Estudo do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper analisou as propostas que tramitam no Congresso Nacional e constatou que valores variam de 2,2 milhões a 10 bilhões de reais em patrimônio
Bruno Toranzo
O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto pela Constituição brasileira de 1988, mas ainda não instituído, tem sido citado frequentemente no debate político-econômico, especialmente em momentos de discussões sobre a reforma tributária, como agora. “Há diversos projetos de lei no Congresso Nacional sobre essa matéria. Mas eles não conseguem nem mesmo definir o que seria uma grande fortuna, ou seja, qual seria o valor de referência que deveria ser adotado”, disse a pesquisadora Larissa Longo, do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper.
“Um dos PLs defende que patrimônios a partir de 2,2 milhões de reais poderiam ser compreendidos como grandes fortunas e, portanto, sofrer a incidência do tributo; outro PL considera fortuna somente o patrimônio acima de 10 bilhões de reais. Se existe controvérsia até sobre esse valor, imaginem em relação ao desenho proposto para o imposto”, acrescentou a pesquisadora, que apresentou um estudo sobre o assunto durante o Seminário sobre Tributação da Renda e do Patrimônio, no dia 17 de março. O evento, realizado pelo Núcleo de Pesquisas em Tributação com o apoio do Centro de Gestão e Políticas Públicas, debateu diversos aspectos das regras de tributação da renda e do patrimônio das pessoas físicas e jurídicas no Brasil e em outros países.
A espécie tributária é outro fator que varia entre os PLs — a maioria, seguindo a previsão constitucional, propõe a implementação de um imposto, mas há propostas definindo o empréstimo compulsório como a modalidade de tributação das grandes fortunas, com a finalidade, na época da sua proposição, de financiar políticas públicas relacionadas ao contexto da pandemia. “Em 2020, por causa dos efeitos fiscais e socioeconômicos da pandemia, a adoção do IGF passou a ser considerada um instrumento de política tributária para lidar com a elevação dos gastos públicos e o aprofundamento da desigualdade social”, lembrou Lorreine Messias, também pesquisadora do Núcleo. Há, também, controvérsia sobre a repartição da arrecadação com o tributo entre os entes federativos, ainda que nenhum PL tenha feito um cálculo sobre quanto seria arrecadado.
Além de analisar essas propostas em tramitação, o estudo do Insper se debruçou sobre a experiência internacional, olhando para os poucos países que tributam grandes fortunas. “No exercício que fizemos, identificamos duas formas de tributar grandes fortunas: a net wealth tax e a wealth tax on selected assets”, destacou o professor Frederico Bastos, que também participou da pesquisa elaborada pelo Insper.
A primeira modalidade, também chamada de imposto sobre a riqueza líquida, incide sobre a diferença entre os ativos pertencentes ao indivíduo e suas dívidas. Ou seja, são subtraídas as dívidas do valor total dos ativos para chegar ao valor que será tributado. Colômbia, Espanha, Noruega e Suíça adotaram essa forma de tributação para as grandes riquezas.
Já a segunda modalidade tributa o patrimônio de determinados ativos do indivíduo: financeiros e imobiliários, geralmente. “A ideia aqui é não se preocupar com toda a riqueza do contribuinte, mas somente com ativos específicos equivalentes, por exemplo, ao nosso IPVA e IPTU”, disse Bastos. Itália, França, Bélgica e Holanda optaram por essa maneira de tributar, com os holandeses praticando essa tributação em uma das faixas do imposto de renda pessoa física.
Daniel Zugman, professor do Insper que esteve envolvido com o estudo, assim como Larissa, Lorreine, Frederico, Leonardo Alvim e Daniel Loria, destacou que não podemos olhar para esses países sem antes entender como é o sistema tributário de cada um deles. “A Noruega, ao contrário do Brasil, não tributa doações e heranças. A Suíça tributa seu cidadão em base territorial, e não em base universal como no Brasil. Isso significa que, por lá, o tributo sobre a fortuna não atinge quem tem aplicações financeiras e empresas fora do país.” O professor também chamou a atenção para a representatividade do tributo sobre grandes fortunas na arrecadação total. Na Espanha, representa apenas 0,45%, com situação parecida na Noruega e Colômbia. Apenas a Suíça demonstra representatividade maior, com pouco mais de 4% do conjunto arrecadatório, ainda que, considerando a riqueza gerada pelo país, tal porcentagem também não se mostre muito significativa. A pergunta que Zugman faz é se não seria mais simples, por exemplo, criar outras faixas de arrecadação para o imposto de renda, considerando, para isso, rendimentos superiores aos já existentes na tabela.
Entre as principais conclusões do estudo do Insper estão os incentivos negativos que podem ser gerados pela tributação da riqueza, como risco de fuga de capitais e desestímulo ao investimento no país; dificuldade arrecadatória trazida pelo tributo; e baixa arrecadação, com a maioria dos países apresentando percentuais inferiores a 1% do valor total.
Conheça mais sobre a pesquisa: https://www.insper.edu.br/conhecimento/direito/imposto-sobre-grandes-fortunas-tributar-ou-nao-tributar/
Durante o seminário, o secretário extraordinário da Reforma Tributária e conselheiro do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, Bernard Appy, disse que o Governo Federal está trabalhando para elaborar uma proposta de reforma do imposto de renda que será enviada ao Congresso Nacional provavelmente no segundo semestre. “O desafio de um bom sistema tributário é como fazer com que ele seja justo — o mais progressivo possível — e favoreça o crescimento da economia, sendo ao mesmo tempo eficiente em relação à arrecadação. No caso do imposto de renda, há uma competição internacional relevante, com disputa por empresas e até por pessoas físicas. Você não está isolado do mundo ao construir o sistema tributário. Há uma competição fiscal que precisa ser considerada na reforma tributária”, afirmou Appy.
Para Daniel Loria, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária e pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, “o mundo é de competição pelos contribuintes de alta renda, pelos investimentos, pelos recursos, exigindo nossa atenção ao desenho do sistema para que haja atratividade para a vinda desse capital”. Da perspectiva da eficiência econômica, Loria destacou a necessidade da neutralidade tributária no sistema como um todo, devendo o tributo distorcer o mínimo possível a atividade econômica. “Os agentes econômicos não devem ser influenciados pela forma de tributação. Se eu tenho uma opção A e outra B, não pode ser a tributação o fator que determinará minha decisão alocativa do recurso. Uma tributação com regras e penduricalhos interfere nessa decisão de investimento.”
O objetivo do governo é realizar a reforma tributária em duas etapas. Neste primeiro semestre, o foco é alterar os impostos que incidem sobre o consumo — uma dessas propostas foi idealizada por Appy. Para isso, de acordo com as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que tramitam no Congresso, os diversos tributos pagos ao longo da cadeia produtiva serão unificados no IVA (Imposto sobre Valor Agregado), com alíquota estimada em 25% — necessária para a manutenção da atual carga tributária brasileira. Na segunda parte do ano, será a vez da tributação que incide sobre a renda e o patrimônio, com a reforma do imposto de renda da pessoa jurídica e da física. É aventada, ainda, a possibilidade de retorno da tributação sobre os lucros e dividendos, que está suspensa no Brasil desde 1995.
No âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a prática mais comum de tributação dos lucros e dividendos envolve IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) convencional com alíquotas mais baixas; IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) sobre dividendos; e mecanismos de alívio da dupla tributação, como deduções da base de cálculo, apropriação de créditos (compensação do imposto já recolhido) ou alíquotas especiais. O Brasil, assim como Estônia e Letônia, isenta integralmente os dividendos distribuídos. “Quando ocorre a tributação dos dividendos, há incentivo para retenção e reinvestimento, e não para distribuição”, disse Rodrigo Orair, diretor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária.
“O efeito mais importante da reforma da tributação do consumo é o aumento do potencial de crescimento econômico, que eleva a renda dos mais pobres e, sobretudo, a arrecadação do governo, que, se bem gasta, impacta positivamente a distribuição da renda”, explicou Appy. “Já a tributação da renda e do patrimônio tem fins distributivos mais claros, com a inserção da progressividade no sistema tributário. Uma boa tributação é aquela na qual pessoas com renda equivalente sejam tributadas de forma equivalente e que, quanto maior a renda, maior também seja a alíquota incidente sobre ela. O Brasil tem distorções que fogem desse parâmetro”, completou.
Por fim, Vanessa Canado, professora do Insper e coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação, disse que somente o custo de conformidade justifica uma diferença no tratamento tributário dado para as menores empresas em comparação com as médias e maiores. “O investimento do governo em tecnologia e simplificação no cumprimento das obrigações acessórias faz com que essas empresas menores deixem de ter custo de conformidade alto, podendo assim estar em condições de igualdade com todas as outras”, observou a professora. Para ela, a tributação com base no faturamento, apesar da facilidade de apuração, não é o melhor caminho. Nesse modelo, empresas com o mesmo lucro podem ser tributadas de forma diferente, dependendo do faturamento que apresentam. “Empresas com lucros iguais precisam pagar imposto de renda corporativo igual. Atualmente, aquela que fatura mais, tendo o mesmo lucro da outra que fatura menos, contribui mais porque a tributação incide sobre o faturamento”, afirmou.
Assista à gravação do evento: https://www.insper.edu.br/agenda-de-eventos/seminario-tributacao-da-renda-e-do-patrimonio/.