Uma pesquisa recente apontou que 96% das startups financeiras nunca utilizaram os incentivos fiscais previstos na legislação. Vale a pena investigar o motivo
Fabiano de Melo Ferreira*
Não há um conceito unânime de fintech, mas existe um certo consenso quanto às suas principais características, o que nos permite afirmar que fintech é toda empresa que, desde a sua origem, tem como atividade econômica principal o fornecimento de produtos e serviços financeiros inovadores, exclusivamente por meio de plataformas online e com uso intenso de tecnologia, com potencial para criar novos modelos de negócios, de forma escalável.
Percebe-se, nesse contexto, que o elemento inovação constitui peça-chave na definição de um modelo de negócio como fintech, além, é claro, da necessária oferta de produtos e serviços financeiros (o “fin”), com uso intenso de tecnologia (o “tech”).
Esse modelo se expandiu de forma notável nos últimos anos[1], mas tem enfrentado grandes desafios neste ano de 2022 diante de incertezas políticas e econômicas que são notórias. Afinal, trata-se de um modelo que demanda grande investimento inicial para cumprir seu caráter inovador, o que é afetado quando o cenário político e econômico não garante uma mínima segurança e previsibilidade aos investidores. E, sabemos, o desejo de segurança e previsibilidade é intrínseco à natureza humana.
Mas o estudo da história nos permite afirmar que este é apenas um ciclo, passageiro, como diversos outros ciclos de crise e de crescimento que já vivenciamos, sabendo que o ciclo de crise serve, acima de tudo, como oportunidade de aprendizado para o próximo ciclo de crescimento. E entre os diversos aprendizados possíveis no momento, podemos destacar a importância de uma melhor utilização de benefícios previstos na legislação, como é o caso da Lei do Bem, ou Lei nº 11.196/05 (em seu Capítulo III), regulamentada pelo Decreto nº 5.798/06.
Essa lei prevê incentivos fiscais com o fim de estimular investimentos privados em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, seja na criação de novos produtos, seja no processo de fabricação, e também na agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que proporcione melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou de produtividade. Conforme mencionado em página sobre a Lei do Bem, no site do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações[2], tais benefícios:
…visam estimular a fase de maior incerteza quanto à obtenção de resultados econômicos e financeiros pelas empresas no processo de criação e testes de novos produtos, processos ou aperfeiçoamento dos mesmos (risco tecnológico).
Na última edição da Pesquisa Fintech Deep Dive, realizada por meio de parceria entre a consultoria PwC e a ABFintechs, e divulgada no mês de agosto de 2022, o uso da Lei do Bem pelas fintechs entrevistadas[3], no entanto, é surpreendentemente pequeno, já que 96% afirmaram nunca terem se beneficiado do incentivo fiscal previsto nessa lei. É necessário que cada fintech avalie o motivo dessa pouca utilização dos benefícios e, para tanto, vale resumir quais são esses benefícios e as principais condições para a sua obtenção.
Os incentivos fiscais previstos na lei são os seguintes:
Para que qualquer pessoa jurídica possa usufruir dos benefícios da Lei do Bem, é necessário que ela:
Nota-se que são requisitos absolutamente factíveis para muitas fintechs, e não apenas para 4% delas, como indicado na Pesquisa Fintech Deep Dive 2022, sendo necessário apenas que sejam tomadas providências no sentido de comprovar o cumprimento de tais exigências, além de outras formalidades previstas na Lei do Bem e em sua regulamentação.
Em todo caso, trata-se de oportunidade que não pode ser desconsiderada pelas fintechs, especialmente por relacionar-se com algo que é o propósito maior desse modelo de negócio: a inovação.
* Fabiano de Melo Ferreira é alumnus do LL.M. Direito do Insper, turma de 2017, e coordenador do pilar de Fintechs do Comitê Alumni de Tecnologia. É advogado e professor, sócio responsável pela área de Fintechs do Baptista Luz Advogados, e membro efetivo da Comissão de Direito do Mercado Financeiro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp). Foi um dos monitores responsáveis pelo Centro de Estudos do Mercado Financeiro e de Capitais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Atuação profissional e acadêmica de 15 anos em temas relacionados à regulação do mercado financeiro e de capitais.
[1] Conforme mapeamento realizado pela plataforma Distrito (https://distrito.me/), na data de publicação deste artigo há mais de 1.600 fintechs em funcionamento no Brasil, em um universo de aproximadamente 5.700 fintechs existentes em diversos países, identificadas pela mesma plataforma.
[2] Disponível em https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/lei-do-bem
[3] Conforme mencionado no relatório da pesquisa, as informações foram obtidas junto a 156 fintechs, entre 14 de março e 22 de abril de 2022.