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“O grande legado de Nelson Mandela é ensinar que todos somos humanos”

O professor Ivanildo Dias de Lima reflete sobre as lições deixadas pelo líder sul-africano, cuja data de nascimento, 18 de julho, serve para celebrar muito além da igualdade racial

O professor Ivanildo Dias de Lima reflete sobre as lições deixadas pelo líder sul-africano, cuja data de nascimento, 18 de julho, serve para celebrar muito além da igualdade racial

 

Tiago Cordeiro

 

“Mvezo era um lugar à parte, uma minúscula aldeia afastada do mundo dos grandes eventos, onde a vida era vivida como o fora por centenas de anos.” Em sua autobiografia, Longo Caminho para a Liberdade, Nelson Rolihlahla Mandela descreveu assim a região onde nasceu, em 1918. Era um território considerado reserva protegida da nação xhosa depois que uma série de conflitos sangrentos com os colonizadores ingleses, no século 19, terminou em trégua.

Sua mãe, Nosekeni Fanny, era a terceira esposa de Gadla Hendry Mandela, um líder local importante. “Rolihlahla”, aliás, significa “aquele que arranca um galho de árvore”, uma forma delicada de chamar alguém de encrenqueiro. Nelson tinha um ano de vida quando o pai se envolveu com um conflito com um juiz local, branco, e perdeu boa parte do patrimônio. Entre dificuldades financeiras, a criação metodista por orientação da mãe e os costumes locais herdados do pai, o jovem cresceu disposto a cumprir a profecia embutida em seu nome.

Mandela passou a vida arrancando galhos de árvores. Vivendo sob o apartheid, um regime de divisão racial da África do Sul implementado por lei em 1948, ele foi defensor da desobediência civil para contestar o racismo institucionalizado. Depois de ser detido em diferentes ocasiões, acabou condenado à prisão perpétua, em 12 de junho de 1964. Seria libertado apenas 27 anos depois.

Recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1993 e assumiu a presidência da nação no ano seguinte, quando liderou um esforço de reconciliação nacional. “Eu lutei contra a dominação branca, e eu lutei contra a dominação negra. Eu nutri o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais”, escreveu. “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender. Se podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar.”

Todos os anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) realiza uma série de eventos em 18 de julho, a data de nascimento do líder sul-africano — que morreu há quase dez anos, em 5 de dezembro de 2013. “Nelson Mandela foi um colosso de coragem e convicção. Um líder de grandes feitos e de uma humanidade extraordinária. Um gigante do nosso tempo. Ao comemorarmos a vida e o legado de Nelson Mandela, deixemo-nos inspirar pelo seu espírito de humanidade, de dignidade e de justiça”, declarou, no evento deste ano, o português António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

Professor de Estatística e Pesquisa Operacional nos cursos de MBA do Insper, Ivanildo Dias de Lima acompanha a trajetória de Mandela com atenção especial para o legado deixado pelo líder. Na entrevista a seguir, ele aponta que essas lições superam as pautas em prol da igualdade racial pelas quais o líder sul-africano ficou tão conhecido. E indica que o caminho para valorizar o legado de Mandela é a educação.

 

Professor Ivanildo Dias
Professor Ivanildo Dias

 

Qual a importância de celebrar o Dia de Nelson Mandela?

“Está em suas mãos.” Esse foi o lema anunciado por Mandela quando ele celebrou seus 90 anos, em Londres, e que a ONU adotou como o tema do Mandela Day de 2023. Naquele evento de 2008 ele deixou claro: todos nós precisamos participar da mudança do mundo. Não podemos depender apenas do mainstream.

E, de fato, atualmente, todos os anos, no dia dedicado a seu legado, são realizadas uma série de ações concretas na África do Sul. São restauradas praças, inauguradas quadras esportivas. Neste ano foram plantadas mil árvores. É um dia de ações concretas, que englobam, mas vão além da defesa da igualdade racial. Envolvem também, de acordo com a proposta da ONU, a promoção e a proteção dos direitos humanos, a reconciliação, a igualdade de gênero e os direitos das crianças. É uma oportunidade para refletir sobre políticas de afirmação para todos os grupos vulneráveis.

 

Qual foi a relevância de Mandela, para além da transformação que ele promoveu na África do Sul?

Ele defendia a igualdade de gênero e de raça. Inspirou a ONU a elaborar um código de direitos dos presidiários, mas também dos agentes penitenciários, que sofrem uma pressão muito grande em suas atividades. Nos ensinou que, enquanto não percebemos que a luta do outro é a nossa também, continuaremos formando guetos. Aliás, ainda no século 19, Friedrich Nietzsche explicou como seitas são construídas. É por meio de narrativas. Primeiro se cria um elo de identidade visual. Quando ele está estabelecido, o passo seguinte é considerar que todos as demais pessoas são inimigas.

A luta da mulher pela liberdade, conduzida por líderes como Simone de Beauvoir, é a luta de todos nós. Se não nos dermos as mãos em defesa dos sub-representados, vamos ficar apenas fazendo pequenas ações dissociadas entre si. Como Mandela dizia, se você quer vencer seu inimigo, você tem que trabalhar com ele. A melhor maneira de vencer barreiras preconceituosas é trazer o diferente para perto. É através da narrativa que podemos construir a paz, e essa é uma grande lição deixada por Mandela.

 

Existem lições deixadas por Mandela que o mundo esqueceu, ou que não aproveita o suficiente?

Quando vemos grupos de extrema direita disputar espaços novamente, quando olhamos para os números de casos de feminicídio no Brasil, que caminham na contramão da tendência global de diminuição, ou para o momento em que a Europa está em guerra novamente, vamos que há muito a aprender. O grande legado de Nelson Mandela é ensinar que todos somos humanos. E que valorizar a humanidade significa tomar decisões difíceis.

Nesse sentido, seu exemplo ecoa uma frase do filósofo Immanuel Kant: uma pessoa livre é capaz de fazer aquilo que ela não quer. Quem faz somente o que quer é escravo do desejo. Mandela certamente tinha em seu íntimo uma demanda por se vingar de tudo o que havia passado na prisão, por 27 anos. Como ele mesmo escreveu: “Quando eu saí em direção ao portão que me levaria à liberdade, eu sabia que, se eu não deixasse minha amargura e meu ódio para trás, eu ainda estaria na prisão”. Foi pressionado por seus pares que desejavam o revanchismo. Mas realizou um governo de coalisão e reconstrução, para todos.

 

Como a sociedade pode atuar para garantir que esse legado permaneça?

Ele era um pacifista e sabia que o caminho para construir a paz passa pela educação. É o que faz o Insper, por exemplo, com seu programa de bolsas, que coloca alunos de classes sociais diferentes para conviver. Não se trata apenas de compartilhar o mesmo espaço entre os diferentes. Mais importante ainda é formar cidadãos que identifiquem o que eles têm em comum, entendam suas semelhanças mais essenciais.

Nesse sentido, a arte é uma ferramenta poderosa para agregar pessoas. Quando se compartilha um poema ou se entra para uma peça teatral, as diferenças se mostram irrisórias. Foi o que lembrou Barack Obama, que, em 2016, quando era presidente dos Estados Unidos, recebeu o evento oficial do Dia Mundial do Jazz na Casa Branca. Na ocasião, ele lembrou que a música iguala a todos nós, agrega comunidades, anula diferenças. Como dizia Mandela, “a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo”.

 

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