Novos modelos de negócio melhoraram a experiência dos usuários de serviços de pagamento e abriram um leque de oportunidades para empreendedores. Mas é preciso mapear os riscos
Fabiano de Melo Ferreira*
Quando se fala em fintech, naturalmente se pensa em inovação na oferta de produtos e serviços financeiros, o que demanda uma atualização constante nas tendências de mercado e nas novas ferramentas tecnológicas que as viabilizem. O foco é o aperfeiçoamento constante da experiência do usuário.
Tal foco, porém, não se restringe a uma mera simplificação da usabilidade, mas também compreende uma oferta segura dos produtos e serviços, preservando a privacidade e o patrimônio dos usuários.
Essa é uma das razões pelas quais algumas atividades são regulamentadas, especialmente as exercidas no âmbito do sistema financeiro brasileiro que, segundo o artigo 192 da Constituição Federal, tem de ser “estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem”.
E as fintechs têm papel relevante nesse contexto. Segundo dados da plataforma Distrito, em dezembro de 2021 existiam quase 1.300 fintechs no país, somando-se todas as categorias e subcategorias mapeadas, como crédito, meios de pagamento, câmbio, cripto e afins.
É um número que vem crescendo ano a ano, especialmente na última década. Esse crescimento, em grande parte, é motivado por uma lei, a de nº 12.865/2013, que permitiu a flexibilização das regras aplicáveis aos serviços de pagamento, majoritariamente oferecidos, até então, pelas instituições financeiras. Tal lei trouxe a previsão de uma nova figura: a instituição de pagamento, a chamada IP.
Com a flexibilização promovida por essa lei, o Banco Central do Brasil passou a editar diversas normas no mesmo sentido, regulamentando a lei e, ao mesmo tempo, viabilizando o surgimento de novos modelos de negócio. Esse cenário regulatório, aliado ao notável avanço tecnológico dos últimos anos, viabilizou o surgimento de diversas fintechs, especialmente, as fintechs de meios de pagamento ou, simplesmente, as fintechs de pagamentos.
Vimos surgir novos modelos de negócio, com combinações criativas, que ao final propiciaram uma relevante melhora na experiência dos usuários de serviços de pagamento. Afinal, basta lembrar as formas pelas quais as pessoas realizavam pagamentos no Brasil até poucos anos atrás, e a diversidade de soluções que temos hoje. Se por um lado viabilizou-se essa melhor experiência, por outro abriu-se um novo universo de oportunidades para inúmeros empreendedores e profissionais das mais diversas formações.
Essas oportunidades, porém, têm de ser devidamente avaliadas, considerando não só as possibilidades de receita, mas também os potenciais custos envolvidos, entre eles os custos regulatórios, sejam operacionais, sejam pré-operacionais. E, nessa avaliação, as duas primeiras perguntas a serem feitas pelo empreendedor que queira estruturar uma fintech são: (1) a solução que pretendo oferecer se sujeita a quais regras? e (2) qual o custo para o atendimento dessas regras?
Sendo uma fintech de pagamentos, é importante considerar que a necessidade de cumprimento de determinadas regras mínimas do Banco Central e das chamadas bandeiras (na qualidade de instituidoras de arranjos de pagamento), de forma direta ou indireta, é inescapável.
Afinal, se é uma solução que, de alguma forma, viabiliza a realização de transações de pagamento[1], não há como deixar de observar aquelas regras mínimas. E se o fornecedor dessa solução não é uma instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil, poderá ser considerado uma instituição de pagamento se for enquadrado em uma das quatro modalidades abaixo, previstas na Resolução nº 80, do Banco Central do Brasil:
1. emissor de moeda eletrônica: instituição de pagamento que gerencia conta de pagamento de usuário final, do tipo pré-paga, disponibiliza transação de pagamento que envolva o ato de pagar ou transferir, com base em moeda eletrônica previamente aportada nessa conta, converte tais recursos em moeda física ou escritural, ou vice-versa, podendo habilitar a aceitação da moeda eletrônica com a liquidação em conta de pagamento por ela gerenciada;
2. emissor de instrumento de pagamento pós-pago: instituição de pagamento que gerencia conta de pagamento de usuário final pagador, do tipo pós-paga, e disponibiliza transação de pagamento com base nessa conta;
3. credenciador: instituição de pagamento que, sem gerenciar conta de pagamento:
a) habilita recebedores para a aceitação de instrumento de pagamento emitido por instituição de pagamento ou por instituição financeira participante de um mesmo arranjo de pagamento; e
b) participa do processo de liquidação das transações de pagamento como credor perante o emissor, de acordo com as regras do arranjo de pagamento; e
4. iniciador de transação de pagamento: instituição de pagamento que presta serviço de iniciação de transação de pagamento:
a) sem gerenciar conta de pagamento; e
b) sem deter em momento algum os fundos transferidos na prestação do serviço.
Caso se identifique que a solução a ser oferecida se enquadra em uma ou mais das modalidades acima, é altamente recomendável fazer um mapeamento de todas as obrigações relacionadas, de modo a prevenir o risco de maiores danos no futuro, seja por algum prejuízo causado ao usuário da solução, seja por qualquer questionamento que venha a ser recebido das autoridades competentes.
É uma cautela simples, porém, necessária, que muitas vezes distingue as grandes ideias e inovações que deram certo daquelas que, apesar da euforia inicial, não seguiram esse caminho.
* Fabiano de Melo Ferreira é alumnus do LL.M. Direito do Insper, turma de 2017, e coordenador do pilar de Fintechs do Comitê Alumni de Tecnologia. É advogado e professor, sócio responsável pela área de Fintechs do Baptista Luz Advogados, e membro efetivo da Comissão de Direito do Mercado Financeiro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp). Foi um dos monitores responsáveis pelo Centro de Estudos do Mercado Financeiro e de Capitais da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tem atuação profissional e acadêmica de 15 anos em temas relacionados à regulação do mercado financeiro e de capitais.
[1] Entende-se por transação de pagamento todo “ato de pagar, de aportar, de transferir ou de sacar recursos independentemente de quaisquer obrigações subjacentes entre o pagador e o recebedor”, conforme prevê o artigo 2º da Resolução nº 4.282, do Conselho Monetário Nacional.