Em “O Fardo da Lucidez”, Ricardo Zalcberg Angulo retrata a rotina de um médico que começa a questionar as práticas de um manicômio

 

Tiago Cordeiro

 

“De perto, ninguém é normal.” O verso de Caetano Veloso, na canção Vaca Profana, poderia muito bem estar na epígrafe do primeiro romance publicado de Ricardo Zalcberg Angulo, de 19 anos. Aluno de Economia do Insper, ele produziu O Fardo da Lucidez de dezembro de 2020 a abril de 2021.

Depois de um período de revisões, que incluiu a participação de especialistas em linguística e psiquiatria, ele agora lança a obra, pela editora Labrador, no dia 22 de agosto, em evento que acontece das 18h30 às 21h30 na Livraria da Vila, no Shopping JK Iguatemi, em São Paulo.

A obra relata a trajetória, fictícia, mas inspirada em um cenário muito real, do psiquiatra Dante Portofino, que começa a trabalhar num Instituto Weingarten para doentes mentais e identifica que os colegas parecem mais interessados em publicar artigos do que em conhecer e ouvir seus pacientes — como a professora de escola infantil Malda, aprisionada por décadas depois de receber um diagnóstico questionável de esquizofrenia.

 

 

“Definir é limitar”

Ao longo do romance, fica clara a posição do autor: muitas vezes, sintomas que pertencem no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), produzido pela American Psychiatric Association, apenas são parte do que define uma pessoa. “Em muitos casos, o medicamento e o tratamento podem representar a loucura, de fato, e não a cura, porque descaracteriza a personalidade”, ele argumenta.

“Qualquer pessoa, se ler o DSM, vai identificar em si mesma vários sintomas diferentes.” Ou seja: de perto, ninguém é normal. A epígrafe real também é bastante adequada: “Definir é limitar”, frase extraída de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde.

Angulo, que fez terapia por nove anos, leu o manual inteiro, de ponta a ponta. Foi num momento especialmente doloroso: em 7 de setembro de 2020, ele andava de skate elétrico quando sofreu uma queda grave. Quebrou a clavícula direita e alguns ossos da mão esquerda. “Só não morri porque estava usando capacete — que ficou rachado”, ele lembra.

Apaixonado por artes, ele se viu sem mobilidade. E mergulhou em leituras, incluindo A Metamorfose, de Franz Kafka. “Não é uma leitura que eu recomende para quem está preso a uma cama”, diz. Foi quando surgiu seu romance.

Que, aliás, não foi seu primeiro livro. “Com 11 anos, escrevi à mão um guia de conduta, que explicava como agir em situações sociais sem ser rechaçado. Depois de mais de 80 páginas produzidas, num gesto muito dramático, joguei o manuscrito da janela de um barco.” De toda forma, O Fardo da Lucidez é a primeira obra publicada pelo autor, que também produz contos, poemas — e, mais recentemente, escreveu um novo romance, inspirado em suas experiências com sua irmã gêmea, que também é aluna do Insper, no curso de Direito.

 

Vocação para Exatas

Se o acidente com o skate elétrico levou à produção do livro, a obra provocou uma nova mudança na vida de Angulo. Ele, que havia acabado de iniciar o curso de Engenharia no Insper, decidiu migrar para Economia. “Sou uma pessoa de Exatas. Vou muito bem em matemática, estava acompanhando com tranquilidade a Engenharia. Mas queria um curso que me permitisse partir das Exatas, mas transitar pelas Humanas.”

Os professores apoiaram sua mudança. “O curso me entrega as ferramentas adequadas para lidar com ciências sociais e outros campos de conhecimento típicos das Humanas”, ele relata. Nos próximos semestres, é de se esperar que o futuro economista Ricardo Zalcberg Angulo publique outras obras literárias.