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Webinar discutiu o equilíbrio entre a burocracia e a política

Em evento promovido pelo Instituto de Relações Governamentais e pelo Insper, os professores Gabriela Lotta e Carlos Melo analisaram o lugar da técnica e da política na democracia brasileira

Em evento promovido pelo Instituto de Relações Governamentais e pelo Insper, os professores Gabriela Lotta e Carlos Melo analisaram o lugar da técnica e da política na democracia brasileira

 

Michele Loureiro

 

“O funcionamento da democracia pressupõe um equilíbrio frágil entre a burocracia e a política. Uma precisa da outra, porque a burocracia garante técnica, procedimento, legalidade e traz componentes imprescindíveis. Ao mesmo tempo, a política é a voz das eleições, do povo, a tomada de decisões. É uma linha tênue que vive em pauta no Brasil.”

A fala de Gabriela Lotta, professora de Administração Pública da FGV e coautora do livro A Democracia Equilibrista: Políticos e Burocratas no Brasil, aconteceu durante o webinar “Democracia, Participação e Representação Político-Partidária”, promovido pelo Instituto de Relações Governamentais (Irelgov) e pelo Insper.

O evento, transmitido na noite de terça-feira, 28 de fevereiro, contou também com a abertura de Denilde Holzhacker, conselheira do Irelgov e professora da ESPM, e a participação de Carlos Melo, cientista político e professor do Insper.

Gabriela Lotta baseou sua fala no livro que escreveu com Pedro Abramovay, advogado que ocupou cargos altos no governo federal nos mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele foi secretário nacional de Justiça e enfrentou vários momentos de embates com servidores públicos que o levaram a refletir sobre os processos para entender qual o lugar da técnica e da política na democracia.

Segundo Gabriela, a motivação para escrever o livro veio das experiências de Pedro Abramovay. Um dos exemplos remonta a meados de 2011, quando estava em discussão a Lei de Acesso à Informação e o Brasil era o último país a aprovar um texto sobre o tema na América Latina.

“O governo Lula queria a aprovação ágil e estava acontecendo uma reunião com representantes de alguns ministérios e o Itamaraty. Vários deles eram contra a lei e o Pedro estava argumentando que ela iria favorecer a transparência do Estado. Em um dado momento, um diplomata falou que era contra porque a lei daria acesso a questões da época do Barão de Rio Branco, de mais de um século, e isso acabaria com a reputação das forças militares”, contou.

De acordo com Gabriela, esse é um dos casos que fez Abramovay refletir para entender o lugar da técnica e da política. “Se um conjunto de servidores se coloca contra uma lei que seria benéfica para a população para defender um cenário específico, fica complicado. Isso o levou a pensar sobre o que acontecia quando há concursados que se opõem à agenda política, pois havia um conjunto de servidores que não deixavam ter debate”, disse Gabriela.

A professora contou que Abramovay a procurou para analisar esse cenário e compreender a evolução do embate entre a técnica e a política, que ganhou força com a candidatura de nomes como João Dória, que pregava o fim da política e a chegada de técnicos ao poder. “Nos últimos anos veio à tona a crescente narrativa da ideia de gestor no lugar de político, um discurso de criminalizar a política”, afirmou Gabriela.

Isso culminou, segundo ela, na chegada do governo de Jair Bolsonaro com o pano de fundo de só ter pessoas técnicas no ministério, mas que na verdade liderou um mandato que foi contra evidências científicas. Os exemplos são temas como vacina e enfrentamento da pandemia. “A área ambiental também foi impactada com essa dicotomia entre política e técnica. Era um governo que falava em técnicos e especialistas, mas que não aceitava evidências em nome de decisões puramente políticas”, afirmou.

Durante o webinar, Gabriela assinalou que há uma oscilação temporal da criminalização da política e depois da criminalização da técnica. “Esse embate existe na democracia global há anos”, diz. No caso do Brasil, ela afirma que isso assume contornos específicos desde a Constituição Federal, de 1988.

“A gente fala sobre esse desequilíbrio quando a técnica passa por cima de tudo, reivindicando um jeito único de tomar decisões, propondo soluções construídas dentro de um gabinete por pessoas concursadas que têm um discurso antidemocracia. A tecnocracia é um tipo de autoritarismo”, afirmou.

O livro também aborda o desequilíbrio contrário, quando a política passa por cima da técnica e, sem nenhuma evidência, acaba tomando decisões e compromete a legitimidade. “Isso pode significar decisões à margem da lei, que podem corroendo a legalidade e enfraquecendo as nossas instituições”, disse.

Gabriela aproveitou o webinar para fazer uma reflexão de como construir esse equilíbrio: “Isso tem a ver com a capacidade de mobilizar o processo político. Nos momentos que esse equilíbrio se constituiu, a sociedade sempre estava incluída nesses cenários, como por exemplo a Lei Seca, o Marco Civil da Internet e o Estatuto dos Povos Indígenas”.

Para o professor Carlos Melo, a política sem o suporte do conhecimento é um desastre. “A política precisa desse suporte. Em contrapartida, esse conhecimento técnico sem sensibilidade política pode se transformar numa tragédia. A política com P maiúsculo sabe pesar, ouve as melhores recomendações e práticas e faz a escolha pelo bem maior”, disse Melo.

Para ele, há grupos particularistas que submetem a sociedade e o Estado. “Esse clientelismo é filhote do patrimonialista e do personalismo. É uma disposição cultural de tomar para si o que é do Estado, ou, se não for possível tomar, eu depredo. A pessoa passa no concurso, que é difícil, e se sente o José Bonifácio, patriarca da independência, toma o Estado para si e o político passa a ser ruim. O fato é que os dois lados têm que assumir a importância um do outro”, ressaltou o professor.

Segundo Melo, o futuro traz desafios, mas o contexto é otimista. “Nossa democracia estava caindo feito um viaduto. Agora foi escorada e precisa ser reerguida, reconstruída. É hora de resgatar a política como instrumento para a felicidade da sociedade”, afirmou.

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