Relembre as principais lutas e conquistas do movimento em defesa dos direitos dessa população no país
Julia Heemann
O Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, em 28 de junho, é comemorado nessa data para lembrar um ato de resistência que ocorreu em Greenwich Village, bairro boêmio de Nova York, em 1969. Nesse dia, um grupo de manifestantes reagiu às constantes ações de truculência policial contra os clientes de um bar frequentado por homossexuais, o Stonewall Inn. A rebelião, que durou seis dias, entraria para a história como um símbolo da defesa de direitos da população LGBTQIAP+.
Já no ano seguinte, para lembrar o levante, as primeiras paradas de orgulho gay ganharam as ruas dos Estados Unidos, espalhando-se depois pela Europa e pelo mundo. No Brasil, a Primeira Parada do Orgulho Gay foi realizada em 1997. A seguir, conheça um pouco mais sobre os principais marcos históricos do movimento LGBTQIAP+ no país.
“Mas qual é o crime deste rapaz?” — foi a manchete da edição zero do primeiro jornal a abordar as questões da comunidade gay no Brasil. Em plena ditadura, o jornal independente Lampião, feito por homossexuais para homossexuais, mapeava os territórios gays (que, na época, decidiram abrasileirar a palavra como “gueis”), com reportagens ousadas e — apesar do clima de repressão da época — cheias de humor.
O Ferro’s Bar, localizado próximo à Av. 9 de Julho, na capital paulista, era ponto de encontro de mulheres lésbicas — e alvo frequente de incursões policiais, que expulsavam as frequentadoras do bar. No dia 19 de agosto de 1983, as militantes resolveram dar um basta na discriminação. Elas se organizaram com outros grupos LGBT, feministas e figuras políticas da época e leram um manifesto contra a repressão e pelos direitos das mulheres lésbicas. O episódio ficou conhecido como o Stonewall brasileiro, uma referência ao levante contra a discriminação LGBTQIAP+ (esta sigla ainda não existia na época) que ocorreu em Nova York, em 28 de junho de 1969.
A causa LGBTQIAP+ obteve neste ano uma grande conquista: o Conselho Federal de Medicina do Brasil retirou a homossexualidade do rol de patologias. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde foi na mesma direção e retirou a homossexualidade da Classificação Estatística de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Essas decisões não acabaram com o preconceito e a discriminação, mas foram importantes para a compreensão da homossexualidade como identidade sexual, que não necessita de cura. Infelizmente, a transexualidade só deixou de ser considerada doença pela OMS somente muitos anos mais tarde, em junho de 2018.
Inspirada nas Gay Prides Parades, que aconteciam desde 1969 nos Estados Unidos, a Primeira Parada do Orgulho Gay no Brasil foi realizada em 28 de junho de 1997. Teve como palco a Av. Paulista, em São Paulo, e contou com 2 mil pessoas, que protestaram contra a discriminação e a violência sofridas por gays, lésbicas e travestis. Há, porém, controvérsias sobre qual evento foi a primeira Parada do Orgulho oficial, pois, em 1995, uma conferência no Rio de Janeiro foi seguida pela realização de uma marcha. Para muita gente, a manifestação de 1997 é considerada a primeira planejada como uma demonstração política de luta e celebração. Em 1999, a Parada do Orgulho LGBT+ entrou para o calendário oficial da cidade de São Paulo e já chegou a atrair 4 milhões de pessoas, entrando para o Guinness Book como a maior do mundo.
Aprovada pelo Conselho Federal de Psicologia, a Resolução nº 01/1999 veta que profissionais da área exerçam qualquer atividade que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas. Em resumo: a “cura gay” está proibida de ser exercida por profissionais da área da psicologia. Conforme o Art. 2º da resolução, “os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas”.
No dia 29 de janeiro, homens e mulheres transexuais e travestis foram a Brasília para lançar a campanha “Travesti e Respeito”, um histórico ato político em favor do respeito à identidade de gênero no Brasil. A manifestação coincidiu com uma ação do Ministério da Saúde, que na época buscava promover o cuidado contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), questão historicamente relacionada a população transgênero. É por isso que esse dia, 29 de janeiro, passou a ser celebrado como o Dia Nacional da Visibilidade Trans.
A Portaria nº 1.707, de 18 de agosto, garantiu o acesso integral ao processo transexualizador pelo Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas transgênero. Essa conquista ocorreu por pressão de movimentos sociais para a implementação do projeto. Processo transexualizador é um conjunto de procedimentos e assistências prestadas à comunidade transgênero. Inclui o uso do nome social e a mudança do corpo, desde o tratamento hormonal até as cirurgias de redesignação sexual (mudança de sexo, tanto de homem para mulher quanto de mulher para homem) e procedimentos complementares.
Em maio, o Superior Tribunal Federal alterou o entendimento do Código Civil de que família era formada por um homem e uma mulher. A partir de então, uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo passaram a ser permitidas, seguindo as mesmas regras e consequências daquelas entre casais heterossexuais. Hoje, não há no país uma lei sobre o tema. O casamento é legal, mas o que garante os casamentos e uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo é a jurisprudência.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente não aborda a orientação sexual ou o gênero dos potenciais adotantes como critérios a serem considerados. Assim, não existem quaisquer restrições nesse sentido. Além disso, desde 2015, o Supremo Tribunal Federal autorizou de forma oficial a adoção de crianças e adolescentes por casais LGBTQIA+.
O decreto nº 8.727 estabeleceu que, nos órgãos e repartições públicas federais, é assegurado o reconhecimento da identidade de gênero das pessoas travestis e transexuais, bem como o uso do nome social. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal decidiu que transexuais e transgêneros têm o direito de alterar seus nomes nos registros civis sem a necessidade de realizar uma cirurgia. O nome social é aquele pelo qual uma pessoa se apresenta e quer ser reconhecida socialmente.
O Superior Tribunal Federal determinou que a homofobia é um crime imprescritível e inafiançável. Na decisão, o órgão decidiu que a lei de combate ao racismo (Lei nº 7.716/1989) também se aplica aos casos de homofobia e transfobia. O Artigo 20 dessa lei prevê uma pena de reclusão de um a três anos, além de multa, para os que praticarem tais crimes.
O Senado aprova um projeto de lei que proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual. Até então, homens que mantivessem relações sexuais com outros homens nos 12 meses anteriores não podiam doar sangue, de acordo com a Resolução RDC nº 34/14 da Anvisa e com a Portaria nº 158/16 do Ministério da Saúde. Especialistas em saúde defendiam o fim dessa proibição havia muitos anos, por considerá-la improcedente e preconceituosa, um resquício da epidemia do vírus HIV no país.