[{"jcr:title":"“As pessoas só vão quebrar preconceitos se escutar o que os outros têm a dizer”"},{"targetId":"id-share-1","text":"Confira mais em:","tooltipText":"Link copiado com sucesso."},{"jcr:title":"“As pessoas só vão quebrar preconceitos se escutar o que os outros têm a dizer”","jcr:description":"A jornada de Manoela Caleiro Pereira, alumna do curso de Administração, e o movimento pela visibilidade da diversidade sexual"},{"subtitle":"A jornada de Manoela Caleiro Pereira, alumna do curso de Administração, e o movimento pela visibilidade da diversidade sexual","author":"Ernesto Yoshida","title":"“As pessoas só vão quebrar preconceitos se escutar o que os outros têm a dizer”","content":"A jornada de Manoela Caleiro Pereira, alumna do curso de Administração, e o movimento pela visibilidade da diversidade sexual   Bárbara Nór   Quando Manoela Caleiro Pereira entrou na faculdade de Administração no Insper, os tempos eram outros. Para começar, naquele ano, 2004, o ambiente da escola era mais formal — os homens não podiam usar bermuda, por exemplo. “Nem pareciam estudantes universitários”, recorda-se Manoela. Ela lembra que era uma das poucas mulheres na turma, composta em sua maioria por homens. “A gente fazia piada porque, de quatro banheiros em um andar, somente um era feminino.” Não à toa, no dia a dia das aulas, expressar sua identidade sexual era algo que simplesmente não estava em jogo para Manoela. Mas, em casa, isso já começava a acontecer. Aos 18 anos, ela assumiu que era bissexual para os seus pais. “Quando contei para eles, não tinha medo de ser rejeitada ou de não ser amada, mas do sofrimento que eu poderia causar”, diz. Ela conta que sua mãe a fez se sentir acolhida, segura e forte desde pequena, o que acabou ajudando para criar coragem de se abrir com ela. E não foi diferente quando se assumiu. “Fui muito bem recebida, inclusive pelos meus amigos”, diz Manoela. Mas faltava ainda que o próprio tema da diversidade sexual entrasse em pauta, tanto na faculdade quanto na sociedade de forma geral. “Assim como a gente tinha que se portar e se vestir de uma certa forma, não havia muita troca em relação à nossa sexualidade, não havia espaço para isso”, afirma. Segundo ela, quem era lésbica, gay ou bi, como ela, se conhecia como tal apenas pelos eventos fora da faculdade. No dia a dia das aulas, no entanto, era tudo velado. “A gente sabia quem era e ficava uma conversa de corredor, mas ninguém era assumido.” Manoela fez parte da primeira turma da graduação do Insper, quando os grupos de afinidade ainda não haviam sido criados. Ela conta que conheceu a proposta da faculdade quando estava no último ano da escola. “Fiquei encantada pela audácia, era algo muito ambicioso e focado”, diz. Para ela, ter participado desde o começo fez com que ela ajudasse um pouco a moldar o que o Insper viria a se tornar nos anos seguintes. “Eu consegui me envolver nas entidades, fiz parte da Atlética, participei da empresa júnior, tudo sempre em contato com a diretoria do Insper”, conta. “Foi uma experiência muito legal que eu não teria tido em outra instituição, e tive muitos mentores importantes.” Foi assim que ela percebeu logo cedo, por exemplo, que não queria uma vida corporativa, em grandes empresas. “Eu não via muito propósito nisso, e os professores no Insper me ajudaram a entender isso e ver que caminho eu queria tomar.” Logo depois de se formar, ela começou a trabalhar em uma consultoria que prestava serviços para empresas públicas. Ficou ali por três anos e meio. “Aquilo me encantou porque eu podia atuar em gestão pública, que era algo que me interessava, mas sendo uma funcionária do setor privado.” Apesar da identificação com o trabalho e com a empresa, Manoela continuou a viver uma espécie de vida dupla quando se tratava de sua identidade como bissexual. Não ajudou o fato de que ela trabalhava fora de São Paulo e, nos fins de semana, voltava para a capital. “Era como se durante a semana eu tivesse a vida profissional, mas a vida pessoal não estava integrada”, diz. “No trabalho, eu não era uma pessoa assumida, não porque não visse espaço para isso, mas porque ninguém falava de vida pessoal ali, e eu achava que não cabia.” Mais tarde, em 2013, ela decidiu ir trabalhar na escola fundada por sua mãe, na zona sul de São Paulo, voltada para educação infantil e ensino fundamental I. A mudança foi inspirada por sua experiência em atender a Secretaria de Educação do Rio de Janeiro, uma de suas clientes na consultoria. Ela chegou para ajudar na gestão da escola. “Minha mãe era muito boa na parte intuitiva, mas faltava um acompanhamento financeiro, um planejamento mais estratégico e com metas”, diz. “Ela também não tinha tempo de divulgar o trabalho que era feito, e entrei para suprir um pouco essa parte.” Mesmo estando em uma empresa gerida pela família, Manoela continuou a manter quem ela era na vida pessoal separada do trabalho. Em 2018, quando se casou com sua esposa Janaína, por exemplo, apenas uma coordenadora que trabalhava mais próxima dela ficou sabendo e foi convidada. “Eu pensava que minha vida pessoal não dizia respeito a ninguém”, diz Manoela. Mas isso não quer dizer que ela não tivesse também certos receios. “Eu tinha mais medo dos pais da escola do que dos funcionários. Receava que o preconceito pudesse atrapalhar o negócio, de pensarem que o fato de uma das sócias da escola ser lésbica ou bi poderia afetar negativamente de alguma forma as crianças.”   Quando vida pessoal e profissional se encontraram Logo depois de se casarem, Manoela e sua esposa se preparavam para ter o primeiro filho, Tom. Foi quando ela percebeu que precisava se fortalecer para assumir uma postura mais aberta em relação à sua vida familiar. Afinal, logo seu filho também estudaria na escola. O momento foi também de reflexão sobre o tipo de sociedade que ela queria ajudar a construir na escola. “Tive que pensar que, se tem alguém tão preconceituoso a ponto de tirar o filho da escola por esse motivo, talvez essa família não seja para a escola”, diz. Foi então que ela decidiu falar em uma reunião geral com os funcionários da escola que ela era casada com uma mulher e que o filho delas iria estudar ali. A sensação foi de libertação. “Quando você fala, fica tudo às claras, e aí deixa de ser uma fofoca”, afirma. Além disso, as reações, mais uma vez, foram positivas. “Fui muito bem recebida. Em nenhum momento tive a sensação de sofrer preconceito.” A ocasião foi o gancho, também, para que o tema da diversidade fosse trabalhado entre as crianças. “A partir do momento que temos uma família que não é tradicional, conseguimos trazer o tema para a discussão e ampliar o horizonte das crianças, algo que fazia falta”, diz Manoela. Isso, aliás, foi uma conquista ainda maior em um momento político mais tenso para pessoas LGBTQIAP+. Segundo ela, os últimos anos no Brasil foram de mais medo para ela e para as pessoas à sua volta. “A gente sentia que o ódio era muito mais validado e aceito, não era algo que escondessem tanto”, diz. Ela lembra, inclusive, que alguns de seus amigos chegaram a sofrer agressões na rua. “Foi um momento bem obscuro.” A gravidez também fez com que ela se aproximasse de um grupo de pessoas que vivem a chamada dupla maternidade — quando os filhos são criados por duas mães, como no caso da Manoela e sua esposa. “É uma rede de mães do Brasil inteiro, com mais de 400 pessoas”, diz. Lá, elas trocam experiências e dicas, além de compartilharem dificuldades. Afinal, conta Manoela, há uma série de questões para serem decididas quando duas mulheres resolvem ter um filho, a respeito das quais ainda se fala pouco. Mas, cada vez mais, essa é a realidade de mais gente no Brasil: de acordo com o IBGE, são mais de 10 mil famílias de parentalidade homoafetiva no país. Uma dessas questões a serem resolvidas, por exemplo, é quem irá engravidar. “Eu sempre quis engravidar e sempre quis ser mãe. Quando conheci minha esposa, ela também queria engravidar, aí chegamos a um impasse”, diz. No fim, Manoela diz que a esposa percebeu que ela não queria realmente, mas apenas sentia pressão social para engravidar. Outros detalhes vão desde qual método usar, se por fertilização ou por inseminação, qual óvulo usar, a escolha do banco doador e quem iria amamentar. No caso de Manoela, ela diz que a primeira gravidez, aos 32 anos, foi por inseminação, já que ela ainda era mais jovem. Já a segunda vez, quando teve sua filha Luiza, aos 35 anos, foi feita por fertilização in vitro — um método mais delicado, mas com mais chances de gravidez. Ela conta também que escolheram usar um banco americano para encontrar um doador de esperma. “Por só funcionar à base de doação, o processo de triagem aqui é um pouco menos rigoroso, e o banco tem poucas informações sobre os doadores.” Já nos Estados Unidos, onde os bancos pagam pelo sêmen, é possível ter informações como mapeamento genético, histórico de doenças da família e até gostos pessoais e religião do doador. Mais uma vez, Manoela conta que teve sorte em sua experiência. “Foi muito legal ver a postura do hospital onde tive meu parto. Eles respeitaram o fato de sermos duas mães”, diz. “Mas conheço pessoas do grupo que tiveram experiencias péssimas de se ignorar a maternidade da mãe que não foi a que engravidou.” Para Manoela, ainda falta muito para que a sociedade reconheça, de fato, a realidade de casais homoafetivos e da dupla maternidade. “Para a Receita Federal, por exemplo, os filhos só podem ter uma mãe. Não há espaço no sistema para duas mães.” Ela mesma passou por uma situação chata quando sua esposa teve dificuldade em registrar o filho. Mesmo casadas no papel, as duas precisaram conseguir um documento da clínica de fertilização atestando que as duas constituíam uma família e eram mães do filho. Em contraste, lembra Manoela, qualquer homem pode registrar uma criança como seu filho sem necessidade de provar qualquer outro tipo de vínculo. “Foi um pouco frustrante ter que passar por tanta burocracia para provar que minha esposa era mãe tanto quanto eu.” Hoje, Manoela diz que gosta de compartilhar o máximo que pode sobre experiências da maternidade dupla, como forma de aproximar outras pessoas de realidades como a dela. “As pessoas só vão começar a quebrar preconceitos se escutarem o que os outros têm a dizer”, diz Manoela. Nesse sentido, ela comemora iniciativas como o Inspride, coletivo LGBTQIAP+ do Insper. “Na minha época como aluna, eu jamais imaginaria ver pessoas falando sobre a comunidade para os outros. Acho isso maravilhoso e espero que ganhe cada vez mais visibilidade.”"}]