O alerta é do advogado Karlis Novickis, especialista em combate à corrupção. Ele é um dos docentes da 3ª edição de curso no Insper sobre avaliação de riscos, com início em 8 de maio
Françoise Terzian
A lei anticorrupção brasileira faz 10 anos em 2023. Muito se evoluiu nesse período nos âmbitos público e privado, mas ainda há um longo caminho a percorrer. A demanda por profissionais especializados no combate às fraudes continua a crescer, o que justifica a 3ª edição do curso executivo Avaliação de Riscos de Corrupção, oferecido em parceria com o Pacto Global da ONU.
Com aulas de 8 a 31 de maio, o curso na modalidade live learning é voltado para profissionais que atuam na área de governança corporativa, auditoria, controles internos, riscos e compliance, além de todos que tenham como escopo o desenvolvimento da governança interna da empresa ou de suas iniciativas de sustentabilidade.
Entre os docentes do curso está Karlis Novickis, com 22 anos de experiência em escritórios de advocacia e empresas nas áreas criminal e de compliance. Ele é responsável por compliance da Whirlpool na América Latina e da Embraco globalmente, além de integrar os comitês de auditoria da Paranapanema, de reestruturação de compliance da nova Engevix e de integridade da Petrobras.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida por Novickis:
Como anda a questão da corrupção no ambiente governamental e corporativo? A situação está melhorando ou piorando?
O assunto “governança sobre riscos de corrupção” permanece em alta, uma vez que as empresas podem sofrer grandes impactos em caso de exposição, bem como perder clientes ou investidores em caso de não alinhamento. Incentivar a governança sobre esses riscos passou de mero diferencial competitivo para padrão mínimo de trabalho aceitável. Os aprendizados, locais e globais, sobre o assunto permanecem atuais e estão sendo buscados por empresas, acionistas e administradores sérios e de qualidade, uma vez que se tornou importante e adequado falar a respeito e levantar a mão para riscos dessa natureza. Caso uma empresa, acionista ou administrador não se preocupe com isso, certamente faz parte de uma parcela marginal da sociedade. Aliás, tal parcela sempre existirá — pois sempre há os que buscam fraudar, enganar ou se esquivar das obrigações. O que muda é o tamanho dessa parcela marginal. E hoje, certamente, ela é menor em relação a 10 anos atrás. Inclusive, neste ano, a lei anticorrupção brasileira (Lei 12.846/13) faz 10 anos de promulgação. E está enfrentando uma saudável avaliação de rota e impactos: deve-se rever acordos de leniência firmados? Quais os impactos de um acordo? Quais os critérios a serem considerados? Foi importante esse tipo de instituto? Enfim, há importantes reflexões.
Compliance hoje é uma realidade na maioria das empresas ou é só uma palavra bonita usada com fins de marketing?
É uma realidade em muitas empresas, mas, nem de longe, da maioria. Há o grupo de empresas, acionistas e administradores oportunistas que investem na estrutura apenas para parecerem aderentes e, com isso, ludibriarem os stakeholders daquela empresa e pessoas. Há o grupo de empresas, acionistas e administradores sérios e de qualidade que investem na estrutura pelas razões adequadas: prevenir materialização dos riscos de corrupção. E, se não for possível prevenir, detectar condutas indevidas de forma prematura, ou bem reagir a exposições concretas. E há o grupo de empresas, acionistas e administradores que ainda não foram confrontados pela necessidade de optar por um ou por outro grupo. Muito se discute se compliance perdeu um pouco de tração, em razão da pauta ESG. Eu acredito ser uma discussão de pessoas que não se aprofundaram no assunto. Isso porque os riscos de corrupção são materializados também por meio da quebra ou fraqueza das estruturas de governança das empresas. Logo, o “G” é justamente a dimensão da onda ESG que fundamentaria a manutenção de investimentos no combate à corrupção pelas empresas.
O que ocorre, na realidade, é que a busca por ética, moralidade, integridade ou conformidade nas empresas acaba por ser uma agenda muito maior de riscos do que apenas riscos de corrupção. Logo, os investimentos devem ser divididos para a mitigação de diversos riscos: corrupção, assédios, racismo, ambientais, concorrenciais, contra a dignidade humana e do trabalho etc. Contudo, a metodologia ou máquina corporativa para prevenir, detectar e adequadamente responder a riscos materializados é semelhante para os diversos riscos de integridade a que uma empresa está exposta. Assim, investimentos adequados, geridos por profissionais competentes, acabam por reforçar a pauta ESG para os diversos riscos, inclusive os de corrupção. Afastando a crença limitante de que é uma pauta ou outra, e reconhecendo que se trata da mesma agenda com variância de matérias.
Compliance já é algo totalmente compreendido pelo mercado?
Muitas vezes se confundem os termos compliance, integridade, ética, moralidade etc. No meio corporativo, eles são usados quase como sinônimos — apesar de não serem, nem de perto, sinônimos. Basicamente, busca-se definir compliance como o conjunto de iniciativas gerenciais e culturais que buscam adequar as práticas das empresas e seus executivos e empregados. Nessa linha, o que destaco é que os profissionais de compliance/integridade/ética devem se preocupar em identificar e separar quais as (i) atribuições gerenciais que possuem (gerir a área); das (ii) atribuições culturais que possuem. Na primeira, os profissionais devem ser gestores de processos de trabalho: organizar treinamentos, investigações, indicadores, gerir equipe etc. Na segunda, devem ser capazes de influenciar os tomadores de decisão a decidirem de forma inteligente sobre os riscos da decisão. Ou seja, considerando a sustentabilidade e a transparência da decisão, afastando-se dos conflitos que eventualmente surjam e assumindo a responsabilidade pela decisão (accountability).
Como nasceu esse curso do Insper?
Esta já é a 3ª edição do curso de Avaliação de Riscos de Corrupção, uma iniciativa conjunta com o Pacto Global da ONU. O curso está inserido na grade executiva, na trilha de estratégia de negócios do Insper, e faz parte de um conjunto de cursos de compliance que a instituição de ensino mantém há 10 anos, dos quais também sou professor. Temos o curso de compliance, destinado ao público que busca entender o tema de forma abrangente e executiva; temos o curso de gestão de compliance, focado nos executivos seniores da área; o curso de market surveillance, para explorar as regulações afetas ao tema de compliance, incluindo Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo (PLD/FT) no mercado regulado pela CVM e B3; e o de compliance no setor público, voltado para gestores públicos da administração pública direta e indireta. O ambiente público, em especial o federal, teve uma impressionante evolução na temática de combate à corrupção. Não apenas considerando a atuação do MPF e da CGU, mas também as iniciativas dentro das empresas públicas federais, como a Petrobras, na qual integro desde 2019 o comitê de integridade do conselho. A Petrobras se tornou o ente público individual que mais fiscaliza e aplica sanções relacionadas à Lei 12.846. Já o Banco do Brasil tornou-se, por algumas vezes, o banco com a melhor governança no país. Digo isso para citar apenas dois exemplos de vários que existem no setor público.
Para qual profissional exatamente o curso é voltado?
O público-alvo é composto por profissionais de riscos e de compliance que atuam no assessment de riscos das empresas.
Quais seus principais objetivos com o curso?
Contextualizar a avaliação de riscos na prática da governança corporativa de uma empresa e apresentar um modelo de avaliação consistente com as boas práticas globais.