Instalado no Palácio dos Campos Elíseos, símbolo da elite cafeeira, o espaço na região central de São Paulo preserva conquistas e histórias dos moradores das favelas
Tiago Cordeiro
Qual a função de um museu? Conservar obras de arte e objetos e documentos de valor arqueológico, histórico e científico, para fins de preservação, de incentivo a novas pesquisas e de apresentação ao público — de forma a cumprir também um caráter educativo. Essa é a definição do Conselho Internacional dos Museus, que estima que existam hoje mais de 55 mil museus no mundo inteiro. A palavra, aliás, tem origem na Grécia Antiga, onde significava “templo das musas” e, há cerca de 2.500 anos, já era utilizada para caracterizar locais destinados a estudo e compartilhamento de saberes.
Mas, acima de tudo, museus são pontos de encontro. E disseminar saberes pode representar, também, proporcionar experiências imersivas. Foi precisamente com esse objetivo que, no final de 2022, foi inaugurado em São Paulo o Museu das Favelas. Ele surgiu para registrar as conquistas e as histórias das pessoas que vivem em favelas, estimadas hoje em mais de 17 milhões de moradores. E vai além do simples registro: se propõe a ser um novo ponto de encontro da cultura periférica, preta e quilombola em São Paulo, de forma que os historicamente excluídos tenham voz para relatar suas trajetórias e suas dores.
O novo museu ocupa um dos endereços mais simbólicos das práticas da elite paulistana: o Palácio dos Campos Elíseos, projetado pelo arquiteto alemão Matheus Häusler e finalizado em 1899. Era a residência do cafeicultor e político Elias Antônio Pacheco e Chaves — daí ser conhecido, na época, como “Palacete Elias Chaves”.
Foi inspirado no Castelo d’Écouen, na França, e utilizou materiais importados de diferentes locais dos Estados Unidos e da Europa. Tem quatro andares e mais de 4 mil metros quadrados. De 1915 a 1967, foi residência oficial do governador do estado — o Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, assumiu essa função em decorrência de um incêndio que destruiu parte do Palácio dos Campos Elíseos.
Agora, o Palácio dos Campos Elíseos abriga um espaço que leva a favela a ocupar um casarão e um bairro ligados no passado à elite paulistana. O Museu das Favelas recebe exposições temáticas, e também oficinas e feiras, além de ciclos de debates e apresentações de arte e dança. Procura, assim, compartilhar as mais variadas expressões das periferias, em toda a sua multiplicidade — de acordo com o IBGE, existem no país 6.329 favelas em 323 municípios.
Para viabilizar a iniciativa, o governo do estado procurou a Central Única das Favelas (Cufa), uma organização não governamental surgida em 1999 na favela Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, hoje com atuação em todos os estados brasileiros e em outros 14 países. Cada espaço, do saguão ao jardim, ganha vida e permanece disponível para a manifestação da cultura de uma parcela fundamental da população.
O espaço não abriga um acervo físico. Mas mantém um Centro de Memória e Referência, cujo objetivo é preservar, de forma bibliográfica, virtual e documental, a memória das comunidades periféricas. Em sintonia com essa proposta, mantém uma rotina de atividades caracterizada pelo dinamismo.
Disponíveis desde a abertura, algumas exposições permanecem. Uma delas, “Favela-Raiz”, é uma ocupação-manifesto, composta de cinco partes — três internas e duas externas — que leva aos fundamentos da formação da identidade das pessoas que habitam esses territórios: a ancestralidade, as mulheres, a força do trabalho e os abrigos materiais e afetivos. A outra, “Identidade Preta”, celebra os 20 anos do Festival Feira Preta, o maior evento de cultura negra da América Latina.
O espaço funciona de terça a domingo, das 9h às 18h, com entrada gratuita. A organização também oferece o Passaporte das Favelas, com ônibus gratuito para grupos que estejam a até 80 quilômetros de distância do local, instalado na rua Guaianases, 1.024, nos Campos Elíseos. Para saber mais e acompanhar a programação atualizada, acesse o site www.museudasfavelas.org.br.