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Por que o Brasil precisa pegar a onda dos cobots

O país está muito atrasado na adoção de robôs industriais. Mas um novo cenário, nacional e mundial, permite avanços na nova onda do setor: o uso de robôs colaborativos

O país está muito atrasado na adoção de robôs industriais. Mas um novo cenário, nacional e mundial, permite avanços na nova onda do setor: o uso de robôs colaborativos

 

David Cohen

 

O ano de 2022 foi salpicado de exemplos da evolução dos robôs. Em junho, o engenheiro Blake Lemoine declarou que o programa de inteligência artificial (IA) que ajudava a desenvolver no Google havia se tornado consciente. O programa, LaMDA, o convenceu ao afirmar que havia desenvolvido uma alma “ao longo dos anos em que esteve vivo”, mas suas respostas são resultado de seu sistema de reconhecimento de padrões, que busca em milhões de textos na internet as sequências de palavras mais prováveis para uma resposta. A contraprova da consciência do LaMDA é que, ao responder sobre o que o faz feliz, o programa disse “passar tempo com a família e amigos” — embora não tenha nem uma nem outros.

No final de setembro, o empresário Elon Musk apresentou o protótipo de um robô que andava sozinho e acenava para a plateia. Já existem vários desses, com diversas funcionalidades, e a maior novidade foi que o Optimus, o robô de Musk, foi construído com peças disponíveis na fábrica da montadora de carros Tesla — por um custo muito menor que vários similares.

Exatos dois meses depois, no dia 30 de novembro, a empresa OpenAI (que Musk também ajudou a fundar e presidiu até 2018) lançou um chatbot (robô especializado em conversas, como a Alexa da Amazon ou a Siri da Apple) capaz de responder a perguntas complexas e até mesmo compor redações para o Enem ou escrever  teses de mestrado. Virou uma febre: em uma semana, já tinha cerca de 1 milhão de usuários.

Todos esses exemplos atiçam o imaginário das pessoas, especialmente por evocar distopias como a guerra entre máquinas e humanos. Mas a verdadeira revolução, pelos menos a que está de fato ocorrendo agora, se realiza um ou dois níveis abaixo: é a disseminação de robôs industriais.

Não é à toa que a japonesa Honda, que ainda nos anos 1980 apresentou o robô humanoide Asimo (uma homenagem ao escritor de ficção científica Isaac Asimov), então o mais avançado do mundo, capaz de reagir a comandos de voz e mover objetos, tenha desistido do projeto em 2018. A empresa decidiu concentrar-se no desenvolvimento de robôs mais “práticos”, funcionais, como máquinas que apoiam a mobilidade de idosos ou ajudam em serviços gerais.

 

Um grande atraso — que está aumentando

Nesta tendência, não é surpresa que o Brasil esteja atrasado. A surpresa é o quão atrasado o país está. Temos em média 9 robôs para cada 10.000 trabalhadores, segundo a Federação Internacional de Robótica (IRF, uma ONG dedicada à promoção da indústria de robôs no mundo). É menos de um décimo da média mundial, que está por volta de 130 robôs para cada 10.000 trabalhadores.

Embora a automação tenha ganhado um impulso durante os dois anos de pandemia, havendo notícia de um aumento de mais de 100% no número robôs em atividade no Brasil, este dado se refere apenas aos robôs de conversação, os bots. De fato, os desenvolvedores desse tipo de programa reportaram, de acordo com a Pesquisa Panorama Mobile Time – Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots, um crescimento explosivo: dos 24.000 programas em atividade no país em 2020 para 58.000 em 2022.

No entanto, esse tipo de robô, usado principalmente pelas companhias dos setores financeiro, de varejo e de telecomunicações (em geral para atendimento ao cliente, na maioria das vezes pelo programa de mensagens Whatsapp), não é considerado um robô genuíno, de acordo com as normas ISO (organização internacional de padrões) — como tampouco são os programas de IA, processos de automação, drones controlados remotamente, carros autônomos ou assistentes de voz.

Robôs, de acordo com a definição oficial, são apenas as máquinas desenvolvidas para a indústria ou para serviços (como equipamentos de mobilidade, pets eletrônicos etc.). Entre estes, a adoção no Brasil também aumentou nos últimos dois ou três anos — porém a um nível abaixo da média mundial. Ou seja, o fosso, em vez de diminuir, está aumentando.

Segundo a IRF, em 2021 houve 1.702 instalações robóticas no Brasil, um crescimento de 7%. No ano anterior, o aumento havia sido de 5%. Desde 2016 a taxa de crescimento anual acumulada foi de 7%. Não parece tão ruim, até se saber que o crescimento médio mundial está por volta do dobro. Em 2021, com a maior produção anual de robôs da história, o estoque mundial cresceu 15%, para 3,5 milhões de unidades. Sem falar que, sendo a base em funcionamento no Brasil tão baixa, o mesmo número absoluto de robôs instalados aqui representaria um aumento percentual muito maior do que em países já com muitas máquinas.

 

Os motivos para o atraso

Há diversas razões para o atraso brasileiro no uso de robôs, explica o engenheiro Lie Pinto, doutor em automação e sistemas e professor de automação industrial no Insper. O primeiro deles é que, até pouco tempo atrás, a mão de obra no país era barata, o que diminui a vantagem de comprar robôs. Um segundo motivo é a outra ponta do mercado de trabalho: há pouca mão de obra sofisticada.

“Programar robôs é uma atividade trabalhosa, envolve mão de obra mais especializada”, diz Lie. Um exemplo que ele relata é a Embraer, onde prestou consultoria. “Quando tiveram que aumentar a precisão de um robô da manufatura, importado da França, foram obrigados a chamar um especialista francês.”

O fato de a indústria ter perdido espaço no país também contribui para o pequeno número de robôs. “Como o foco era muito industrial até uns dez anos atrás, o Brasil avançou bem menos do que poderia”, afirma. Essa situação começou a mudar, porque também a agricultura está adotando robôs: para alimentar animais, selecionar mudas, coletar ovos, arar terra…

Uma questão de fundo se une aos motivos para os robôs avançarem menos no Brasil: a cultura. “Há alguns anos, eu dava aula de robótica para uma turma da qual faziam parte dois holandeses e um suíço”, lembra Lie. “No início do curso, a gente sempre pede para os alunos responderem uma pesquisa sobre o que pensam dos robôs. Entre os brasileiros, 60% tinham visão negativa: eles tiram emprego das pessoas, reduzem renda, servem para aumentar a exploração do capital sobre o trabalho.” Para os europeus, a visão era quase oposta: “servem para repatriar a produção, reduzir o transporte de mercadorias, trazer a produção mais para perto do consumidor, torná-la mais eficiente e barata.”

 

Homem e robô trabalham lado a lado em uma instalação industrial
Homem e robô trabalham lado a lado em uma instalação industrial

Um cenário mais favorável

O cenário agora é propício para que o Brasil aposte na robótica. No setor da agricultura, dinâmico e afinado com a necessidade de sempre aumentar a produtividade, há o incentivo de manter a liderança que o país conquistou em diversas áreas. No setor industrial, há um novo patamar de competitividade, que se convencionou chamar de indústria 4.0, com mais automação; além disso, a economia se diversificou, o setor de serviços cresceu e já não há mais mão de obra tão barata como antigamente disponível para as tarefas da manufatura.

Também há algumas iniciativas para suprir o mercado com mais gente capacitada em automação, como os cursos do Senai, de algumas universidades e das Fatecs (faculdades de tecnologia do estado de São Paulo).

Um fator que emperra os investimentos em robótica, entretanto, é a falta de planejamento dos investimentos no país, avaliou Edouard Mekhalian, diretor geral da Kuka Roboter do Brasil, em entrevista à revista Ferramental, especializada em notícias sobre o setor industrial. “Desde o início da minha carreira, há 30 anos, nunca experimentamos um cenário em que o empresário tenha podido fazer um planejamento de médio e longo prazo consistente”, afirmou.

Ainda assim, joga a favor do país uma nova mudança tecnológica: os robôs colaborativos. “São robôs equipados com sensores, de forma que podem interagir e ficar no mesmo ambiente que os seres humanos, afirma o professor Lie. “Eles são mais baratos que os robôs convencionais porque não precisam de um espaço físico dedicado nem complexos sistemas de segurança.”

Os robôs colaborativos (cobots) não são um fenômeno novo. O primeiro deles foi inventado em 1996, por dois pesquisadores da Northwestern University, Michael Peshkin e J. Edward Colgate, a pedido da montadora GM. Desde o início da década, gerentes da montadora reportavam problemas na linha de montagem. Embora algumas tarefas já estivessem automatizadas nas linhas de montagem, os trabalhadores ainda tinham que levar cargas pesadas até os robôs provocando lesões e perda de produtividade.

A solução foi criar uma máquina que tivesse sensores para perceber a proximidade de humanos e parar quando houvesse algum risco de ferimento. O cobot foi patenteado em 1999, como “um aparato e um método para a integração física direta entre uma pessoa e um manipulador genérico controlado por um computador”. Essa descrição está de acordo com o que hoje chamamos de Dispositivo de Assistência Inteligente (IAD, na sigla em inglês), um precursor dos atuais cobots. Por motivos de segurança, ele não tinha uma fonte interna de força.

Em 2004, a empresa alemã Kuka lançou o LBR3, um robô leve com motor próprio. Quatro anos depois foi a vez de a Universal Robots, empresa dinamarquesa, lançar a sua versão de cobot, o UR5.

A princípio recebidos com ceticismo, os cobots começaram a conquistar mercado apenas nos últimos anos. De acordo com a consultoria Ken Research, o mercado de cobots cresceu de 500 milhões de dólares, em 2017, para cerca de 1 bilhão de dólares no ano passado. O crescimento deve se acelerar, segundo os consultores, atingindo 3 bilhões de dólares em 2028.

Esta é uma previsão ainda tímida. Pelas estimativas da companhia de pesquisas de mercado MarketsandMarkets Research, o atual mercado de 1,1 bilhão de dólares vai atingir 9,2 bilhões em 2028, uma taxa de crescimento de 41,5% ao ano. A previsão mais otimista está em linha com os cálculos da consultoria Interact Analysis, que projeta um mercado de 7,5 bilhões de dólares em 2027, conquistando cerca de 30% do mercado total de robôs industriais.

 

As tendências pró-robôs

A adoção dos cobots — e dos robôs em geral — é estimulada por uma série de tendências de curto e médio prazos. Eis as principais:

# A globalização está em recuo. Tanto pela crescente animosidade entre os Estados Unidos e a China como pelas rupturas na cadeia logística provocadas pelas políticas de contenção da pandemia da covid-19, a produção mundial ensaia uma reorganização. “No longo prazo, é inviável toda a manufatura ficar na China e em Taiwan e todo o fornecimento de matéria-prima ficar no Brasil, na América Latina e na África”, diz Lie. “A tendência é o Brasil receber mais manufatura.”

# O custo está caindo. Neste ponto, os cobots abrem uma nova frente de mercado. Seu custo médio, por volta de 50.000 dólares, é cerca de um quarto do preço de um robô industrial típico. Os robôs tradicionais ainda levam vantagem por serem maiores, capazes de trabalhar com mais peso; por isso são preferidos para diversas tarefas em indústrias pesadas. Mas os cobots são acessíveis a empresas de médio e até pequeno porte — que são a maioria. “Não é só o preço”, lembra Lie. “O robô tradicional tem o custo extra do espaço físico e dos sistemas de segurança que é preciso montar.”

# A instalação está ficando mais simples. Além do custo menor, os cobots são mais simples de programar. Em vez de exigir que um programador estabeleça a rotina que o robô vai seguir, os cobots são frequentemente ensinados pelo exemplo. Um funcionário guia os braços do cobot de acordo com os movimentos que ele precisa fazer e a máquina em seguida os repete sozinha.

# O mercado avança para a customização. A flexibilidade exigida por um mercado consumidor sujeito a mudanças rápidas de volume e formato de produção favorece os cobots — mais ágeis e fáceis de programar.

# A tecnologia avança. Os progressos em áreas ligadas à robótica — sensores mais apurados, inteligência artificial, programas para atividades mais variadas — favorecem os cobots. A nova geração já é bem mais eficiente do que os primeiros modelos. Antes, ao detectar um obstáculo (como o braço de um operador ou um funcionário no caminho) o cobots paravam; agora, eles são capazes de desviar do obstáculo sem interromper o trabalho.

# Há novos modelos de negócio. Assim como o armazenamento de dados ou a programação de computadores, há a opção do robô como um serviço. “Isso possibilitou a muitas empresas pequenas utilizarem robôs em épocas de maior demanda”, diz Lie.

# A oferta de mão de obra vai cair mais. A população dos países mais desenvolvidos (o Brasil inclusive) está ficando mais velha, e a dificuldade de encontrar funcionários que a manufatura já enfrenta deve se estender para outras áreas. Além disso, o ampliado número de idosos aumenta a necessidade de cuidados que os cobots podem ajudar a prover.

O Brasil precisa acelerar a adoção dos robôs por todos esses motivos e por mais um, crucial: vencer a barreira da baixa produtividade, que nos limita a prosperidade.

O desenvolvimento da Coreia do Sul, país que venceu o estágio da pobreza, foi obtido com diversas políticas públicas. Uma das mais importantes foi o investimento em educação — bastante comentado, que reforça recomendações para que o Brasil faça o mesmo. Mas ele andou acompanhado de uma forte mecanização, incluindo a robotização, em medida proporcional à qualificação de sua mão de obra. Hoje o país lidera no número relativo de robôs: são 932 para cada 10.000 trabalhadores.

A China trilha o mesmo caminho. Conforme sua população fica mais rica e a mão de obra naturalmente encarece, ela investe massivamente em robôs. Em 2021, aumentou o número de instalações em 51%, mais que o dobro do segundo colocado (o Japão, com 22%).

O primeiro passo para avançarmos neste caminho é entender que os robôs não servem para desalojar trabalhadores. Servem para elevar a produtividade, incentivar o aprimoramento da mão de obra para tarefas mais criativas e estratégicas. Servem, portanto, para a produção de riqueza. Enfim, para colaborar.

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