Utilizando manufatura aditiva, um dos temas de pesquisa mais promissores do momento dentro da escola, os estudantes apresentaram uma solução inovadora para a AACD
Tiago Cordeiro
Fundada em 1950, a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) é uma organização sem fins lucrativos focada em garantir assistência médico-terapêutica de excelência em ortopedia e reabilitação, com atendimento particular, para planos de saúde e para o Sistema Único de Saúde (SUS). Em sua sede principal, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, mantém infraestrutura hospitalar cirúrgica, reabilitação, atendimento clínico e uma oficina equipada para confecção de cadeiras, próteses e órteses.
A confecção de equipamentos recebe atenção especial, já que melhora a qualidade de vida das pessoas com deficiências. Um dos desafios da Oficina Ortopédica da AACD é acompanhar as inovações tecnológicas na área, de forma a continuar entregando o melhor resultado para os pacientes.
Foi para compartilhar conhecimento e atender a essa demanda por atualização tecnológica que o Insper procurou a entidade. “Nosso contato com a associação ocorreu em função de uma busca por parceiros na área de saúde e bioengenharia. Já a partir da primeira interação com os superintendentes e diretores da AACD, surgiu o interesse mútuo de formalização de uma parceria para desenvolvimento de soluções tecnológicas em próteses, órteses e outros produtos de ortopedia”, diz Carlos Magno de Oliveira Valente, coordenador do curso de Engenharia Mecânica do Insper.
Aproximadamente dez anos antes, alunos de Administração do Insper haviam realizado um projeto de Resolução Eficaz de Problemas (REP) para a AACD. A iniciativa significou, portanto, uma retomada da parceria.
A órtese do tipo joelho-tornozelo-pé, ou knee-ankle-foot (KAFO), se presta a soluções que os alunos do Insper poderiam desenvolver. Isso porque, atualmente, ela é fabricada de forma manual, mas pode ser manufaturada utilizando processos mais avançados, principalmente aqueles baseados na manufatura aditiva.
“Esse processo permite a confecção de uma órtese com geometria mais complexa, customizada a cada paciente e, principalmente, mais leve”, explica Valente, que também atuou como orientador do projeto. “A tecnologia de manufatura aditiva ou híbrida é atualmente um dos temas de pesquisa mais promissores da Engenharia do Insper, estudada por professores da Engenharia Mecânica. Diversos outros projetos de PFE já exploraram essa tecnologia, em aplicações diferentes do contexto da AACD, mas que permitem reaproveitar os conhecimentos neles adquiridos para o projeto em questão”, diz o professor.
O desafio proposto pela AACD consistia em criar uma nova forma de fabricação das órteses, que resultasse em um produto mais leve, resistente e com custo igual ou inferior ao do modelo convencional. Como cada paciente possui uma perna diferente, a customização precisaria permitir uma produção seriada sem necessidade de um novo projeto de engenharia 3D para cada novo caso.
Quatro alunos do 8º semestre se dedicaram ao trabalho, que compôs um dos Projetos Finais de Engenharia (PFE) da primeira metade de 2023. A disciplina é integrada aos cursos das Engenharias Mecânica, Mecatrônica e de Computação do Insper e coloca o estudantes para apresentar soluções para questões relevantes do mercado. Katty Gurgel Terra, Gabriela Choichit Giosa, Rafael Ribeiro da Silva e Felipe Junqueira Moraes assumiram a iniciativa.
“Foi um projeto marcado pelas descobertas. O que parecia óbvio no começo não funcionou. Buscamos a melhor saída considerando o contexto e o fato de que o tempo é um recurso finito”, afirma Katty, que tem 23 anos. “Foi mais parecido com a rotina na Engenharia, em que testamos hipóteses por diversas vezes até encontrar o melhor caminho, do que com um projeto de sala de aula, previamente testado e para o qual existe uma única resposta correta”, reforça Gabriela, de 22 anos. Por sua vez, Rafael aponta que a falta de dados sobre o problema representou o principal desafio. “Por outro lado, a parte mais gratificante foi entregar uma órtese pronta, um equipamento importante para o bem-estar de muitas pessoas”, diz.
“Precisamos encontrar uma metodologia para desenvolver as órteses, acomodando todas as necessidades da AACD”, relata Felipe, de 22 anos. “Partimos de uma órtese, medidos os esforços aplicados sobre ela, simulamos seu uso, propusemos um design mais eficiente e desenvolvemos um protótipo. Em nosso relatório, entregamos a base teórica para a associação propor novos designs de órtese, de acordo com cada demanda.”
O orientador do projeto concorda com as avaliações dos alunos. “Sendo o primeiro projeto de órteses desenvolvido no Insper, os alunos inicialmente tiveram o desafio de entender e formatar o problema, o que envolveu aspectos de conforto do paciente, rigidez estrutural do produto, custo, facilidade de fabricação e outros.”
Em outras palavras, o projeto se mostrou um desafio completo de engenharia, no qual os alunos tiveram que navegar por diversas áreas de conhecimento da Engenharia Mecânica: mecânica dos sólidos, cinemática/dinâmica, ciência dos materiais, projeto do produto, processos de fabricação e simulação computacional. “E o resultado alcançado foi também fruto do suporte dos diversos professores e técnicos dessas áreas da escola, que entenderam a relevância do problema em estudo e se colocaram à total disposição para auxiliar os alunos”, afirma o professor.
Os alunos tiveram acesso a scanners, softwares e equipamentos de impressão 3D utilizados na AACD e por parceiros. “A interação dos professores e alunos com a empresa foi bastante rica, envolvendo diversas visitas à oficina ortopédica, entrevistas com técnicos e professionais de saúde (fisioterapeutas e médicos) e utilização de equipamentos e software da associação para concepção de uma nova órtese”, relata Valente. “A AACD sempre se mostrou à disposição para atender os alunos, e esse ponto foi um dos pilares para o sucesso do projeto.”
Como resultado, os estudantes avançaram no entendimento do problema e no levantamento de informação nos diversos campos de estudo. Foi possível criar uma base de simulação, validada por uma bancada experimental, associada a um estudo sobre os possíveis materiais a serem empregados e a novos processos de fabricação.
Para dimensionar um novo de design de órtese mais leve, foi realizado um ensaio de compressão, simulando as forças que um usuário desse tipo de órtese poderia exercer. Utilizando extensômetros, o grupo buscou medir com precisão os valores de deformação. Esses resultados foram comparados com simulações com o software Simcenter 3D, de forma a validar os esforços na órtese e aprimorar sua eficácia. Como resultado, os alunos conseguiram desenvolver um modelo com peso 10,8% menor.
“A integração desses resultados permitiu a concepção de um protótipo inovador de órteses, tanto no design quanto no seu princípio de fabricação”, afirma Valente. “O estudo também apontou caminhos para diversos trabalhos futuros, que já serão abordados por um PFE já fechado para o segundo semestre de 2023, além de outros projetos de inovação em discussão com a AACD.”