Os gastos em ensino na primeira infância têm o maior impacto positivo no longo prazo. O aprendizado dos alunos passa pela formação dos professores, com a ciência como aliada
Bruno Toranzo
“O Brasil sentou as crianças na sala de aula, mas isso não gerou o aprendizado necessário. O que realmente importa é o percentual de crianças que aprenderam o esperado na idade certa. Isso só vai acontecer se houver foco naquilo que faz as crianças aprenderem. O país não crescerá sem resolver a chamada crise de aprendizagem, como o Banco Mundial definiu”, disse Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann, no painel “Educação, da primeira infância ao crescimento”, no primeiro dia do evento “Políticas Públicas para um Brasil Melhor”, parte das comemorações dos cinco anos do Centro de Gestão e Políticas Públicas (CGPP) do Insper.
De acordo com Mizne, os temas econômicos ocupam espaço relevante no debate presidencial, e a educação recebe menos atenção. Na visão dele, ainda que as reformas macroeconômicas sejam importantes, como a previdenciária, que já foi feita, e a tributária, a única agenda que vai de fato destravar o crescimento do Brasil é a da educação, como fez a Coreia do Sul e como está fazendo Portugal. Esses dois países optaram por crescer pelo conhecimento e desenvolvimento sustentável, uma discussão que praticamente não se vê por aqui.
“Estamos crescendo abaixo da média do mundo há muito tempo, e uma das explicações para isso é a falha de aprendizagem. Precisamos, por exemplo, alfabetizar as crianças na idade certa. Hoje em dia, criança não alfabetizada é aprovada, seguindo na escola, sem aprender nada, já que a não alfabetização compromete por inteiro sua trajetória escolar. A partir do momento que se alfabetiza adequadamente, diversos resultados melhoram por consequência”, afirmou Mizne.
Para Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, é muito difícil fazer com que a educação seja prioridade para os políticos porque os resultados não aparecem de imediato. “Não são 30 anos para dar resultado, como costumam dizer, mas precisamos de duas ou três gestões muito bem-feitas. Há diversos exemplos nesse sentido no Brasil, como os estados de Ceará, Espírito Santo, Goiás e Pernambuco. Também é possível citar cidades como Coruripe, Sobral e Teresina, que têm feito uma excelente gestão da educação”, exemplificou.
Segundo Priscila, o Brasil sabe como evoluir na educação, e um dado que demonstra isso é o de aprendizagem na língua portuguesa, no quinto ano do ensino fundamental. Em 2007, apenas 28% dos alunos tinham aprendizado adequado nessa matéria. O último dado disponível, de 2019, apontou 62%. “Não tem país da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] que fez esse avanço em tão pouco tempo”, afirmou.
Os especialistas presentes no painel foram unânimes em reconhecer a relevância da primeira infância para que a educação como um todo seja bem-sucedida. Os gastos em educação na primeira infância têm o maior impacto positivo no longo prazo, com aumento do aprendizado, da produtividade e da inserção no mercado de trabalho, refletindo também no aumento da arrecadação do Estado com tributos. “Para isso, os professores precisam entender como a criança aprende. A preparação desses profissionais deve estar focada nisso”, afirmou o educador Mozart Ramos, ex-secretário de Educação de Pernambuco. “A maioria dos professores não se sente confortável em dar aulas para crianças, e o motivo para isso é que continuamos formando professores com o mesmo método praticado 20 ou 30 anos atrás.”
De acordo com Ramos, a ciência é uma aliada nesse processo, tendo mostrado, por exemplo, que a criança com dislexia pode aprender se for usado um método de ensino com frases curtas e bem espaçadas umas das outras. Faz igualmente diferença a ciência utilizada no ensino médio, no modelo de escola de educação integral em tempo integral, colocando o jovem no centro do processo de ensino e aprendizagem. “É essa a fórmula adotada por Pernambuco, que está entre os primeiros no ranking estadual da escola pública de ensino médio”, destacou.
Já Naercio Menezes Filho, coordenador da Cátedra Ruth Cardoso, do Insper, lembrou os efeitos devastadores sobre a educação causados pela pandemia. Houve, para ficar apenas em alguns exemplos, aumento do analfabetismo entre crianças de 7 e 8 anos, além de queda da frequência escolar dos alunos de 5 e 6 anos. “É preciso fazer uma pesquisa nacional avaliando as perdas de aprendizado, saúde mental e desenvolvimento dos alunos na pandemia, com amostra representativa de crianças e jovens de todas as regiões do país”, recomendou. “E, com base nessa avaliação, criar uma proposta de recuperação dos índices de educação, com a meta de retornar até 2023 aos níveis de aprendizado e desenvolvimento existentes em 2019.”
Por fim, Michael França, pesquisador do Insper e moderador do painel, observou que existe uma diferença entre brancos e negros no desempenho escolar. “No Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], percebemos que esse hiato se ampliou nos últimos anos. Em algumas escolas, no entanto, o desempenho escolar dos negros está tão bom quanto o dos brancos. É preciso que essas práticas bem-sucedidas sejam difundidas para toda a rede pública”, disse França.