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Assunto do e-mail: infelizmente, você está demitido

Com as demissões em massa promovidas por grandes empresas de tecnologia, cresce o uso do correio eletrônico para dar a má notícia aos empregados dispensados

Com as demissões em massa promovidas por grandes empresas de tecnologia, cresce o uso do correio eletrônico para dar a má notícia aos empregados dispensados

 

 

Em dezembro de 2021, a startup americana Better.com, especializada em crédito hipotecário, protagonizou um episódio de repercussão mundial. Seu presidente executivo, Vishal Garg, reuniu mais de 900 funcionários em uma videochamada por Zoom e levou três minutos para anunciar: “Se você está nesta teleconferência, está no grupo de infelizes que serão demitidos. Seu trabalho acaba aqui, imediatamente”.

A desastrosa demissão em massa virou um exemplo frequentemente citado por especialistas em recursos humanos de como não demitir. A justificativa utilizada na época para a fria e impessoal forma de comunicar os desligamentos foi que a maioria dos empregados trabalhava remotamente por causa da pandemia da covid-19. De lá para cá, com o avanço da vacinação, a situação sanitária melhorou bastante — nem por isso, a prática de demissões virtuais foi abandonada, como aponta um recente artigo publicado no site jornalístico Axios.

Uma das companhias citadas no texto é o McDonald’s. No início de abril, a rede de fast-food fechou temporariamente seus escritórios nos Estados Unidos e pediu que os funcionários permanecessem em suas casas, aguardando um plano de demissões que seria anunciado como parte de uma ampla reestruturação da empresa. Dias depois, funcionários começaram a receber comunicados de dispensa por e-mail. Não foi divulgado o número total de demitidos. Antes desses cortes, o McDonald’s tinha cerca de 150.000 funcionários espalhados pelo mundo.

Um executivo do McDonald’s, que preferiu não se identificar, disse à agência Reuters que as demissões por e-mail foram feitas para conferir “dignidade, confidencialidade e conforto” aos funcionários desligados. Segundo ele, nas demissões realizadas anteriormente nos escritórios, os funcionários eram chamados a uma sala de reunião, recebiam a má notícia e então tinham que caminhar até suas mesas para recolher os pertences e deixar o local. A demissão virtual, de acordo com o executivo, seria uma forma de evitar esse tipo de constrangimento para os demitidos.

O curioso é que até mesmo a empresa Zoom recorreu ao e-mail para comunicar demissões. A companhia americana teve um crescimento explosivo no auge da covid-19, mas seus negócios desaceleraram com a retomada das atividades presenciais. Em fevereiro deste ano, a empresa anunciou um corte de 15% de sua força de trabalho, ou 1.300 pessoas, como forma de lidar com a redução do uso de sua plataforma no pós-pandemia e a incerteza da economia mundial.

“Sei que esta é uma mensagem difícil de ouvir e certamente não é uma que eu jamais quis transmitir. Se você for um funcionário baseado nos Estados Unidos que foi afetado, receberá um e-mail em seu Zoom e em suas caixas de entrada pessoais nos próximos 30 minutos com a seguinte mensagem: [IMPACTADO] Saindo do Zoom: o que você precisa saber”, diz um comunicado assinado por Eric S. Yuan, CEO da empresa, no dia 7 de fevereiro. Não é difícil imaginar a angústia que tomou conta dos quase 9.000 funcionários do Zoom durante os 30 minutos seguintes até descobrirem se estavam ou não na lista dos dispensados.

 

Veio para ficar?

Nos últimos meses, praticamente todas as grandes empresas de tecnologia anunciaram a redução do quadro de funcionários. Somente em janeiro deste ano, segundo estimativa de um site especializado citado em uma reportagem da revista Forbes, 78.000 pessoas foram demitidas no setor. Essas empresas tiveram um boom de contratações durante a pandemia, mas, com a escalada da inflação, a deterioração do ambiente macroeconômico e a diminuição da demanda por seus serviços, estão tentando se ajustar à nova realidade. Alphabet (Google), Twitter, Meta e Salesforce estão entre as empresas que comunicaram a demissão de empregados por e-mail, diz a reportagem.

Essa é uma prática que poderia ser evitada ou veio para ficar? O professor Edvalter Becker Holz, que leciona na trilha de Liderança e Gestão de Pessoas em programas de graduação, pós-graduação e educação executiva no Insper, faz algumas ponderações: “Empresas com culturas caracterizadas por competição individual tendem a oficializar a demissão online, e isso é aceitável desde que as ‘regras do jogo’, no sentido mais amplo, tenham sido claras”, diz Holz. Ele cita como exemplo empresas do setor financeiro. “Seria hipocrisia criticar uma empresa de serviços financeiros por demissões online, se sua reputação como empregadora sempre foi remuneração variável por desempenho individual. Neste tipo de contexto, ninguém deveria ficar surpreso ou indignado, principalmente porque todos devem estar bem habituados com dolorosas demissões de colegas após curvas de distribuição forçada e práticas do gênero.”

A situação muda de figura quando se trata de empresas que buscam construir sua reputação com um discurso baseado na valorização humana, ou de que as pessoas são mais importantes do que os lucros. “Em empresas com culturas de forte vínculo social e afetivo, onde o discurso da liderança promete ‘propósito’, ‘paixão’ e ‘lealdade’, a demissão online será a nova versão do antigo problema do ‘discurso versus prática’. Esse problema é particularmente evidente em algumas fintechs importantes atualmente”, diz Holz.

Especialistas ouvidos na reportagem da Forbes dão uma série de explicações para o fato de as empresas de tecnologia estarem usando a demissão por e-mail. Uma das razões é que muitos dos empregados demitidos foram contratados durante a pandemia para trabalhar em regime de home office. “Você está causando mais dor ao pedir a alguém que está trabalhando remotamente se dirija até a cidade apenas para ser dispensado e depois voltar para casa sozinho”, afirmou Andy Challenger, vice-presidente de uma empresa de recolocação.

Já Patrick McAdams, CEO de uma empresa de recrutamento do setor de tecnologia, disse que outro fator para o uso da demissão por e-mail pode ser o fato de as próprias áreas de recursos humanos das empresas estarem sofrendo com o enxugamento de pessoal. Ou seja, simplesmente não há funcionários suficientes para ajudar a supervisionar as discussões individuais com o grande número de demitidos.

Outra reportagem sobre o tema, publicada pelo site da rede britânica BBC, lembra que cortes de empregos em larga escala sempre existiram. E, no novo mundo do trabalho remoto ou híbrido, em que usamos cada vez mais a tecnologia para nos comunicar, faz sentido que as pessoas que são contratadas e trabalham virtualmente também possam ser demitidas virtualmente.

Mas especialistas entrevistados na reportagem disseram que o problema não é o meio utilizado para comunicar as demissões, mas o processo. O desligamento de pessoas poderia ser feito com mais consideração, ajudando a amenizar o golpe para os trabalhadores afetados. Para Hayden Woodley, professor de comportamento organizacional na Ivey Business School da Universidade Western, no Canadá, demitir pessoas em grupo e sem uma conversa direta são duas coisas que deveriam ser evitadas pelas empresas.  Ambas as práticas podem tornar a perda do emprego — uma experiência já devastadora — ainda mais miserável, porque “ambas serão percebidas como carentes de justiça processual”, segundo Woodley. Os trabalhadores podem esperar certos processos quando são demitidos: uma explicação específica de seu chefe, um certo tempo para poder encerrar algum assunto, uma chance de fazer perguntas. Mas, com demissões virtuais em massa, nada disso é garantido.

Outro especialista, Nicholas Bloom, professor de economia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, concorda e afirma que as demissões em massa que afetam centenas de funcionários — online ou pessoalmente — são “cruéis e absurdas”. “Contratar, treinar e trabalhar com pessoas é sempre pessoal — nunca temos contratações em massa”, disse Bloom. “Nas demissões, é a mesma coisa.” Ou deveria ser.

 

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