Evento detalhou as conclusões da quinta edição do estudo do Insper sobre vitimização na capital paulista, realizado a cada cinco anos desde 2003
Tiago Cordeiro
Há duas décadas, a cada cinco anos, uma amostragem da população da cidade de São Paulo é entrevistada longamente para fornecer informações a respeito das situações em que as pessoas se tornaram vítimas de ações criminosas. São apresentadas 200 questões, que têm por objetivo identificar o relacionamento dos cidadãos em relação a questões de segurança pública.
A edição deste ano da Pesquisa de Vitimização na Cidade de São Paulo, uma produção da Cátedra Ruth Cardoso do Insper, recém-publicada com base em dados referentes a março de 2022 e 2023, aponta que muitas práticas criminosas se ajustaram às mudanças identificadas na sociedade. “Por sua duração ao longo dos anos e pela abrangência dos entrevistados, esta pesquisa funciona como um filme que se estende diante dos olhos dos pesquisadores”, comentou Claudio Haddad, presidente do Conselho Deliberativo do Insper, durante o evento híbrido realizado no dia 24 agosto e dedicado a avaliar a eficiência de políticas públicas de segurança.
Os dados do levantamento apontam, por exemplo, para uma queda expressiva nos roubos e furtos de dinheiro em espécie e na prática de estelionato utilizando notas falsas. Em contrapartida, indicam um aumento expressivo nas ações de roubo e furto de smartphones. Os números revelam que, em 2003, 70% dos roubos e furtos envolviam dinheiro e 20%, telefones celulares. Já em 2023, 80,2% dos furtos e roubos de objetos envolvem smartphones.
Entre as novas modalidades de estelionato, problemas com sites ou aplicativos de compra alcançaram 7,8% da população, ante 3,9% em 2018. Já as ocorrências com roubo de dados pessoais aumentaram de 1,3% em 2018 para 3% em 2023. Fraudes com cartões de crédito tiveram o maior crescimento na série, sendo 1,4% em 2003, 5,5% em 2018 e 9,3% em 2023 — atingindo cerca de 866 mil pessoas.
Por outro lado, alguns padrões vêm se mantendo ao longo de duas décadas. “A persistência dos indicadores ao longo de 20 anos impressiona”, avaliou, durante o evento, Naercio Menezes Filho, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) e diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI) do Insper.
Para a atual edição do levantamento, assim como em quatro das anteriores, foram entrevistadas 3 mil famílias. A taxa de vitimização geral — o percentual de pessoas que sofreu alguma ação criminosa ao longo de um ano — chegou a 47%, uma taxa não muito distante da identificada nos estudos prévios. Isso significa que quase metade de população que vive na capital foi vítima no período, o correspondente a 4,4 milhões de pessoas.
Em 2023, 7,9% das pessoas entrevistadas (736 mil pessoas) foram roubadas e 13,7%, furtadas (1,276 milhão de cidadãos). Quando perguntadas sobre incidentes criminosos não apenas nos últimos 12 meses, mas ao logo da vida, 35% dos paulistanos declaram que já foram furtados ou roubados fora de casa. E 25% foram ameaçados com arma de fogo.
Na edição deste ano, a pesquisa incorporou novas questões sobre tipos de crimes e ocorrências que vêm ganhando espaço no debate público. A edição atual incluiu perguntas que permitem ao entrevistado que foi vítima de algum tipo de agressão relatar se o motivo da agressão foi ideológico ou não.
Entre os entrevistados, 0,9% reportaram ter sofrido algum tipo de agressão física por motivos ideológicos — e 4,9% se disseram vítima de agressão verbal pelo mesmo motivo. Outro problema, decorrente das mudanças pelas quais a sociedade passou, fica registrado na taxa de agressões online, que em 2023 ficou em 5,4% (representando 503 mil pessoas), mais do que os 4,7% relatados em 2018.
O estudo aponta ainda que 10,4% das mulheres reportaram ter sido assediadas nos últimos doze meses, ou 516 mil pessoas. Os locais apontados como os mais comuns para as incidências são, pela ordem, transporte público, táxis ou transporte com motorista particular (23.5%), seguidos de vias públicas (21,8%) e trabalho, faculdade ou escola (15%). “O alto percentual de casos de assédio acende um alerta”, comentou Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.
Ela chamou atenção para outro dado da pesquisa: a confiança dos paulistanos em seus vizinhos diminuiu ao longo dos anos. “É um sinal ruim a confiança ter caído na cidade de São Paulo. Mesmo pessoas que moram em condomínios fechados não se relacionam com seus vizinhos. A perda de convivência não é de hoje, e é brutal. Políticas de segurança abrangem, além de policiamento, políticas de incentivo à convivência, em praças, em condomínios. Além disso, o medo é um péssimo conselheiro, nos induz a buscar soluções rápidas e ineficazes.”
Por sua vez, o coronel Renato Rezende, da Polícia Militar de São Paulo, lembrou que os indicadores que se mantiveram estáveis, como os roubos e furtos a residências, poderiam ter acompanhado o crescimento da população. “O fato de que a cidade expandiu e os números se mantiveram indica que a corporação vem cumprindo sua missão constitucional”, afirmou.
Com relação à discriminação, a pesquisa identificou uma taxa de 6,1%, com destaque para o preconceito por motivação racial, especialmente entre homens negros jovens. “Neste caso, não é possível determinar se o número de casos aumentou ou se as pessoas se mostram mais conscientes dos casos de discriminação”, apontou, durante o evento, Renato Sérgio de Lima. professor do Departamento de Gestão Pública da FGV e presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
“Esta pesquisa precisa ser mais difundida, para alcançarmos políticas de segurança pública baseadas em evidência”, ele argumentou. De fato, as pesquisas de vitimização visam ajudar a segurança pública, fornecendo dados realistas sobre a criminalidade e a violência. São instrumentos importantes do planejamento estratégico da polícia, na medida em que identificam tipos de crime por áreas, além do perfil das pessoas mais expostas.
“As forças de política são avessas a quantificação. As causas da criminalidade são complexas, temos uma infinidade de direções para as quais podemos encaminhar, diante de um sistema que é frouxamente articulado”, pontuou Cláudio Beato, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança e professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
É preciso acompanhar tendências comportamentais e sociais, com base em dados, reforçou Luiz Scorzafave, professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP). “A segurança pública é dinâmica e demanda um serviço ativo de inteligência. Por exemplo, tivemos um aumento do abandono escolar durante a pandemia. Precisamos proteger esses adolescentes por alguns anos para evitar um movimento maior, para que eles não sejam aliciados pelo crime organizado”, disse.