O pesquisador Paulo de Paiva Amaral contribuiu para o trabalho “The status of the human gene catalogue”, que revisa pesquisas recentes e grandes descobertas sobre o genoma humano
Tiago Cordeiro
Desde a publicação do primeiro rascunho do genoma humano, em 2001, teve início uma corrida para mapear cada aspecto da sequência genética que define a nossa espécie. Esse esforço resultou em avanços consideráveis, ainda que incompletos e desenvolvidos em um ritmo diferente do inicialmente imaginado. É crucial continuar mapeando o andamento das pesquisas no setor, para que os próprios pesquisadores em particular e a sociedade em geral entendam o avanço da ciência nessa área, os desafios a superar e as aplicações práticas dos novos conhecimentos rapidamente acumulados.
Artigos que monitoram a produção científica sobre o tema, como o publicado em 4 de outubro, pela revista britânica Nature, um dos mais importantes periódicos científicos do mundo, são fundamentais. Assinado por 21 pesquisadores especialistas — entre eles Paulo de Paiva Amaral, professor do Insper —, o artigo revisa a situação de momento desse levantamento do catálogo de genes humanos. Os autores, de intuições de 11 países, com a maior parte de universidades norte-americanas, desenvolveram pesquisas de referência no esforço de decifrar o genoma humano.
Publicada desde 1869, a Nature desempenha um papel fundamental na disseminação de descobertas científicas de alta qualidade. Com seu rigoroso processo de revisão por pares e cobertura interdisciplinar, a revista contribui para a promoção de avanços significativos em várias áreas do conhecimento, influenciando a pesquisa, a política e a sociedade.
O geneticista molecular Paulo Amaral é pesquisador nas áreas de bioengenharia, genética molecular e bioquímica no Insper. Tem mestrado pela Universidade de São Paulo e doutorado pela Universidade de Queensland, na Austrália, e já atuou na Universidade de Cambridge no Reino Unido e também na indústria de biotecnologia. Foi professor visitante em instituições de ensino superior em Roma, Milão, Estocolmo e Uppsala.
É coautor do livro RNA, the Epicenter of Genetic Information, publicado em setembro de 2022. A obra conquistou três prêmios internacionais e, além de propor uma nova forma de interpretar os genomas, tem também o mesmo objetivo do estudo: mapear cenários e apontar caminhos. “O artigo na Nature é resultado de uma conferência que realizamos há um ano e que retrata o momento atual das pesquisas em genética. Existem quatro grandes frentes de pesquisas que abordamos nesse trabalho. Uma delas, aquela em que me especializei, trata dos genes não-codificadores de proteínas, que já foram apelidados de a matéria escura do genoma, mas têm emergido como moléculas cruciais para nosso desenvolvimento e implicadas em diversas doenças”, explica Amaral.
“Fazemos uma atualização necessária para o entendimento da importância dos RNAs e de regiões menos exploradas do genoma, de forma que os pesquisadores possam fazer descobertas novas e também buscarem aplicações médicas. Nunca tivemos tanta informação sobre a genética da nossa própria espécie, com ganhos recentes sobre a diversidade que nos caracteriza.”
No trabalho publicado na Nature, os pesquisadores apontam que, além da anotação contínua de genes codificadores de proteínas, suas isoformas e pseudogenes, o aprimoramento nos métodos de sequenciamento de RNA de alto rendimento e outros avanços tecnológicos levaram a um rápido crescimento no número de genes de RNA não codificantes relatados e até mesmo de novos produtos de genes já estudados há décadas.
O estudo ainda ressalta que, para a maioria desses RNAs não codificantes descobertos recentemente, os papéis funcionais ainda não foram estudados. O trabalho também analisa os avanços recentes que oferecem caminhos para a identificação de suas funções e para, eventualmente, completar o catálogo de genes humanos e todos os elementos regulatórios – uma tarefa de proporções homéricas. Por fim, examina a necessidade de um padrão de anotação universal que inclua todos os genes clinicamente significativos e mantenha suas relações com diferentes genomas de referência para o uso do catálogo de genes humanos em ambientes clínicos.
“É fundamental constantemente reavaliar promessas e desafios. A expectativa de que o sequenciamento do genoma humanos levasse ao rápido entendimento e tratamento de doenças não se cumpriu, mas as pesquisas permitiram encontrar curas para doenças raras com causas genéticas, como as chamadas monogênicas, e também ao melhor entendimento da diversidade e biologia de outros organismos e patógenos. No caso do coronavírus, o sequenciamento do seu material genético viabilizou as vacinas de RNA que aceleraram consideravelmente o combate à pandemia de covid-19”, diz Amaral.
As implicações do artigo são profundas, afirma o pesquisador do Insper. “Nossa compreensão sobre o que sabemos hoje a respeito da genética desafia tudo o que é ensinado na escola. Há muitos conceitos que levam a simplificações e alimentam práticas racistas, quando hoje temos uma compreensão muito mais abrangente a respeito da base da vida humana. Este é só o começo.”