Realizar busca
test

Programa Combustível do Futuro: como o governo brasileiro pretende dar impulso aos biocombustíveis

Projeto de lei enviado ao Congresso busca aproveitar o potencial de fontes renováveis no processo de descarbonização da matriz energética

Projeto de lei enviado ao Congresso busca aproveitar o potencial de fontes renováveis no processo de descarbonização da matriz energética

 

Leandro Gilio, pesquisador sênior do Insper Agro Global

 

A elevada participação de fontes renováveis na matriz energética brasileira destaca-se no atual contexto de transição global, com a emergência da economia de baixo carbono e a busca pela mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Em 2021, a participação de renováveis na oferta de energia no Brasil chegou a quase 45%, bem acima da média mundial no mesmo ano, de 15%, o que se reflete nos reduzidos índices relativos às emissões do setor de energia no país[1].

O grande potencial hídrico aproveitado e o amplo uso de biomassa agrícola, com destaque para o pioneirismo na produção e no uso de biocombustíveis em larga escala (etanol), são os elementos-chave para a configuração desse contexto. A origem desse quadro está na orientação histórica da política econômica e energética brasileira, que nas décadas de 1950 a 1970 priorizou a utilização de insumos energéticos nacionais, devido, principalmente, ao alto custo econômico imposto ao país pela importação de petróleo e derivados.

Com as grandes possibilidades de produção em razão do desenvolvimento do potencial agrícola brasileiro, o uso de biocombustíveis foi se mostrando ao longo da história como uma alternativa simples e poderosa no sentido de contribuir para a redução das emissões de GEE e atender às metas climáticas do país. No entanto, o setor de energia passou por períodos alternados de crescimento e crise — e até hoje ainda se verifica um nível subótimo de utilização do potencial, devido, entre outros aspectos, à falta de incentivos adequados e até mesmo a uma menor atratividade do uso de biocombustíveis pelo consumidor em função da competição por preços em relação à gasolina e a outros combustíveis fósseis.

Diante desse quadro e das novas rotas tecnológicas que têm se desenvolvido na área, o governo federal enviou ao Congresso um novo programa, chamado Combustível do Futuro, com o objetivo de valorizar o potencial nacional de oferta de fontes energéticas renováveis e de baixo carbono. A proposta (Projeto de Lei 4516/23) integra uma série de políticas públicas para incrementar a eficiência de produção dos combustíveis líquidos ou gasosos ou da energia elétrica e dos dispositivos de geração de potência, como motores a combustão, elétricos, turbinas e células a combustível. Entre as medidas anunciadas pelo governo, destacam-se:

• Instituir o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV);

• Instituir o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV);

• Ampliar os limites máximo e mínimo do teor de mistura de etanol anidro à gasolina C comercializada ao consumidor final (chegando a 30%);

• Regulamentar e fiscalizar a atividade de captura e estocagem geológica de dióxido de carbono (CO2) e a produção e comercialização dos combustíveis sintéticos;

• Integrar iniciativas e medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Rota 2030 (mobilidade e logística) e do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE Veicular).

À primeira vista, o programa mostra-se como uma iniciativa relevante, principalmente por voltar a criar estímulos a biocombustíveis com alto potencial de crescimento em produção e uso no futuro, como o combustível sustentável de aviação (mais conhecido como SAF) e o diesel verde (diesel que pode ser produzido a partir de óleos vegetais, mas com qualidade superior à do biodiesel disponível atualmente), ainda que se considerem aspectos um pouco mais distantes da realidade brasileira, como os combustíveis sintéticos.

No entanto, a história atesta que, para a ampliação do uso, da produção e da eficiência na área de biocombustíveis, são necessários vultosos investimentos em pesquisa, desenvolvimento de mercados e formação de uma estrutura institucional estável de longo prazo, o que o governo brasileiro, muitas vezes, não tem conseguido garantir — um exemplo clássico é a redução de impostos sobre combustíveis fósseis que geralmente ocorre em momentos de alta inflacionária, o que imediatamente prejudica a competitividade de combustíveis alternativos (leia mais neste artigo).

Além disso, em algumas áreas, será necessário ir além de políticas internas e buscar a criação de mercados globais para sua viabilidade, o que é o caso, por exemplo, do SAF. Nesse sentido, governo, setor privado e academia devem trabalhar de modo estratégico e articulado para auxiliar na formação dessa rota internacionalmente.

Portanto, o projeto de lei enviado ao Congresso, de modo geral, é uma iniciativa muito bem-vinda para o setor – a esperar pelas modificações pelas quais o projeto passará. No entanto, ainda há questões que exigirão atenção tanto por parte do governo quanto do setor privado para o desenvolvimento efetivo da oferta e da demanda nessa área.


[1] Dados da Empresa de Pesquisa Energética [EPE] e IPCC (2023)

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade