Esse foi o valor que a maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock, perdeu no primeiro semestre de 2022. Dá para manter a tranquilidade?
David Cohen
O número é superlativo: a maior gestora de ativos do mundo, a americana BlackRock, perdeu nos primeiros seis meses deste ano a exorbitante quantia de 1,7 trilhão de dólares. É um exemplo perfeito do bom e velho ditado “quanto maior, maior o tombo”.
Em números relativos, porém, não dá para dizer que a empresa tenha sido especialmente inábil na gestão do dinheiro de seus clientes. A queda no valor dos papéis que possui foi de cerca de 11%, em linha com o prejuízo geral do mercado americano e mundial.
Nem poderia ser muito diferente. A BlackRock atua principalmente em bolsas de valores, em sua maior parte com fundos de investimentos passivos — que buscam seguir o desempenho de índices de mercado escolhidos. E os principais índices não estão indo nada bem. O S&P 500, que acompanha os resultados de 500 grandes companhias listadas nas bolsas americanas, caiu quase 12%; o MSCI All World Index, média de pouco mais de 1.500 companhias no mundo, perdeu 13,5% de seu valor no mesmo período.
Ainda assim, o número impressiona. A BlackRock, a primeira gestora a passar da marca de 10 trilhões de dólares sob sua gestão, agora conta com “apenas” 8,5 trilhões. Foi uma queda expressiva o bastante para exigir uma justificativa enfática de Larry Fink, o executivo-chefe da empresa, na reunião de exposição de resultados, no final de julho. “O ano de 2022 teve o pior início em 50 anos tanto para ações quanto para títulos”, ele disse.
Não faltam razões para isso. A pandemia, que a princípio estimulou os mercados com os auxílios governamentais, de outro lado provocou rupturas na cadeia de produção pelas paralisações de portos e fábricas; o mundo entrou em ciclo inflacionário, com consequente alta dos juros e risco de recessão; a invasão da Ucrânia pela Rússia levou a mais incertezas e estrangulamento na oferta mundial de commodities.
Apesar de todos esses percalços, Fink se diz ainda tranquilo. Poucos dias antes da divulgação dos resultados do ano, em entrevista ao programa Mad Money, no canal de TV CNBC, afirmou que o vento contrário representa “o normal dos negócios” para investidores de longo prazo.
“Uma pessoa famosa me telefonou, em pânico, perguntando o que fazer, que não estava aguentando ver as perdas”, contou Fink. “Eu disse: saia de férias.” Seu argumento é que os males que afligem a economia americana são passíveis de conserto. “Se você realmente não aguenta a pressão, então venda seus ativos… mas a verdade é que já vimos isso. Com o tempo, a inflação vai ser domada.” De acordo com ele, a queda mundial nos preços das commodities já é um sinal de deflação. Sobre o risco de recessão, provocada pela alta de juros para conter a inflação, Fink considerou que ele existe, “mas, mesmo se houver, será suave”.
“Concordo com ele”, diz Alexandre Chaia, sócio proprietário da gestora de fundos Carmel Capital e professor de finanças do Insper. “Eu mesmo tenho dinheiro em um fundo deles fora do Brasil. Perdeu, perdeu. Você tem que acreditar que vai recuperar lá na frente.”
Lá na frente, segundo Chaia, é um prazo de alguns anos. “Não acredito na recuperação da bolsa em menos de dois ou três anos”, diz. “A conjuntura internacional não está boa para o mercado de renda variável.” Além da inflação, a China, grande motor da economia mundial nos últimos anos, tem uma possível bolha no mercado imobiliário. Mexer no investimento agora, no entanto, é assumir as perdas.
Para Chaia, vivemos um período de aumento de juros parecido com o que aconteceu há meio século. “Na média, acredito que a renda variável no curto prazo não vai render bem”, opina. “Mas uma hora vai ter um ajuste.”
É por contar com esse ajuste que Fink classifica as perdas de agora como “o normal dos negócios”. Não se pode esquecer, é claro, que esse otimismo tem um tanto de mecanismo de autopreservação. “Se disser o contrário, ele destrói o seu negócio”, lembra Chaia.
A questão crucial não é tanto se vai haver recuperação, mas quando. E com qual intensidade. O grande susto dos últimos meses parece ter arrefecido. “Pelo menos até agora, o Federal Reserve não subiu tanto os juros nos Estados Unidos, a contração monetária não foi tão forte, a instabilidade não está tão grande”, diz Chaia.
Neste cenário, a BlackRock chegou a captar mais dinheiro. No último trimestre, o fluxo de investimentos foi positivo em 90 bilhões de dólares. “Faz sentido”, aponta Chaia. “Quem investe em ação com uma gestora como a BlackRock não é o sujeito que não entende, é alguém que está buscando oportunidades. Para quem pensa no longo prazo, talvez as ações estejam num preço bom agora.”
A mesma lógica, segundo analistas, pode explicar que a BlackRock tenha finalmente decidido lançar um fundo de investimentos que vai acompanhar o preço da bitcoin. É uma mudança e tanto para Fink, que há apenas cinco anos se referia à criptomoeda como um “índice de lavagem de dinheiro”.
De lá para cá, porém, as instituições financeiras têm se aproximado mais e mais do explosivo mercado de criptomoedas. Em abril, a BlackRock já havia firmado uma parceria com a corretora Circle para estudar como sua criptomoeda estável, a USDC, poderia ser alocada nos mercados de capitais. Agora, fez um novo acordo, com a Coinbase, que liga o sistema de gestão da BlackRock à plataforma de criptomoedas.
O momento para esse acordo é significativo. A desvalorização das criptomoedas este ano foi tamanha que, na comparação, as ações pareceriam um excelente negócio. Em questão de dois meses, esse mercado — uma fração do tamanho do mercado acionário — perdeu algo como 2 trilhões de dólares.
Em vez de assustar, esse desabamento parece estar contribuindo para a adoção das criptomoedas por parte das instituições tradicionais. Gente que considerava ter perdido a chance de ganhar muito dinheiro com a extrema valorização ocorrida nos últimos anos tem considerado as cotações atuais como um bom ponto de entrada.
Para atender a demanda, a BlackRock vai permitir que investidores qualificados (ricos ou institucionais) acessem a plataforma Coinbase Prime para negociar e custodiar transações em criptomoedas, começando pela bitcoin.
É provável que a mudança de postura da BlackRock em relação às criptomoedas só tenha ocorrido pela soma de dois resultados negativos: a das ações, que coloca a empresa em alerta para buscar novos horizontes, e a das criptomoedas, que torna esse mercado mais acessível. Se a junção desses dois negativos vai dar um resultado positivo, só o tempo dirá. Um bom tempo.
O problema do longo prazo é que, para chegar até ele, é preciso atravessar vários curtos prazos. Com o tamanho que tem, a BlackRock não sofre grandes riscos. Mas também não pode se descuidar.
Assim como várias grandes gestoras de fundos, ela está retardando contratações e cortando compensações de seus agentes. “Estamos postergando a admissão para certos cargos mais altos para o ano que vem”, afirmou Gary Shedlin, diretor financeiro da firma, ao jornal Financial Times. “Também estamos tentando colocar funcionários mais juniores em alguns cargos, quando apropriado.”
Nada muito diferente de outras empresas, que reduziram bônus e compensações para fazer frente aos resultados negativos.