Realizar busca
test

Temperaturas extremas impõem o desafio da infraestrutura resiliente

Conceitos físicos fundamentais mostram como o aquecimento global tem implicações práticas em projetos de engenharia, diz o professor Caio Santos

Conceitos físicos fundamentais mostram como o aquecimento global tem implicações práticas em projetos de engenharia, diz o professor Caio Rodrigues

 

Leandro Steiw

 

As mudanças climáticas estão impondo um novo desafio para os engenheiros. Acentuados pelo aquecimento global, os efeitos das variações de temperatura exigem uma capacidade de adaptação ainda maior de estruturas e dispositivos a diferentes condições de operação, como as impostas por alterações climáticas. O caminho está na chamada “infraestrutura resiliente”, um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas.

Recentemente, a onda de altas temperaturas no Hemisfério Norte mostrou que o impacto do aquecimento global oferece riscos à segurança da população mesmo nos países ricos. E não é por falta de dinheiro ou por erro de projeto, mas por influência de um conceito básico de física: a transferência de calor.

A transferência de calor ocorre quando existe diferença de temperatura. “É um conceito fundamental e com implicações em uma série de situações do nosso cotidiano”, diz o físico Caio Rodrigues, professor dos cursos de Engenharia Mecânica, Mecatrônica e de Computação do Insper. “Um dos efeitos do aquecimento ou resfriamento do material é, respectivamente, a dilatação ou a contração térmica. Isso significa que, nessas condições, as dimensões do material podem ser alteradas e isso deve ser considerado nos projetos de engenharia.”

Aprendemos na escola que os materiais dilatam quando submetidos ao aumento da temperatura. Basta esquentar um pouquinho a tampa de metal para abrir, sem muito esforço, o vidro de conserva. Como o coeficiente de dilatação do vidro é menor, a tampa se solta.  “Esse efeito tem implicações práticas no projeto de edifícios, pontes, ferrovias e até mesmo em dispositivos eletrônicos”, afirma Rodrigues. “Os ciclos de carga térmica podem fazer com que diferentes materiais respondam de forma diferente aos efeitos da dilatação térmica. Em eletrônicos, por exemplo, isso pode provocar danos nas juntas de solda, usadas em placas de circuito impresso (PCB, na sigla em inglês).”

Há cerca de um mês, nos dias em que a temperatura superou os 40°C, o Reino Unido restringiu a circulação de trens e metrôs para evitar o risco de flambagem dos trilhos, quando o esforço de compressão entre os trilhos supera a resistência da fixação lateral a ponto de entortar a linha férrea, deixando-a em forma de S. Nos Estados Unidos, em 2019, os trilhos de Chicago foram aquecidos com fogo quando os termômetros atingiram 10°C negativos, para evitar o rompimento das juntas da via, por causa da contração do metal.

Aqui mesmo no Brasil, há dois anos, parte das soldas dos trilhos do metrô na região metropolitana de Porto Alegre trincou em um início de inverno no qual a temperatura variou de 30°C durante o dia até 8°C na madrugada. A operadora precisou rodar os trens em via única em alguns trechos, atrasando o serviço nas estações.

A estabilidade das ferrovias não está condicionada apenas ao comportamento dos trilhos. As linhas dependem da sinergia de trilhos, dormentes, fixação e lastro da pista. Para possibilitar um rodar mais suave dos trens, utilizam-se os trilhos longos soldados, com peças que podem chegar a quilômetros de comprimento entre as juntas de dilatação. Essa extensão depende de fatores variados, como características do trilho, temperaturas e resistência dos elementos construtivos.

 

Professor Caio Rodrigues
Professor Caio Rodrigues

Sistemas críticos

Os cálculos dos engenheiros consideram o efeito dessas variações em qualquer projeto de infraestrutura. Conforme a média das temperaturas globais aumenta, porém, outros eventos naturais tendem a se tornar extremos, como chuvas, estiagens e ventos. As normas construtivas podem se adequar aos novos tempos, mas quanto custaria readaptar a tecnologia já existente? E como definir quais serão os novos limites máximos e mínimos de temperatura?

O desafio já fora proposto pela ONU na Agenda 2030, com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável para reduzir as disparidades sociais. O nono item trata da infraestrutura resiliente, “capaz de resistir, absorver ou se recuperar de impactos de maneira rápida e eficiente, inclusive a partir da preservação e restauração de suas estruturas e funções básicas essenciais”. A cada dólar investido em infraestrutura resiliente a desastres, economizam-se quatro dólares, estima a ONU.

Os transtornos causados pelo verão atípico no Hemisfério Norte reforçaram a urgência do cumprimento das metas de desaquecimento até 2050. Outro relatório das Nações Unidas, elaborado em parceria com a Universidade de Oxford, indica que 79% das emissões totais de gases de efeito estufa provêm da infraestrutura de energia, transporte, água, resíduos sólidos, comunicações digitais e prédios.

Do ponto de vista energético, boa parte da energia consumida nesses setores é perdida na forma de calor. “Isso leva a um novo desafio de engenharia: o uso eficiente de recursos energéticos para reduzir as perdas e aumentar a eficiência na produção e consumo de energia”, diz Rodrigues.

O setor de energia está entre os mais críticos em um planeta superaquecido. Pesquisadores da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas de Harvard calcularam a demanda por ar-condicionado se as emissões de carbono continuarem aumentando no ritmo atual. Pelo menos 70% da população mundial precisará de aparelhos de refrigeração até 2050, principalmente nos países equatoriais. A estimativa não é muito melhor se o Acordo de Paris for cumprido: de 40% a 50% da população não viverá em segurança sem condicionador de ar.

Linhas de transmissão de energia também são suscetíveis às variações extremas de temperatura, porque trocam calor com o ambiente. Calor é perdido por convecção e radiação no cabo, mas é adicionado por radiação solar, entre outros. A flecha, definida pela curvatura dos cabos das torres de transmissão em direção ao solo, varia com a dilatação do metal de que é feita a linha e influência na eficiência do sistema. Há limites de segurança operacional a serem apreciados no dimensionamento dessas redes.

As ligas de metais usadas no aço dos trilhos são tratadas antes e durante a fabricação para reduzir os danos causados por estresse térmico. Os trilhos são predominantemente de ferro, com cerca de 2% da composição formada por elementos como carbono ou manganês, que aumentam a dureza do aço. Muitos dos trens estão conectados a linhas aéreas eletrificadas, que cedem em temperaturas elevadas. Essas variações podem ser controladas por sistemas móveis de regulagem da tensão, formados por dinamômetros e pesos instalados nas torres.

 

As soluções existem

O relatório “In Deep Water”, do think tank liberal conservador Bright Blue, apontou as inundações como um dos maiores riscos à infraestrutura do Reino Unido. As pontes, que já são projetadas para resistir aos esforços do vento, precisam ser repensadas por causa da elevação do nível do mar — e de outros cursos de água, sensíveis a chuvas mais intensas. Rios que transbordam podem destruir estradas e isolar cidades. As redes de drenagem não são suficientes para manter a população segura.

Na Austrália, chuvas extremas danificaram 19.000 quilômetros de rodovias entre 2010 e 2011. A solução testada pelos engenheiros foi a injeção de espuma de betume, misturado a ar e água, para formar uma camada resistente à água na própria estrada. Seis anos depois, o processo foi posto à prova com a passagem do ciclone Debbie, que provocou novas inundações, mas com estragos mínimos.

O transporte ferroviário da cidade de Dawlish, no Reino Unido, ficou interrompido por oito semanas depois que um quebra-mar desmoronou devido às tempestades de 2014. A reconstrução do paredão costeiro envolveu novas técnicas construtivas, com componentes metálicos enterrados como parafusos em vez de simplesmente cravados na rocha. Prevendo a elevação do mar, a nova estrutura foi projetada para uma vida útil de cem anos.

Um dado importante no dimensionamento de obras de infraestrutura é o período de retorno, intervalo de tempo que em média um determinado evento natural é igualado ou superado. É intuitivo que temperaturas, chuvas e ventos extremos se tornam mais prováveis em intervalos maiores. Logo, a segurança demanda estruturas mais robustas e mais caras. Historicamente, com poucos recursos financeiros, alguns países tendem a considerar períodos de retorno menores para viabilizarem os seus projetos — um empecilho considerável no caminho da resiliência. Parece que o esforço simultâneo de um planeta acolhedor para todos seja outra decisão inteligente.

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade