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Os desafios da baixa representatividade feminina na política no Brasil

Trabalho de conclusão de curso de Júlia Wildner Cunha, aluna do PAGP, aponta caminhos para ampliar a participação das mulheres nas instâncias decisórias de poder

Júlia Wildner Cunha , aluna do PAGP

Trabalho de conclusão de curso de Júlia Wildner Cunha, aluna do PAGP, aponta caminhos para ampliar a participação das mulheres nas instâncias decisórias de poder

 

 

O Brasil tem quase 105 milhões de mulheres, que representam 51,5% da população , de acordo com os dados do Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Embora maioria na sociedade, elas detêm uma fatia pequena nas instâncias do poder político. O Congresso Nacional iniciou 2023 com as mulheres ocupando apenas 17% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 12% no Senado. Nas últimas eleições, 38 mulheres concorreram ao cargo de governadora e 94 ao de vice-governadora, mas só dois estados — Pernambuco e Rio Grande do Norte — elegeram candidatas femininas. Nas prefeituras, elas comandam atualmente apenas 12% dos cerca de 5.600 municípios brasileiros.

A baixa representatividade das mulheres na política foi o tema escolhido por Júlia Wildner Cunha para desenvolver seu trabalho de conclusão de curso (TCC) no Programa Avançado em Gestão Pública (PAGP) no Insper. Intitulado “A sub-representação feminina na política e o papel dos partidos brasileiros no enfrentamento do problema”, o TCC orientado pela professora Laura Muller Machado analisou os dispositivos existentes na legislação brasileira que atuam direta ou indiretamente para modificar o cenário de baixa participação das mulheres na política.

Graduada em Administração Pública, a catarinense Júlia resolveu estudar um problema com o qual convive há alguns anos. Em 2019, pouco depois de se formar na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), ela foi trabalhar no Congresso Nacional, em Brasília, como assessora de um grupo de 8 deputados federais. Em 2021, passou a atuar como coordenadora de projetos na Legisla Brasil. Nessa organização suprapartidária, atendia mais de 30 parlamentares.

“Ao longo de minha carreira, nos diferentes gabinetes em que atuei, nunca tive uma chefe mulher — eram sempre homens. Presenciei casos de violência política de gênero, mas não tinha a quem recorrer”, diz Júlia. “Além de mulher, entrei muito jovem na política e, em diversas ocasiões, me senti fragilizada e diminuída. Às vezes eu estava representando deputados nas reuniões e me perguntavam se eu era estagiária ou se o meu chefe não iria participar”, conta ela, que atualmente é chefe de gabinete da vereadora Monica Duarte (Podemos-SC), em Florianópolis.

 

Três dispositivos legais

Em seu trabalho para entender as razões da reduzida presença de mulheres em cargos políticos, Júlia identificou três dispositivos legais que, em tese, deveriam contribuir para ampliar a participação feminina. São eles: 1) repasse do fundo partidário para programas que fortaleçam a participação política das mulheres, criados e executados pela Secretaria da Mulher; 2) cotas femininas de candidaturas; e 3) repasse de, no mínimo, 30% dos recursos dos fundos partidário e eleitoral para candidaturas femininas.

Na avaliação de Júlia, por falta de sanções mais rigorosas aos partidos que não seguem as normas, esses mecanismos têm sido insuficientes para gerar os efeitos pretendidos. A Lei das Eleições (Lei n° 9.504/97), por exemplo, determina que os partidos tenham pelo menos 30% de candidatas mulheres em cada ciclo eleitoral. No entanto, não estabelece nenhum tipo de punição em caso de não observância desse percentual pelos partidos. É também comum o registro de candidaturas “laranjas” apenas para cumprir a cota mínima de mulheres.

“Sabemos de histórias de candidatas que recebem recursos do fundo partidário, mas os direcionam para candidatos homens. Há casos de candidatas que não receberam sequer um único voto, indicando que nem ela própria votou em si mesma. Essa prática evidencia a existência de candidaturas de fachada”, diz Júlia. Existe também, segundo ela, o problema de candidatas receberem os recursos financeiros tardiamente, às vésperas da votação, o que as impede de fazer uma campanha com chance efetiva de eleição. “Apesar do cumprimento formal das cotas, as estatísticas indicam que a média de mulheres eleitas permaneceu estagnada em torno de 13% ao longo da última década, sugerindo que os dispositivos legais existentes precisam ser aprimorados.”

Para Júlia, o problema não está na falta de interesse das mulheres por cargos eletivos. Pelo contrário, há uma presença expressiva delas na base partidária — as mulheres representam 46% do total de filiados a um partido político, conforme dados de 2023 do Tribunal Superior Eleitoral. “O desafio está na estrutura piramidal dos partidos. À medida que se avança nas posições de liderança, a representação feminina diminui drasticamente”, observa Júlia. Ela diz que a presença de mulheres em cargos dirigentes, como presidentes de diretórios municipais, estaduais ou nacionais, é muito pequena. “Dos 30 partidos políticos no Brasil, apenas cinco são presididos por mulheres. Se elas não conseguem alcançar posições de comando dentro do próprio partido, não vão conseguir influenciar na decisão de quem vai receber os recursos e ser, de fato, apoiadas pelo partido. O grande problema está aí.”

 

Reserva de assentos

Para solucionar o problema, Júlia argumenta que é crucial aplicar sanções mais rigorosas aos partidos que não cumprem os instrumentos legais existentes. Os três dispositivos existentes — destinação de parte do fundo partidário para a Secretaria da Mulher, garantia de no mínimo 30% de candidatas mulheres e alocação de recursos do fundo eleitoral para apoiar candidaturas femininas — fazem sentido se executados de maneira conjunta.

Além disso, para avançar de fato, Júlia propõe a criação de uma reserva de assentos, que asseguraria um determinado percentual de cadeiras nas casas legislativas para as mulheres — uma política afirmativa semelhante às cotas raciais adotadas no acesso ao ensino superior e em concursos públicos. “Essa abordagem visa não apenas garantir um percentual mínimo de candidaturas de mulheres, mas que elas possam efetivamente ser eleitas”, diz Júlia.

No Congresso, há uma proposta de criação de reserva de assentos para mulheres (a PEC 134/2015), mas está parada desde 2020.  Júlia reconhece que a chance de uma iniciativa como essa ser aprovada no Brasil, atualmente, é “quase zero” — considerando que a bancada feminina segue minoritária. Ainda assim, ela acha importante debater  esse tema. Júlia diz que, em países como México, Peru e Costa Rica, as mulheres conseguiram eleger mais de 40% do Legislativo com a reserva de assentos combinada com outros mecanismos.

Para Júlia, um ponto importante é envolver as estruturas partidárias nas discussões sobre reserva de assentos. Em seu TCC, ela cita um dado do Instituto Alziras, de 2022: 54% das prefeitas brasileiras foram dirigentes partidárias. Ou seja, quando as mulheres conseguem ocupar posições de liderança dentro do próprio partido, aumentam as chances de voos maiores. “É fundamental garantir que as mulheres tenham mais voz na tomada de decisão dos partidos. Só assim haverá maior apoio às candidaturas femininas”, diz Júlia.

 

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