Realizar busca
test

Contra o machismo, sempre é tempo para propagar a primeira mensagem

O diretor Kiko Goifman conversou sobre o filme e as pessoas de “Bixa Travesty” na Sessão Especial Mês do Orgulho LGBTQIAP+ do Insper Cineclube

O diretor Kiko Goifman conversou sobre o filme e as pessoas de “Bixa Travesty” na Sessão Especial Mês do Orgulho LGBTQIAP+ do Insper Cineclube

 

Leandro Steiw

 

O longa-metragem Bixa Travesty é um exemplar bem-acabado da máxima do cineasta franco-suíço Jean-Luc Godard: os melhores filmes de ficção tendem ao documentário, e os melhores documentários tendem à ficção. A citação feita pelo próprio Kiko Goifman, que dirigiu e roteirizou Bixa Travesty com Claudia Priscilla, coroou a exibição na Sessão Especial Mês do Orgulho LGBTQIAP+ do Insper Cineclube, no dia 29 de junho.

Em participação remota após a sessão, Goifman contou para a plateia que nunca gostou de fazer filme com mensagem, mas a história cinematográfica da cantora e artista multimídia Linn da Quebrada tem uma. “É um filme antimachista”, disse o mineiro Goifman. “Tento exercitar isso na minha vida, já fui muito machista.” Ele lembra que tem 53 anos e é branco de classe média, logo, possuidor de muitos privilégios — e um perfil, digamos, clássico de homens cisgênero machistas no Brasil.

Antropólogo de formação, ele trabalha há 30 anos com audiovisual. Não há como escapar ao olhar original, admitiu. “Meus primeiros trabalhos tratavam sempre de grupos”, afirmou. “O primeiro foi sobre prisão, depois sobre prostitutas velhas, depois velhos em situação de abandono. Acho que esse desejo de grupo vem da Antropologia. Depois, um desejo de tempo. Eu só fiz filme sobre uma pessoa depois do convívio com a Claudia.” Ele se refere, evidentemente, a Bixa Travesty, sua criação mais recente.

Vencedor em 2018 do prêmio Teddy de melhor documentário no Festival de Cinema de Berlim, na Alemanha, onde foi lançado, Bixa Travesty virou a obra mais rápida que Goifman realizou na carreira. “Foi um momento de urgência na minha vida, eu queria filmar. Mas já levei um, dois anos em pesquisa para outros filmes”, disse. Embora Claudia Priscilla se responsabilizasse pelas pesquisas — que dariam sustento ao roteiro também assinado por Linn da Quebrada —, Goifman já convivia com mulheres trans e travestis.

Desde a década de 1990, narrou, dividia a casa com elas. “Sempre tive essa convivência”, afirmou. “Existe uma questão muito forte, são pessoas que fazem parte da minha vida, que me ensinam muito. São pessoas com quem tenho a honra de conviver.” Linn se tornou uma delas. Interessada em questões de gênero, Claudia sugeriu a personagem, que tinha 26 para 27 anos na época. Muito jovem para render um documentário, pensou Goifman, até assistir a um show de Linn. “Era o funk mais punk que eu já havia visto”, disse.

Outra descoberta foi que as novas gerações, franqueadas pela tecnologia digital, têm filmadas sequências inteiras da vida. Cenas da hospitalização de Linn, durante o tratamento contra o câncer, e fotografias num disco de computador são alguns desses registros, que proporcionam momentos notáveis do longa-metragem.

Cena do filme Bixa Travesty
Cena do filme “Bixa Travesty”, com Linn da Quebrada (ao centro)

A potência da ficção

Voltando a Godard, inevitável questionar o que é realidade e o que é ficção em Bixa Travesty. Real, é claro, a cena do banho com a mãe foi ideia de Linn. “A gente falou: ‘É maravilhoso’”, afirmou. A luva que pertenceu ao cantor e compositor Ney Matogrosso, a quem Linn sempre admirou, é ficcional. “É um segredo, mas como todos os segredos eu não estou nem aí. Quando falo que é ficção, para mim é um motivo de orgulho. Eu não estou falando que não interessa porque é ficção. Me interessa porque é ficcional”, disse Goifman.

Segundo o diretor, não é uma ficção construída do nada. “É uma construção da ficção que é uma potência, que a gente coloca na fala da Jup do Bairro, de uma potência anterior, para além dos artefatos”, afirmou. Para as pessoas que estão em processo de entendimento, como Goifman mesmo em relação à bissexualidade, sugeriu a importância de ter referências na sociedade. “Bixa Travesty pode ser uma dessas referências”, disse.

O diretor recorda a coluna que escreveu no site NoMínimo durante os 33 dias de busca pela mãe biológica, que resultou no documentário 33, de 2003. “É curioso, porque a mentira da adoção é a mentira mais frágil do mundo, porque a mãe não ficou grávida. Todo mundo ao redor sabe. Porque subitamente chegou alguém. É uma mentira que não se sustenta”, afirmou. Outras pessoas adotadas identificaram-se com 33. “Sei que influenciei muita gente. De certa forma, se a gente ajuda alguém, é uma vida. Não acho que os meus filmes vão mudar o mundo, mas é uma vida.”

Diante do extremado momento político no país, Goifman comenta que não conseguiria fazer Bixa Travesty atualmente. “Tentar emplacar Bixa Travesty neste cenário não aconteceria”, disse. “É um terreno hostil para trabalhar com esse tema e espero que mude.” Fato é que a mensagem política, do corpo como arma contra os estereótipos de gênero, raça e classe social, fica nítida no longa-metragem. Assim como a afetividade. Linn defendia um roteiro que mostrasse o afeto no sentido amplo — “afeição” de doçura e “afetar” de arrebatamento dos espectadores. Fundamental reconhecer que ela estava certa.

 

Este website usa Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade

Definições Cookies

Uso de Cookies

Saiba como o Insper trata os seus dados pessoais em nosso Aviso de Privacidade, disponível no Portal da Privacidade.

Aviso de Privacidade