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Como combater a LBGTQIAP+fobia no dia a dia

Um lugar inclusivo é aquele em que as pessoas se sentem seguras de ser quem são, diz Bruno Lippi, da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão

Um lugar inclusivo é aquele em que as pessoas se sentem seguras de ser quem são, diz Bruno Lippi, da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão

 

Bárbara Nór

 

Quando se fala em LGBTQIAP+fobia, o Brasil ocupa uma infeliz posição de destaque como um dos países mais perigosos do mundo contra pessoas desse grupo. No ano passado, por exemplo, pelo menos 273 pessoas LGBTQIAP+ morreram de forma violenta no país, de acordo com o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI. A homofobia, a transfobia e a bifobia não se reduzem à violência física e visível, afirma Bruno Lippi, analista de letramento de dados no Insper e membro da Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão, na qual está desde o início de sua formação, na frente de sexualidade e identidade de gênero.

Segundo Bruno, de experiências contínuas variando entre “piadinhas” preconceituosas à discriminação explícita, são muitas as marcas do preconceito presentes no dia a dia de pessoas LGBTQIAP+. E o preconceito não vem apenas de pessoas, mas também de instituições — uma vez que elas são produto da organização de pessoas em torno de objetivos e atividades. Até 1990, por exemplo, a homossexualidade era considerada uma doença, passível de ser “curada”, algo que hoje é reconhecidamente uma prática considerada violenta. É justamente a data de 17 de maio de 1990, aliás, quando a Organização Mundial da Saúde deixou de considerar a homossexualidade como doença, que marca o Dia Internacional contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia.

Para trabalhar o tema no Insper, uma das maiores preocupações, conta Bruno, tem sido abrir a discussão para que tanto pessoas que fazem parte desse grupo quanto outras tenham melhor dimensão de como o preconceito afeta a vida e o bem-estar. “Lançamos ações de acolhimento e conscientização para sensibilizar a comunidade e promover o compartilhamento de experiências”, diz Bruno. “Muitas pessoas que não estão nesses grupos acabam não percebendo porque não sofrem os impactos clara e diretamente, por isso é importante ter essas discussões com frequência.”

 

Bruno Lippi
Bruno Lippi, analista de letramento de dados no Insper

 

Quais são algumas consequências da homofobia para pessoas LGBTQIA+?

Muitas pessoas acham que homofobia, transfobia e bifobia se caracterizam apenas quando alguém vai lá e mata alguém. Ou quando o acesso de alguém a um ambiente é negado porque você é gay, lésbica, bi, trans, entre outras expressões de identidade e sexualidade. Mas não é só isso. Existem questões que são muito mais amplas. Um exemplo é o conceito de família, que, para grande parcela da sociedade, não compreende uma diversificação em sua composição e por muito tempo foi utilizado em contraposição ao termo GLS. No imaginário preconceituoso, um casal de homens, duas mulheres, a união de uma pessoa cis e outra trans, duas trans, um trisal… aí não é mais família. E isso acaba sendo muito excludente, porque você começa a se perguntar qual é o espaço para essas pessoas que não estão na heteronormatividade. Por muito tempo, diferentes formas de ser e se relacionar foram — e ainda são — conectadas a um imaginário de práticas promíscuas, por exemplo, como se isso fosse inerente a essas pessoas, muito por conta da ciência desenvolvida ao longo do tempo e o apego às tradições “familiares”. No Brasil, o reconhecimento da união estável entre parceiros do mesmo sexo só veio em 2011. E, até pouco tempo atrás, práticas de terapia de correção sexual para tentar converter pessoas gays em hétero eram respaldadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Além dessa questão dos direitos, temos as microagressões diárias, como piadinhas machistas, em que a graça está em você feminizar alguém, o que já abre outras tantas discussões, como “Por que a adjetivação feminina traz graça?”. E aí é preciso deixar explícito: não há como falar sobre esse assunto sem entrar em questões de gênero.

 

Qual é essa relação da homofobia com a questão de gênero?

Nesse exemplo da piada, é preciso se perguntar: por que feminilizar um homem é engraçado? Porque culturalmente a gente associa características femininas a aspectos negativos e masculinos a aspectos positivos. Aprofundando esse tópico, e apenas a fim de elucidação, se aponto em um homem uma característica que não está no imaginário de força e masculinidade viril e isso o desqualifica — e da mesma maneira, se aponto uma característica considerada mais masculina em uma mulher e isso a eleva —, podemos começar a refletir como avaliaríamos um homem que considerássemos 100% masculino e uma mulher 100% feminina. E dessa mesma maneira estamos sendo homofóbicos e machistas. E esses modelos mentais não são restritos a pessoas heterossexuais. A própria comunidade LGBTQIAP+ deve refletir sobre isso também se queremos construir espaços e relações mais saudáveis. Essa reflexão requer a sutileza de questionar por que algo gera graça e para quem gera graça. E o estômago para compreender que qualquer pessoa está suscetível a ofender outra pessoa. Eu mesmo por vezes me percebo pensando ou comentado algo que, somente depois que falo, percebo quão impregnado de preconceito está. E nessa hora eu acredito que vale o que queremos ser e como queremos impactar o nosso redor.

 

O que você considera mais importante para garantir que instituições como universidades e empresas sejam mais inclusivas para pessoas LGBTQIA+?

Uma questão que vimos discutindo muito é a segurança psicológica, por meio da sensibilização, da representatividade, de ações formativas de letramento… Precisamos ter senso de pertencimento e para isso é preciso se sentir seguro de ser quem se é. Temos dados de que pessoas LGBTQIAP+ são mais dispostas a desenvolver transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade, por conta de uma vivência em que a todo momento você está em um local em que você precisa se certificar se está seguro para se expressar (e não estou falando sobre performance aqui). Quando você gasta energia pensando em como minimizar seus trejeitos, como falar do seu final de semana para o grupo sem ter receio de ser chacota ou ser excluído, você acaba passando por uma sobrecarga e estresse. Mas uma vez que você não precisa se preocupar com isso, seu cérebro fica disponível para cuidar de outras coisas. E, claro, isso não acontece da noite para o dia. Eu sempre faço essa analogia: quando você está com muita dor em algum lugar do corpo, você, muito dificilmente, vai caminhar uma trilha muito longa, cheia de obstáculos, alguns espinhos, lama, e por aí vai. Pois é, ter que se preocupar em garantir a sua dignidade o tempo todo é exaustivo. É viver em alerta. É viver cansado. Se queremos instituições de ensino e empresas mais inclusivas, é necessário entender que lugar inclusivo é lugar que acomoda novas vivências com segurança. Com posição clara sobre o que é aceito ou não. Com protocolo de tratativas, que, na minha visão, passam também pela educação, formal e informal. Precisamos avaliar a cultura que preservamos.

 

Quais são sinais de que essa segurança psicológica está faltando?

Um deles é essa questão da ausência de artefatos visíveis, palpáveis, da diversidade. Ou seja, andamos por uma escola e vemos que a heteronormatividade está sempre expressa, mas é mais difícil ver algo diferente. Isso não quer dizer que não existam casais gays, mas sim que as pessoas estão escondendo isso. E por que é tão importante esconderem isso? No fundo, isso demonstra que os ambientes ainda passam uma ideia de que você precisa atender a determinados requisitos para ser respeitado e evitar desconfortos, pois, sem protocolos e tratativas, como indivíduos aferem os valores de uma instituição? Apenas discurso não basta. A gente vive isso a vida toda. E isso se aplica a qualquer espaço. É preciso haver a liberdade de se expressar sem se preocupar se isso pode lhe custar um trabalho, a participação em uma atividade de integração de colaboradores ou, no contexto de estudantes, uma atividade não obrigatória em que todos vão receber o convite, mas aquela pessoa que parece diferente não. Porque ninguém perguntou, mas todo mundo assumiu seu gosto e habilidades por ela.

 

Para você, o que é mais importante hoje na luta contra a homofobia?

Nós precisamos de educação e de pessoas com poder de decisão e influência lutando junto. E não é preciso ser LGBTQIAP+ para isso. Não adianta fazer uma ação, por exemplo, uma propaganda mostrando um casal homossexual, bissexual, trans, travesti, se os próprios produtores dessa propaganda estiverem focados apenas em rentabilizar. Quem não é LGBTQIAP+ também precisa falar sobre homofobia, sobre transfobia, e suas outras derivações, assim como todos precisam falar sobre questões de gênero, racismo, etarismo, deficiência, xenofobia… e não olhar para esse conjunto como coisas sem relação umas com as outras. É claro que precisamos olhar separadamente para entender as peculiaridades que cada um desses marcadores traz, mas todas essas questões se conectam, podendo uma maximizar a outra. Perdemos no sentido de coletividade se individualizamos a responsabilidade de espaços e tempos melhores.

 

E como as políticas de uma instituição podem ajudar no combate à homofobia?

As políticas de uma instituição formalizam as práticas aceitas pela comunidade que interage com ela (ou pelas pessoas que a aprovaram). Elas orientam e precisam comunicar as regras dos locais. Quanto mais genéricas e quanto menos reflexos práticos tiverem, mais vazias são. Hoje temos dados, conseguimos gerar informação, entender o fluxo de pessoas que entra e sai, de onde vem, para onde vai… É possível pensar em políticas que se adequem à realidade dos espaços, mas é preciso saber para que lugar queremos ir. Na minha visão, se as políticas não visam modificar o ambiente, elas visam preservá-lo, uma vez que são ferramentas que temos para equilibrar conflitos sociais. O projeto de possibilitar a utilização do nome social na escola é um exemplo que de como uma política/código de ética ganha valor quando sai do campo das ideias e passa a modificar o ambiente. Antes, podíamos simplesmente falar que qualquer pessoa é bem-vinda nos espaços do Insper, mesmo que elas tivessem que passar por constrangimentos toda vez que se deparassem com o nome que lhes retirava a liberdade de ser. Agora pessoas que conseguiram reivindicar seus nomes em conforme com o gênero que lhes é de identidade passarão a ter uma violência a menos. E o mesmo direito de não precisar explicar qualquer disparidade entre um registro no sistema e sua existência.

 

Qual é o maior desafio nessa construção de uma sociedade não homofóbica?

Acho que é fazer com que as pessoas entendam o que é e como a homofobia tem raiz em pequenas crenças, se desenvolve e reflete em TODA a sociedade, e chega ao ponto de gerar isolamento, exclusão e violência. Falamos de alguns reflexos específicos para pessoas LGBTQIAP+, mas podemos pensar por outro viés. Por exemplo, como a ideia do que é ser um homem hétero faz com que homens não possam chorar, expressar sentimentos, pedir ajuda. A própria defesa de uma masculidade padronizada diz muito sobre o que homens, nesse caso, querem evitar passar se forem confundidos com uma pessoa LGBTQIAP+. Esse cenário é extremamente violento e todo mundo faz parte dele. Então que tal contribuir para que esse medo não exista para ninguém?

Penso que estamos em 2023 e, ainda assim, quem está falando é um homem branco, paulistano, gay, de dentro de uma das instituições de maior prestígio acadêmico do país. Espero um dia ver maior representatividade na escola para falar sobre o assunto.

 

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