Guilherme Fowler, Bruno Varella e Andrea Minardi analisaram casos de investimentos privados em ambientes institucionais fracos sob as lentes do conceito de competência de propriedade
Leandro Steiw
Os pesquisadores e professores do Insper Guilherme Fowler, Bruno Varella e Andrea Minardi receberam o prêmio de Melhor Trabalho da Divisão Estratégia da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad). Eles concorreram com o estudo Ownership Competence in Weak Institutional Environments: The Case of Private Equity Investments in Entrepreneurial Firms (em tradução livre, Competência de Propriedade em Ambientes Institucionais Fracos: O Caso de Investimentos de Private Equity em Empresas Empreendedoras), durante o 10º Encontro de Estudos em Estratégia da associação, realizado na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo.
O trabalho entra no debate sobre “competência de propriedade”, conceito proposto por um conjunto de autores capitaneados por Nicolai Foss, professor da Copenhagen Business School, na Dinamarca. Mas estende a discussão teórica para a influência do ambiente institucional sobre o exercício da propriedade, fator não considerado no artigo de Foss publicado no Strategic Management Journal (SMJ), o principal periódico da área de estratégia no mundo. A ideia dos três pesquisadores brasileiros fundamenta-se na análise de casos de 40 empresas que passaram por todo o ciclo de investimento de private equity.
Fowler explica que, desde a década de 1990, a literatura especializada entende que o empreendedor precisa da propriedade dos recursos considerados estratégicos para criar algum valor, porque só ele consegue visualizar a materialização desse valor. Para que esse valor seja gerado, os teóricos de estratégia ressaltam a importância do alinhamento de incentivos dentro das organizações — que, afinal, são constituídas por múltiplas relações de agência entre os seus colaboradores. Os direitos de propriedade, portanto, precisam estar muito bem definidos.
No entanto, se dois empreendedores têm ideias similares e acesso a recursos também similares, não necessariamente gerarão o mesmo valor, porque um deles eventualmente terá mais competência e capacidade para exercer a propriedade sobre os recursos. “Isso é a competência de ser proprietário, ou a competência de propriedade”, diz Fowler. Basicamente, essa é a proposição de Foss e colegas que assinaram o artigo publicado em 2021.
Envolvidos com pesquisas na área de economia institucional, Fowler e Varella publicaram no SMJ, no começo de 2023, um comentário ao artigo de Foss. Eles questionaram, em relação à teoria, a falta de referência ao papel do ambiente institucional no exercício da propriedade. “Imagine dois empreendedores na Dinamarca e dois empreendedores no Brasil que tenham a mesma ideia e o mesmo recurso”, diz Fowler. “Em cada país, um dos dois empreendedores pode se destacar, mas isso não necessariamente é comparável, porque exercer a propriedade no Brasil é diferente de exercer a propriedade na Dinamarca. Então, o ambiente institucional tem algum peso.”
O trabalho brasileiro é uma continuação do debate sobre ownership competence, que tem atraído bastante atenção dos pesquisadores em estratégia, mas avança ao apresentar dados a uma discussão eminentemente teórica. Neste ponto, contou muito a experiência de Andrea Minardi em private equity, uma das principais linhas de estudo da professora. Com auxílio da Ártica Investimentos, 40 fundadores e fundadoras de empresas brasileiras relataram a experiência com o fundo de private equity que investiu em suas companhias. Depois, uma pesquisa com os fundos buscou informações sobre a lógica daqueles investimentos.
Como essas discussões se conectam? Foss e seus coautores citam os fundos de private equity como um ótimo exemplo de exercício de competência de propriedade, porque agrega três componentes: a capacidade de uma firma ou de um indivíduo encontrar recursos adequados; a capacidade de fazer a governança desses recursos; e a capacidade de organizar esse processo no tempo — inclusive, saber a hora certa de vender ou realizar valor com esse recurso.
Segundo Fowler, o trabalho premiado pela Anpad mostra que o ambiente institucional do Brasil, que é relativamente instável, limita a capacidade desses fundos de private equity de exercer, de fato, a sua competência de propriedade. Os autores acrescentaram uma terceira categoria aos dois tipos de fundos identificados na literatura especializada. Tradicionalmente, existem os fundos de growth equity — que são minoritários nas empresas investidas e esperam lucro com uma venda futura pelo fundador majoritário — e os buyout — que se tornam majoritários nas empresas investidas, trocam a gestão, corrigem a rota, aumentam o valor de mercado e lucram com a venda posterior.
Sob as lentes da competência de propriedade, os casos de private equity no Brasil abrem uma terceira categoria: o fundo é majoritário na empresa investida, mas se comporta como se ele fosse minoritário. “Parece estranho, mas isso acontece porque os dados indicam que o fundador dessa empresa sabe navegar muito bem no ambiente institucional brasileiro”, afirma Fowler. “Ele tem conexões e relações informais, mas não escusas, com bons fornecedores, por exemplo, ou conhece muito bem a regulação do setor.”
Por não ter esse conhecimento do empreendedor, o fundo de investimento aceita se comportar como minoritário, mesmo sendo majoritário. “O fundo entende que, se der suporte para essa empresa continuar operando e eventualmente se expandir, obterá lucro no final”, diz Fowler. “E também sabe que não conseguiria exercer plenamente a sua competência de propriedade, pois o ambiente institucional impõe restrições.”
Essa terceira categoria de private equity foi nomeada pelos autores brasileiros de buyout submissivo — buyout porque é majoritário, submissivo porque se comporta como minoritário. Há certa tensão no relacionamento entre as duas partes, mas o fundo não tem saída. “Uma vez que o investimento foi feito, fica-se atrelado a esse fundador de uma forma que os registros não indicam que aconteceria em países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos”, afirma o professor do Insper.
O trabalho de Fowler, Varella e Minardi foi elogiado pela originalidade, rigor metodológico e contribuição para o campo da administração, além de permitir insights valiosos para acadêmicos, profissionais e formuladores de políticas. O prêmio de Melhor Trabalho da Divisão Estratégia destaca a excelência acadêmica dos pesquisadores e reforça a reputação do Insper como uma instituição de ensino e pesquisa de ponta.