Gênesis em hebraico) fracassou em 2019; e uma nave privada japonesa, a Hakuto-R, perdeu o contato com a Terra em abril deste ano. As simples tentativas, no entanto, representam avanços extraordinários, trazem ganhos de tecnologia e experiência — e mostram como o interesse no satélite está aguçado.

Outras duas companhias privadas têm planos de levar naves à Lua em breve, em associação com a Nasa. São as americanas Intuitive Machines, uma startup do Texas, com a nave Nova-c, e a Astrobotic Technology, da Pensilvânia, com a nave Peregrine. As duas têm lançamentos planejados para este ano ainda.

 

Os governos e seus satélites

O novo ímpeto em alcançar a Lua justifica a declaração do administrador da Nasa, Bill Nelson, de que estamos vivendo uma “era de ouro” dos voos espaciais. O ápice, de acordo com ele, se dará em 2025, com o pouso de astronautas da missão Artemis no satélite (não por acaso, ele não menciona o planejado pouso chinês, previsto para 2030).

Embora as empresas espaciais privadas tenham proliferado, as missões para a Lua ainda são basicamente monopólio dos países — especialmente quando se fala em missões bem-sucedidas. “Em termos de pouso na Lua, os governos são sempre pioneiros”, diz Caetano, do Insper. “Elon Musk e outros empreendedores estão aí, mas, na tecnologia e experiência requeridas para chegar lá, eles estão décadas atrasados em relação aos governos.”

O que os empreendedores têm feito com frequência é se aliar às agências espaciais governamentais. A Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos (fundador da Amazon), lidera uma aliança selecionada no início do ano para desenvolver a nave de pouso da missão Artemis à Lua. A Virgin Galactic, do bilionário Richard Branson, foca em turismo espacial (uma área da qual a Nasa se afastou após um acidente fatal com um de seus ônibus espaciais). A Space X, de Musk, cuja meta é possibilitar a exploração interplanetária, se especializou em fabricar sistemas de lançamento de foguetes (que têm transportado astronautas da Nasa para a Estação Espacial Internacional).

O revigorado interesse na Lua é, portanto, uma disputa entre países. As empresas funcionam como, digamos, satélites dos governos. E, se a exploração espacial tomou o rumo da cooperação — com missões conjuntas, compartilhamento de estações, experimentos que pegam carona em missões alheias etc. —, ela voltou a ter um forte componente de disputa, desta vez em especial entre os Estados Unidos e a China. “Eu não quero que a China chegue primeiro ao polo Sul (da Lua) com humanos e diga que o território é deles”, afirmou Nelson, da Nasa, a jornalistas em agosto.

O jipe lunar da missão Apollo 17, em dezembro de 1972
O jipe lunar da missão Apollo 17, em dezembro de 1972 (foto: Nasa/GSFC/Arizona State University)

A busca do ouro

De acordo com Cathleen Lewis, curadora da área de programas espaciais no museu do Instituto Smithsonian, em entrevista à revista Popular Science, não estamos diante de uma nova corrida espacial. “Se você quer usar uma analogia histórica, isso é mais parecido com uma busca do ouro.”

O Eldorado, neste caso, seria a região sul da Lua. E o ouro não seria exatamente ouro (embora haja um pouco disso lá), mas principalmente água. Desde o início das explorações espaciais, na década de 1960, cientistas especulavam que poderia haver água na Lua. No entanto, amostras retiradas pelos astronautas das missões Apollo, analisadas no final dos anos 1960 e início dos 1970, pareciam estar secas. Só em 2008, quando as amostras foram analisadas novamente, os pesquisadores encontraram hidrogênio em minúsculos seixos de areia vulcânica.

No ano seguinte, a primeira missão indiana à órbita da Lua, Chandrayaan-1, levou instrumentos da Nasa que detectaram a presença de água. Também em 2009, um foguete não tripulado enviado para se chocar com o satélite encontrou água congelada no polo Sul.

Hoje se calcula que haja uma reserva de 600 milhões de toneladas de água na Lua, cerca de quatro vezes o volume da represa de Guarapiranga, em São Paulo. Uma quantidade tão grande de água na parte sombria da Lua sugere que existam processos de criação, migração e retenção de água por ali.

Em termos científicos, essa água é extremamente valiosa: ela poderia conter amostras de vulcões lunares, com formações quase tão antigas quanto a Terra, o que poderia ajudar a esclarecer a origem dos nossos oceanos.

Mas ela seria ainda mais preciosa para facilitar o avanço da exploração espacial. Se tiver água, a Lua pode se tornar uma base fornecedora de oxigênio para respirar e hidrogênio que sirva de combustível de baterias elétricas. São dois itens essenciais para apoiar as missões para Marte… e além.

“Se de fato encontrarem água congelada, os próximos passos na conquista da Lua serão o envio de sondas maiores, para análises mais detalhadas”, diz Caetano. “Estas sondas do tamanho de jipes, que hoje estão sendo enviadas a Marte, iriam também para a Lua. Teriam furadeiras, para analisar melhor o solo.” Depois disso, viriam provavelmente as sondas com robôs. “É possível que enviem robôs que consigam construir as bases lunares sem necessidade de humanos.”

Se não houver água na Lua, ou se por alguma razão ela não puder ser extraída para fabricar oxigênio, os esforços iriam todos para a colonização direta de Marte. A Nasa já colocou em Marte um aparelho capaz de produzir oxigênio a partir do dióxido de carbono da atmosfera do planeta.

No início de setembro, a agência anunciou que a experiência teve resultados melhores do que o esperado. Mas, desde que chegou a Marte, em fevereiro de 2021, o aparelho foi ativado 16 vezes e produziu 122 gramas de oxigênio — mais ou menos o que um cachorro de pequeno porte precisaria para respirar durante dez horas.

Ou seja, é possível produzir oxigênio em Marte, mas sairia muito mais caro. “Estão apostando todas as fichas que vão achar oxigênio na Lua”, avalia Caetano.

Embora a água já represente sozinha uma razão e tanto para o renovado interesse na Lua, ela ainda tem um reforço. “Há trilhões — não milhões nem bilhões — de dólares em recursos potenciais em jogo”, afirmou Ram Jakhu, professor especializado em direito espacial da universidade canadense McGill, ao site de notícias Global News. Ele se refere às reservas de metais como ferro, urânio, terras raras e um elemento raro chamado Hellum-3, que pode ser crucial para a tecnologia de fusão nuclear.

O problema é que a maior parte dessas riquezas está na parte sul da Lua. Aquela que apresenta grandes crateras e recebe pouca luz do Sol — o que torna a área muito mais escura e difícil de pousar. Daí a importância da missão indiana de agosto, a primeira a ter pousado ali.

 

Os advogados já estão de olho

Com riquezas assim, é possível até citar uma terceira analogia para o recente interesse na Lua; não uma nova corrida espacial, nem uma busca do ouro, mas uma nova era das navegações. Assim como as nações europeias se apressavam para chegar ao que chamavam de Novo Mundo, nos séculos XVI e XVII, trata-se agora de dar os primeiros passos na colonização da Lua.

E aqui chegamos a um sentido inteiramente novo para a expressão “vender terrenos na Lua”. De um lado, Nelson, o diretor da Nasa, não poderia ter sido mais claro em seu temor de que os chineses clamem ter direitos sobre o local em que pousarem.

Mas o mesmo pode ser dito dos Estados Unidos. Em 2015, o governo  Barack Obama aprovou uma nova lei sobre uso de recursos espaciais, afirmando que as riquezas em qualquer asteroide “são da propriedade da entidade (governo ou empresa) que as obtiver”.

Esta é obviamente uma área sujeita a muita discussão. Enquanto as viagens espaciais eram vistas principalmente pelo lado científico, a colaboração era a tônica. Agora, nem tanto. O Tratado do Espaço Sideral, de 1967, já dá sinais de estar obsoleto. De acordo com ele, nenhuma reivindicação de soberania pode ser feita, quanto à Lua ou qualquer outro corpo celeste.

Numa era em que se vislumbra a exploração de minérios e água, algum acordo de propriedade precisa ser estabelecido. A questão é qual. As Nações Unidas chegaram a criar um tratado em 1979, pelo qual ficam proibidos os testes nucleares e o uso militar dos corpos celestes e os recursos naturais da Lua pertencem a todos os signatários do acordo.

Uma distribuição assim tão equitativa não foi aceita por nenhum dos países que efetivamente mandaram foguetes tripulados ao espaço — nem os Estados Unidos, nem a Rússia (ou sua predecessora, a União Soviética), nem a China. Até agora, apenas 18 países subscreveram o acordo da ONU.

Os Estados Unidos estão promovendo um novo tratado, baseado no de 1967, os Acordos de Artemis. Ele não estabelece propriedades, mas permite exploração de recursos; também promove padronização de estruturas no espaço, transparência nas informações científicas, compromisso pela paz e limites para o lixo espacial. Mas China e Rússia até agora não assinaram (embora 29 países o tenham).

Não é de surpreender que o direito espacial seja um universo em expansão. De acordo com o jornal Financial Times, várias bancas de advogados americanas, como DLA Piper, Mayer Brown e Hogan Lovells, estão montando divisões especializadas no setor. De acordo com cálculos do banco Citi, citados pelo jornal, a indústria espacial pode gerar receitas de 1 trilhão de dólares a partir de 2040.

Não é exatamente a atividade de vender terrenos na Lua. Mas alugar, quem sabe?

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade