Filho de um biólogo, Naercio Menezes Filho pensou em seguir os passos do pai. Mas a preocupação com questões relacionadas a educação, pobreza e desigualdade falou mais alto
O economista Naercio Menezes Filho é professor titular do Insper, onde coordena a Cátedra Ruth Cardoso, voltada a pesquisas sobre políticas públicas nas áreas de educação, mercado de trabalho, saúde e impacto socioambiental. É também pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) e diretor do Centro de Pesquisa Aplicada à Primeira Infância (CPAPI), além de professor associado da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Antes de construir uma sólida carreira como economista, Naercio pensou em estudar Biologia — seguindo os passos de seu pai, Naercio Aquino Menezes, que se formou em História Natural na USP e fez doutorado em Biologia na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. O sergipano Naercio, o pai, é especialista em biogeografia e evolução de peixes e professor titular do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP. O documentário “De Aracaju a Harvard” narra a trajetória de seu pai.
Naercio, o filho, por pouco não nasceu em Cambridge, cidade na área metropolitana de Boston, onde fica Harvard. Grávida, sua mãe, dona Silvia, baiana da cidade de Tucano, preferiu retornar ao Brasil para ter o primeiro filho por aqui. Naercio nasceu em São Paulo, mas ainda bebê seguiu para Boston. Lá passou seus primeiros três anos de vida, até seu pai concluir o doutorado em Harvard.
De volta ao Brasil, seu pai foi trabalhar no Museu de Zoologia da USP, onde permanece até hoje. “Durante boa parte de minha adolescência, pensei em estudar Biologia. Eu tinha vontade de seguir a tradição acadêmica de meu pai, de ser professor, participar de congressos e assim por diante”, conta Naercio, que, aliás, é afilhado do zoólogo e compositor Paulo Vanzolini (1924-2013), colega de seu pai e que também fez o doutorado em Harvard. Autor de várias canções de sucesso, como “Ronda”, “Volta por Cima” e “Praça Clóvis”, Vanzolini desempenhou um importante papel na ciência brasileira — foi um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Naercio conta que foi só no final do Ensino Médio que percebeu que não tinha tanto interesse por Biologia quanto pensava. “Acho que eu estava sendo muito influenciado pelo meu pai. Descobri que minha verdadeira paixão era a Economia, especialmente questões relacionadas com educação, pobreza e desigualdade”, diz.
Ele decidiu estudar Economia, mas a Biologia continuaria a fazer parte de sua vida de outra maneira — acabou se casando com uma bióloga, Adriana, que conheceu em uma festa de economistas. “Minha esposa também trabalhava no Museu de Zoologia da USP. Curiosamente, ela conheceu meu pai antes de me conhecer”, conta Naercio, que tem dois filhos com Adriana: Felipe, de 27 anos, e Cecília, de 22 anos.
Naercio graduou-se em Economia na USP (1986), concluiu o mestrado na mesma universidade (1992) e fez o doutorado na University College London (1997). Durante seu doutorado na Inglaterra, procurou entender questões relacionadas a educação, pobreza e desigualdade de maneira mais objetiva, pois às vezes sentia que o debate nessa área era excessivamente ideológico. “Optei por estudar microeconometria na University College London, que na época estava se tornando um centro de excelência nesse campo. Tive a sorte de estar no lugar certo, na hora certa, o que me permitiu aprender técnicas estatísticas que ainda eram pouco exploradas no Brasil e que posteriormente foram importantes para meu desenvolvimento profissional.”
Após terminar o doutorado, Naercio teve a oportunidade de permanecer na Inglaterra. Chegou a iniciar um pós-doutorado na London School of Economics, com um contrato de três anos, mas depois de um ano decidiu voltar ao Brasil com Adriana e o filho Felipe, que nasceu em Londres. “Na verdade, nunca considerei a ideia de ficar trabalhando para sempre no exterior. Sempre tive o desejo de retornar e contribuir para os debates no Brasil, trazendo uma abordagem fundamentada em dados e técnicas para compreender as causas do alto nível de pobreza e desigualdade e os desafios educacionais no país.”
De volta a São Paulo, Naercio prestou um concurso e se tornou professor em tempo parcial na USP, onde leciona até hoje. E, em 2005, passou a dar aulas no Insper, a convite de Claudio Haddad, fundador da instituição. Naercio começou fazendo pesquisas na Cátedra Instituto Futuro Brasil, que em 2018 se tornou a atual Cátedra Ruth Cardoso. “O propósito dessa cátedra é analisar políticas públicas, incluindo estudos sobre vitimização e educação, que já eram áreas de meu interesse desde aquela época.”
Naercio deseja continuar contribuindo com estudos e pesquisas para transformar a educação brasileira, que considera uma das questões mais cruciais do país. Atualmente, está bastante envolvido no tema da primeira infância, como diretor do CPAPI. O centro lançou um projeto para monitorar uma nova geração de crianças nascidas em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. A ideia é acompanhar essas crianças ao longo do tempo e entender como o desenvolvimento infantil impacta o desempenho escolar. “Muitas vezes, crianças em situações desfavoráveis enfrentam dificuldades de aprendizado por não terem recebido o desenvolvimento adequado na primeira infância, sofrendo com vocabulário limitado e habilidades socioemocionais deficientes”, diz Naercio.
Para o professor, a qualidade da educação é fundamental para o progresso do Brasil. “Se nossas crianças não aprenderem o que precisam na escola, será difícil transformar o país. Por isso, espero contribuir com minhas pesquisas e estudos longitudinais, mesmo que eu não esteja mais aqui quando essas crianças atingirem a idade adulta”, diz Naercio. “Espero que meus alunos continuem a pesquisa e que a próxima geração possa resolver os desafios educacionais e outros problemas do Brasil. Se eu puder desempenhar um pequeno papel nesse processo, ficarei feliz.”
Conheça um pouco mais sobre as atividades de Naercio Menezes Filho fora da sala de aula
O professor Naercio sempre gostou de futebol. Ele exibe com orgulho um histórico vídeo de um jogo que disputou pela seleção da USP contra a equipe da Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp em 1987, na final da Interuniversidades. A partida foi realizada no Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo). “Eu entrei na prorrogação e acabei marcando um gol do meio de campo que deu o título para a USP. Foi um golaço”, afirma.
Naercio parou de jogar futebol depois de passar por uma cirurgia no joelho, mas continua acompanhado o esporte. Sempre que pode, ele assiste aos jogos de seu time. “O Corinthians sempre esteve presente na minha vida, principalmente por causa do meu pai, um corinthiano fervoroso”, conta. Em 1976, seu pai o levou para assistir a um jogo contra o Fluminense, no Maracanã, pela semifinal do Campeonato Brasileiro, em um episódio célebre que ficaria conhecido como “Invasão Corintiana” — cerca de 70 mil torcedores do time paulista foram ao Rio de Janeiro para acompanhar a partida.
“Lembro-me de que, na véspera do jogo, quando estávamos chegando de ônibus no Rio de Janeiro, a cidade estava tomada por corintianos, todos com bandeiras e alguns deles até dormindo na praia. No dia seguinte, o Maracanã estava completamente lotado.” O Corinthians derrotou o Fluminense nos pênaltis e se classificou para a final, quando foi derrotado pelo Internacional de Porto Alegre.
Um dos hobbies de Naercio é viajar. “Sempre que tenho oportunidade, adoro conhecer novos lugares”, diz. Em julho deste ano, por exemplo, ele foi assistir a um festival de blues em Brezoi, uma cidadezinha na Transilvânia, na Romênia. “Foi um convite inusitado de um amigo meu, e eu aceitei. Alugamos uma casa pelo Airbnb e fomos em um grupo de cinco casais. Foi uma experiência incrível. Passamos seis dias imersos na música, com artistas de todo o mundo.”
Em sua viagem à Romênia, Naercio viu algo preocupante: sua percepção foi que o antigo país do bloco soviético está com uma qualidade de vida melhor que a do Brasil. “A sensação foi de estar num país mais civilizado, com o ambiente mais organizado e sem um alto índice de criminalidade”, conta. Em contraste, no Brasil, o alto nível de desigualdade e a falta de perspectivas para os jovens, especialmente os que nasceram em famílias mais pobres, acabam empurrando muito deles para a criminalidade, lamenta Naercio.
“Até mesmo os países da antiga Europa Oriental hoje em dia estão melhores do que o Brasil. Então, meu sonho agora não é nem que o Brasil se torne um país desenvolvido. Alcançar a Romênia já estaria de bom tamanho, mas mesmo isso será um grande desafio.”
Naercio gosta de cinema, mas diz que, desde a pandemia, tornou-se mais cômodo assistir a filmes em casa. Ele costuma reservar algumas noites de seu tempo livre para ver séries de TV com a esposa. Recentemente, acompanhou a série The Bear, sobre um jovem chef do mundo da alta gastronomia que retorna a Chicago para administrar a lanchonete de sua família após o suicídio de seu irmão. A segunda temporada da série estreou em agosto deste ano e está disponível na plataforma de streaming Star+, da Disney.
O pesquisador do Insper diz que gosta de assistir também a algumas séries tradicionais, como Breaking Bad, que conta a história de um professor de química diagnosticado com câncer terminal e que se transforma em fabricante de metanfetamina para garantir o sustento da família.
Ao ser solicitado a destacar uma figura pública que admire, Naercio respondeu: “Eu tenho grande admiração por várias personalidades, mas vou destacar duas em particular. Gilberto Gil é uma delas. A música brasileira foi incrivelmente abençoada por ter artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Jorge Ben, Djavan e, claro, Gilberto Gil. Sua carreira é impressionante, e ele representa não apenas a música, mas também uma parte do Brasil que deu certo. É inspirador ver como ele se envolveu em questões políticas e sociais, tentando transformar a sociedade”.
A outra personalidade destacada por Naercio é o rapper e compositor Mano Brown, do grupo Racionais MC’s. “Eles têm uma abordagem forte em relação à mudança social e são muito engajados. Recentemente, ouvi um podcast em que Mano Brown entrevistou Marina Silva, outra personalidade incrível. Ela compartilhou sua jornada desde os seringais no Acre até se tornar um símbolo da preservação ambiental”, diz Naercio. “Admiro as pessoas que, mesmo nascidas em famílias vulneráveis, superam obstáculos por meio de motivação, talento artístico ou dedicação à mudança social. No entanto, reconheço que essas histórias de sucesso são exceções, e a maioria das pessoas no Brasil enfrenta barreiras significativas para crescer e se desenvolver.”
Naercio diz que adora dar aulas e realizar pesquisas para entender melhor o Brasil, sempre com um grupo de jovens alunos entusiasmados. “É o que mais gosto de fazer. Minha filha costumava brincar dizendo: ‘Lá vai o papai fazer regressão de novo’. E é verdade: a regressão econométrica e estatística é algo que me fascina. Se me deixarem, estou constantemente no meu computador, analisando o impacto da educação na renda, na desigualdade e muitos outros tópicos, muitas vezes mesmo durante viagens”, diz Naercio.
Uma regressão econométrica é uma técnica estatística utilizada para analisar a relação entre variáveis. Ela permite investigar como uma variável dependente (a que se deseja explicar) é afetada por uma ou mais variáveis independentes (as que explicam a variável dependente).
“Às vezes, é difícil distinguir o que é lazer do que é trabalho, pois a exploração de dados e análise estatística é uma fonte constante de prazer para mim. É uma profissão, é trabalho, mas é como assistir a um jogo de futebol ou ir a um festival. Eu me sinto empolgado ao acordar e decidir qual artigo ou pesquisa vou explorar em seguida, e pensar em como posso contribuir para estimular o debate.”