As práticas e políticas que guiam uma organização são guardiãs do cumprimento de seus propósitos e é fundamental para alcançar um nível superior de gestão e maturidade
Eni Ferreira Marçal*
No Brasil, as empresas familiares representam 90% do total, segundo o IBGE. Elas são responsáveis por 75% da força de trabalho e 40% do PIB do país. Além disso, 56% das empresas familiares têm como prioridade a expansão de seus negócios e 84% não têm clareza sobre estratégias de ESG (ambiental, social e governança). Os dados mostram também que 60% das empresas familiares fecham as portas antes de completar 5 anos, 70% encerram suas atividades após a morte de seu fundador e apenas 3% sobrevivem até a segunda geração.
As estatísticas reforçam dois pontos importantes: primeiro, a necessidade de equilíbrio entre as atitudes, as regras, os processos e as tomadas de decisões estratégicas no tema ESG, tanto no ambiente pessoal quanto no empresarial; e, segundo, a governança se inicia na autogovernança da família e se estende para o lado empresarial independentemente do segmento e do porte do negócio.
De acordo com o consultor Werner Bornholdt, autor do livro Governança na Empresa Familiar, implementar a governança é um processo comparável a reformar uma casa. Inicia-se com um planejamento, seguido pela aprovação do orçamento e pela contratação de um engenheiro ou arquiteto, ou seja, um consultor externo. No estágio inicial da reforma, móveis são removidos, paredes são quebradas, ocorrem desconfortos e ruídos e aparece muita sujeira. O processo de implementação da governança em empresas familiares também acarreta mudanças que, apesar dos desconfortos iniciais, podem gerar um clima de orgulho, satisfação e prazer — sensações semelhantes às provocadas por uma casa recém-reformada.
Para Bornholdt, a governança nas empresas familiares exige, antes de tudo, que sejam identificados os assuntos que dizem respeito à família, à sociedade e à empresa (uma alusão ao conceito de “Três Círculos”, criado pelo consultor norte-americano John Davis). Uma vez identificados os 3 círculos, eles precisam ser separados e compreendidos individualmente. Em seguida, voltam a ser unidos e integrados, como a reconstrução das paredes e a pintura final da reforma.
“O processo de junção e de integração dos sistemas familiar, societário e empresarial se dá por meio de canais de comunicação transparente e ferramentas. Esses instrumentos unificadores são os órgãos de governança (comitês, conselhos: consultivo, administrativo, fiscal, familiar). Portanto, os órgãos de governança formam e reforçam a integração entre os sistemas por meios de canais competentes. Uma empresa adequadamente estruturada com os órgãos de governança permite atender às demandas das famílias, dos sócios e dos executivos e formar o alicerce para sua perpetuação”, diz Bornholdt.
Uma empresa familiar que almeje longevidade por meio de crescimento sustentável e resultados positivos deve priorizar uma gestão eficaz. Para isso, é essencial adotar as melhores práticas do mercado e implementar a governança empresarial, seguindo as diretrizes do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Além disso, deve conhecer profundamente sua base de clientes, monitorar o grau de satisfação e fidelidade, acompanhar indicadores como o aumento da clientela por meio de referências de outros clientes, manter-se atualizada no que diz respeito a inovações, concorrência e casos de sucesso em diferentes setores. É crucial também estabelecer e gerenciar indicadores ESG, adequando-os ao momento e às características específicas da empresa.
Com esses cuidados, as estatísticas de morte elevada e precoce de empresas familiares poderão ser revertidas. Para isso, no entanto, reforçamos a importância de implementar uma governança abrangente, que englobe regras, processos, propósito, visão, missão, valores, estrutura organizacional, processo de tomada de decisões, relatórios gerenciais, indicadores ESG e instrumentos como código de ética, acordo de acionista, protocolo de família, protocolo de cibersegurança da informação, regimento interno de funcionários, regimento interno de conselhos e plano de desenvolvimento individual para lideranças e membros da família.
Institucionalizar um conselho dedicado a assuntos empresariais é fundamental, servindo como um fórum neutro para decisões estratégicas e prestação transparente de contas. Esse conselho garante que os objetivos estejam alinhados às expectativas do negócio, tomando decisões que conduzam a resultados sustentáveis e duradouros.
Adicionalmente, é essencial estabelecer um conselho específico para assuntos familiares, desempenhando o papel de guardião de propósito, visão, valores, cultura e harmonia familiar no longo prazo. Esse órgão é responsável pela mais valiosa tarefa da família empresária: compreender o potencial dos herdeiros, dando-lhes apoio na estruturação e na execução dos processos de seu desenvolvimento e do planejamento da família.
A governança é a guardiã do cumprimento de regras e processos acordados, elevando as empresas a um nível superior de gestão e maturidade. A implementação da governança em empresas familiares estabelece as bases para que o ideal do fundador ou da fundadora — de construir empresas que harmonizem rentabilidade, crescimento positivo, responsabilidade, sustentabilidade duradoura, capital humano profissionalizado em todos os níveis e longevidade e harmonia entre gerações — inspire a família a buscar se tornar empresária de um negócio com as seguintes características:
O sucesso e a longevidade de uma empresa familiar ou de uma família empresária não decorrem dos laços consanguíneos ou das relações de amizade, mas da meritocracia, da adoção de regras e condutas éticas e responsáveis, mensuráveis com transparência. Destacam-se também a inovação, o foco em resultados positivos, responsáveis e sustentáveis, o compromisso com a sustentabilidade, a eficácia nos indicadores ESG com sua contínua evolução e a percebida harmonia societária e familiar pela sociedade.
*Eni Ferreira Marçal, alumna do MBA Executivo em Finanças no Insper, é consultora em gestão e governança corporativa de empresas familiares, conselheira externa de Conselhos Consultivos e Familiares e mentora de membros de famílias empresárias.