O Nobel de Física de 2023 indica que, além de abrirem possibilidades de novas tecnologias, as pesquisas sobre a estrutura do átomo são um dos desafios do século para a ciência
Leandro Steiw
Os desafios e as possibilidades do mundo subatômico foram lembrados mais uma vez no Prêmio Nobel de Física. Em 2023, a francesa Anne L’Huillier, o húngaro Ferenc Krausz e o norte-americano Pierre Agostini receberam a láurea da Academia Real das Ciências da Suécia pelos métodos experimentais que geram pulsos de luz de attossegundos, usados no estudo da dinâmica dos elétrons na matéria. Cada atossegundo equivale a um bilionésimo de bilionésimo de segundo — não dá tempo de piscar os olhos.
Para o professor Fabio Hage, dos cursos de Engenharia de Computação, Mecânica e Mecatrônica do Insper, o prêmio valoriza a área de física experimental, já reconhecida nas pesquisas no âmbito da física do laser dos cientistas Arthur Ashkin, Gérard Mourou e Donna Strickland, vencedores do Nobel na edição de 2018. O caminho tem muito a ver com a Engenharia. “Os físicos experimentais e os engenheiros que trabalham com o desenvolvimento das fronteiras do conhecimento, produzindo experimentos e usando o método de tentativas e erros, conseguem avançar bastante no desenvolvimento da Física”, diz Hage.
A produção de um pulso de luzes com uma fração minúscula do segundo tem enorme importância. “Dentro átomo, a velocidade do elétron é tão rápida que, se não for nesse período de atossegundo, não se consegue estudar a localização dos elétrons dentro das moléculas e de nenhum dos átomos”, explica Hage. “Quando se obtém uma tecnologia que permita esse acompanhamento, abre-se um campo totalmente novo no estudo das moléculas, com implicações na Química, na Biologia e na Medicina, entre outras.”
Mesmo que seja difícil dimensionar a rapidez de um mundo na dimensão do attossegundo, as aplicações podem estar diretamente ligadas à melhoria da nossa vida. Em diagnósticos médicos, por exemplo. “Nosso corpo é uma máquina de processos bioquímicos ainda cercados de mistérios”, afirma Hage. “O Nobel de Física de 2023 mostra que há um caminho a ser pavimentado para o desenvolvimento dessas novas tecnologias e do estudo do funcionamento das células.”
A eletrônica necessária para produzir esses sinais — e os sensores que captarão esses sinais — também possibilita o aumento da frequência de processamento dos computadores. Para ter uma ideia, as máquinas do nosso cotidiano operam com sinais na casa dos giga-hertz, com períodos de processamento de bilionésimos de segundos. O attossegundo, referendado pelo Nobel, é um bilionésimo desse valor — 0,000000000000000001 segundo.
Professor da disciplina Eletromagnetismo e Ondulatória, Hage comenta que estudos mostram que o domínio da chamada lightwave electronics (eletrônica de ondas de luz, em inglês) poderia aumentar a velocidade de processamento dos computadores em 100.000 vezes ou mais. O avanço parte de uma eletrônica que trabalha com o elétron para uma que vai operar com a interação da luz com o elétron.
Assim como o Nobel de Química deste ano, os três laureados não atuaram juntos, mas em épocas distintas. Em 1987, Anne L’Huillier, da Universidade de Lund, na Suécia, descobriu que tons diferentes de luz surgiam quando a luz laser infravermelha era transmitida por meio de um gás nobre — ou seja, os elétrons emitem energia em frequências variadas, cada qual com uma cor. Ela seguiu com experiências nesse domínio e tornou-se a quinta mulher a ganhar um Nobel de Física — caminho aberto pela polonesa naturalizada francesa Marie Curie, em 1903.
Em 2001, na Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, Agostini produziu e investigou uma série de pulsos de luz consecutivos, na qual cada pulso durou apenas 250 attossegundos. Simultaneamente, o experimento de Krausz, do Instituto Max Planck, da Alemanha, isolou um único pulso de luz com duração de 650 attossegundos.
Essa é uma característica dos progressos da ciência. Segundo Hage, é habitual os pesquisadores fazerem contribuições aos resultados de outros cientistas. “Cada um vai construindo uma parte de um quebra-cabeça, que vai tomando forma conforme o trabalho evolui”, diz o professor. “Às vezes, sua formação permite produzir conhecimento num campo. Mas, a partir do momento que existe outra área do conhecimento que está usando ferramentas parecidas, você começa a trocar ideias e possibilidades, e isso leva ao avanço da pesquisa, mesmo em disciplinas não tão afins.”
Para os engenheiros, surge a perspectiva de outro paradigma em computação, não necessariamente ligado à computação quântica já testada nas grandes empresas de tecnologia. Essa inovadora frente de trabalho buscaria aumentar em milhares de vezes a capacidade de processamento das máquinas, com efeitos notáveis no tempo gasto em simulações por computador, uma aplicação prática no dia a dia dos engenheiros.
É difícil prever o que vai acontecer. A física sueca Eva Olsson, presidente do Comitê do Nobel de Física, disse que, desvendado o mundo dos elétrons, o próximo passo é utilizar os mecanismos da ciência do attossegundo. “Tudo é tão novo que haverá desdobramentos causados por esses novos desenvolvimentos, que são exponenciais”, afirma Hage. “O Nobel indica que investigar as estruturas atômicas é, sem dúvida, um dos desafios deste século para a Física.”