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Alunos de Engenharia de Computação testam soluções para diminuir o lixo eletrônico

Consertar em vez de trocar o iPhone: na disciplina Química Tecnológica Ambiental, os estudantes aplicam dicas e ferramentas produzidas pela comunidade de “faça você mesmo”

Consertar em vez de trocar o iPhone: na disciplina Química Tecnológica Ambiental, os estudantes aplicam dicas e ferramentas produzidas pela comunidade de “faça você mesmo”

Enricco Gemha e Rafael Eli Katri
Os alunos Enricco Gemha e Rafael Eli Katri, no Fab Lab

 

Leandro Steiw

 

O que acontece com seus eletrônicos quando eles quebram? É difícil saber como dar destino adequado a eles. Muitas vezes, os aparelhos acabam numa gaveta ou são descartados de maneira não apropriada, o que gera um enorme problema social e ambiental, além de uma oportunidade econômica perdida. O tema do lixo eletrônico é um dos módulos da disciplina Química Tecnológica Ambiental (QTA), obrigatória do curso de Engenharia de Computação do Insper. O mundo produz, por ano, 58 milhões de toneladas de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, segundo dados da Organização das Nações Unidas. Desse total, apenas 17% do lixo é destinado para reciclagem ou descarte adequado.

Não surpreende que, mesmo entre graduandos de Engenharia, poucos saibam para onde vai o resto do material. Como o Brasil segue a tendência mundial e descarta inadequadamente 97% dos seus 2,3 milhões de toneladas de lixo eletrônico, os estudantes são motivados a refletir sobre diferentes temas de sustentabilidade ambiental nas aulas de QTA.

Ao longo do tempo, os projetos da disciplina têm focado em algum aparelho de interesse dos alunos. Por meio deles, os alunos verificam o volume de produção e descarte anual do dispositivo, elementos que o compõem e a identificação de formas de reciclagem dos seus componentes. Ou o estudo de um case real em que o mau manejo de lixo eletrônico tem produzido tragédias ambientais e humanas, como em Guiyu (na China), Agbogbloshie (Gana), Tijuana (México) e tantos outros lugares. Neste semestre, a proposta foi adicionar a esses estudos o trabalho de empresas que atuam na redução desses resíduos. Uma delas é a iFixit, que se define como uma comunidade que ensina a “consertar praticamente tudo”, por meio de manuais na internet — os famosos “faça você mesmo”.

Para Paulina Achurra, professora de QTA, a proposta da iFixit é interessante porque pretende aumentar o ciclo de vida dos produtos e empoderar a sociedade no reparo de dispositivos eletrônicos. “Para evitar que o consumidor possa consertar os aparelhos, muitas empresas utilizam parafusos que não são padrões na indústria, para os quais o consumidor não dispõe de ferramentas à venda nas lojas”, diz. “A iFixit desenvolve essas ferramentas, para que qualquer pessoa possa abrir os aparelhos, e também compartilha conhecimento por meio de tutoriais e oficinas de consertos.”

O Fab Lab do Insper possui um dos kits de ferramentas vendidos pela iFixit. Aos alunos Enricco Gemha e Rafael Eli Katri, coube a tarefa de buscar um eletrônico perdido em alguma gaveta, consertar com as dicas do site e fazer um manual em português para divulgar na comunidade Insper. A escolha recaiu sobre um iPhone X que estava com a tela quebrada. “Desta vez foi um smartphone, mas os próximos alunos vão selecionar outros eletrônicos e poderemos criar uma documentação em português para facilitar os consertos”, afirma Paulina. “Para quem quiser tirar dúvidas, os documentos terão os nomes dos estudantes que fizeram o reparo.”

 

Detalhe do reparo de um iPhone
Detalhe do reparo de um iPhone que estava com a tela quebrada

Segunda vida

Katri conta que o manual disponível no site permitiu a recuperação da tela do iPhone. “Seguindo esse passo a passo, como qualquer pessoa leiga em eletrônica poderia fazer, o conserto foi um sucesso”, diz o aluno. “As dicas são realmente viáveis para dar uma segunda vida aos dispositivos.” Essa é uma decisão importante. Uma pesquisa da consultoria Assurant indica que os consumidores americanos trocam de smartphone, em média, a cada 40 meses, incentivados por promoções de troca e atualização de celulares — um negócio estimado em 3,8 bilhões de dólares.

A maior dificuldade foi comprar a tela nova. Gemha e Katri encontraram no varejo de reposição de São Paulo, concentrado no bairro Santa Ifigênia, mas a maioria dos comerciantes preferia fazer o reparo completo a vender apenas o componente. Depois de muita procura, adquiriram a tela numa loja no bairro da Barra Funda. Outras soluções seriam encomendar a peça pelo site da iFixit, mas ainda não são feitas entregas para o Brasil, ou recorrer ao mercado paralelo na internet.

Infelizmente, mesmo de tela nova, o smartphone ainda não ficou operável. “Depois que a gente reparou o telefone, vimos que não se conectava à internet e percebemos um defeito no módulo da antena de rede”, diz Gemha. O problema também tem correção, seguindo-se os manuais da iFixit, mas outros desafios se impõem, porque é preciso desmontar todo o chassi do aparelho e tirar a bateria para acessar a antena quebrada. O restauro ficou para uma segunda oportunidade.

O objetivo principal, no entanto, foi atingido: trocar a tela quebrada e verificar a viabilidade dos tutoriais do site — sairia quatro vezes mais caro pagar pelo conserto nas oficinas especializadas. “Existe uma lista de guias de reparo para uma centena de aparelhos, tudo muito bem documentado”, diz Katri. “A comunidade mantém esses tipos de guias de reparos bem informativos e sempre atualizados. É muito interessante.”

A lição seguinte é mais ampla e envolve conceitos importantes de economia circular. “Nem todos os componentes de um celular, na prática, são reciclados pela indústria. Então, se dermos uma segunda vida de uso para o dispositivo, acabamos contribuindo para a preservação do meio ambiente”, diz Katri. Gemha complementa: “A mensagem final é incentivar as pessoas a ver que a barreira do reparo não é tão grande. Tendo as peças e as ferramentas, se você se dedicar, é fácil reduzir o lixo eletrônico.”

Além das peças que estragam, também há a obsolescência tecnológica programada em equipamentos eletrônicos. Celulares e computadores, por exemplo, podem deixar de receber atualizações de segurança ou suporte oficial. A adoção da tecnologia 5G também contribuiu para a troca recente de smartphones, segundo a pesquisa da consultoria Assurant nos Estados Unidos. Porém, upgrades podem prolongar a vida útil de alguns computadores, em detrimento da tentação de troca por uma máquina nova e do descarte da antiga, diz Gemha.

Paulina Achurra destaca a atitude de enfrentamento das dificuldades pela dupla: conseguir a peça certa, descobrir onde comprar, consertar o dispositivo e documentar o processo. “Queremos criar, entre a comunidade, a cultura de não descarte dos aparelhos”, diz a professora. “Temos o conhecimento e as ferramentas dentro do Insper. Sabemos onde comprar as peças. Podemos ensinar e estimular a comunidade a consertar os eletrônicos quebrados que todos guardam nas suas gavetas. E ainda criar conteúdo em português para a iFixit.”

 

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