A pluralidade cria um ambiente mais fértil para a criatividade e a inovação nas variadas manifestações da vida, diz a publicitária Raphaella Martins
Leandro Steiw
Expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos e celebrada no dia 14 de julho, a liberdade de pensamento está indissociavelmente conectada à expressão da diversidade. A publicitária Raphaella Martins, membro-fundadora do Conselho Consultivo de Marketing do Insper, tem diversas histórias para ilustrar como a restrição a um ambiente diverso intimida e limita a liberdade de expressão. Em 2017, ela foi uma das líderes do programa de equidade racial da agência J. Walter Thompson.
Raphaella cita uma pesquisa da consultoria Accenture, intitulada Getting to Equal, que estima que companhias inclusivas e diversas são 11 vezes mais inovadoras e têm funcionários seis vezes mais criativos do que a concorrência. Ela imagina um espaço onde a pessoa não precisa gastar energia fingindo ser o que não é, tentando se inserir em um contexto no qual não se encaixa ou não contempla o que é por inteira.
“Esse espaço libera para canalizar essa mesma energia para o novo, para o diferente, para trocas com pessoas de diversos perfis onde o conflito positivo de ideias entre vários repertórios leva você para soluções mais criativas e inovadoras”, diz. “Por isso, penso que um ambiente menos plural tende a ser um ambiente menos livre, que nos aprisiona a uma perspectiva única que dificilmente promove um terreno fértil para receber de forma saudável as várias formas de ser, existir e pensar o mundo.”
Com duas décadas de experiência no mercado publicitário, Raphaella identifica a força da liberdade de pensamento na sua profissão. “A falta de liberdade de pensamento no mundo, no nosso país, nas teias que tecem a dinâmica da nossa sociedade e obviamente a minha vida, me forçou e me força a encontrar caminhos — na minha carreira e na minha vida — que rompam com tudo o que nos aprisiona”, afirma.
Raphaella observa: “A desigualdade — principalmente a racial no Brasil — e a lógica da história cultural única global, que é prioritariamente elitista, norte-americana e eurocêntrica, me fazem questionar se estamos de fato vivendo e explorando uma visão ampla da vida, com conhecimento plural, de várias fontes que nos permitam adquirir novos conhecimentos que, mais do que seguir repetindo ou reproduzindo o que já existe, nos permitam ampliar nossa perspectiva, pautar novos caminhos”.
Ela convida à análise da bibliografia e do perfil dos autores dos currículos dos cursos da faculdades. “Quem são os autores? No conjunto final, são quantos homens, quantas mulheres, de quais países, quantas pessoas negras e todas as suas intersecções? A fotografia final do grupo que forma tudo o que você está consumindo como conhecimento, não só na faculdade, mas o que e quem você está lendo, assistindo, ouvindo, forma e molda a sua percepção de mundo”, diz. “Essa hoje é a principal atenção na minha carreira e na minha vida: só consigo construir projetos, ideias e propostas inovadoras se fizer o exercício diário de não me deixar cair na armadilha da história e ponto de vista único.”
As histórias anteriores de superação de seu pai e de sua mãe reduziram diversos dos obstáculos que Raphaella encontrou pelo caminho. Em contrapartida, a sociedade permaneceu estruturalmente racista. “Minha experiência de vida é marcada por atravessar e navegar ambientes onde sempre fui a única ou uma das únicas pessoas negras no espaço”, conta. “E reforço este ponto em específico como um marcador importante na formação da minha personalidade, pois ser sempre a única ou uma das únicas em um espaço sempre muito elitista, branco e estruturalmente racista definiu e formou a minha dinâmica de existir no mundo.”
Como ela recorda, os “caminhos para transformar em oportunidade, beleza e adjetivo” o que a faziam diferente foram sendo aprendidos nas aulas de balé e inglês na infância, passando pela escola e pela faculdade até chegar ao trabalho, às cadeiras de liderança, às viagens internacionais e às mesas de tomada de decisão. “Essa busca de uma vida e esse exercício profundo reflexivo de dentro para fora, num contexto que estava a todo tempo me forçando a me encaixar, me moldar a algo que não me contemplava por inteira, me garantiu muita musculatura emocional e firmeza para encontrar e saber quais são os meus valores inegociáveis”, afirma.
Para viver bem e fugir de um comportamento de constante dúvida e insegurança, Raphaella buscou entender mundos, pessoas e universos diferentes. “Nada é 100% bom ou 100% ruim”, diz. “Tudo e todos podem ter algo positivo ou algo que acrescente na sua vida. E como isso me fez ter uma facilidade muito natural em lidar com o diferente, essa característica me garantiu na profissão e na vida um lugar autêntico de ponte, de mediação, de lidar bem com conflitos, de entender e negociar com os lados para encontrarmos um caminho que possa beneficiar a todos.”
Segundo Raphaella, em um mundo polarizado, de pessoas com opiniões rígidas e cristalizadas, é de extrema importância exercitar o olhar positivo para o outro. “Mesmo que o perfil do outro seja completamente contrário ao seu, deve-se fazer o exercício de investigar quais são os pontos que lhe aproximam e a partir daí encontrar a estrada que possibilite um avanço coletivo”, afirma. “Vivemos em uma sociedade que se apequena, regride e nos aprisiona ao mínimo de boa ou melhor vida que poderíamos ter quando seguimos caminhos que nos beneficiem apenas individualmente, sem olhar para o lado e se importar com o outro.”