Khalil Yassine, filho de refugiado da guerra no Líbano, é cofundador da startup Dolado, que busca conectar pequenos comerciantes e fornecedores
Tiago Cordeiro
“Eu achei exatamente o que eu estava procurando.” O ano era 2014, e Khalil Yassine havia acabado de sair de uma palestra, ministrada pelo professor do Insper Vinicius Licks, e ligou para a namorada contando a novidade. “Fez tanto sentido pra mim na época que desisti de todos os outros vestibulares em que eu estava inscrito e prestei só Engenharia no Insper”, ele relembra. “Não tinha opção de fazer outro lugar. Eu sabia que lá seria diferente.”
Cercado por empreendedores na família desde a infância e decidido a seguir o mesmo caminho, Yassine faria parte da primeira geração com diploma universitário. “Meu pai veio como refugiado da guerra do Líbano, na década de 70, e empreendeu no comércio, assim como a maioria da minha família. Empreender no comércio era a única visão que eu tinha do mundo. O Insper mudou isso.”
O curso abriu portas. “Diferente do que eu tinha visto na minha vida inteira, que eram empreendedores por necessidade, o Insper me deu a possibilidade de ser empreendedor por opção. Mais do que isso, me deu a oportunidade de me capacitar no mais alto nível que eu poderia e me conectou com pessoas que me mostraram que existem milhares de possíveis caminhos.”
Hoje, aos 27 anos, o paulistano é COO (diretor de operações) e cofundador da Dolado, uma plataforma que facilita a compra de produtos para o estoque e tem por meta se tornar o maior ecossistema digital de comerciantes da América Latina.
“Desde o primeiro semestre, o curso de Engenharia forçou muito que nós, alunos, tivéssemos profundidade nos problemas antes de achar as soluções. A minha jornada como empreendedor segue exatamente a mesma regra”, afirma Yassine. “Eu sabia que não podia ter só uma ‘ideia boa’ e sair executando cegamente. No começo da minha jornada, para poder ter a profundidade no problema, eu fui vivenciar o dia a dia no comércio, entender de fato qual era a complexidade do problema que eu estava me propondo a resolver e quais eram as particularidades. Isso fez toda a diferença.”
No final de 2019, ele trabalhava em Investment Banking no Citibank. “Tinha muito forte a sensação de que eu estava em um lugar que não era para mim. Dado o momento, decidi começar a ficar mais próximo do dia a dia do meu pai para poder entender quais eram as principais dores do dia a dia dele e entender se existia alguma possibilidade de solução.”
Percebeu que seu pai perdia muito tempo abastecendo o estoque. “O comerciante, de maneira geral, perde muito tempo e acaba entrando no que a gente chama aqui de ‘ciclo vicioso de compra’. Como ele perde muito tempo fazendo todo esse processo, não tem tempo de procurar tendências de produtos, melhorar a loja, procurar novos fornecedores. E, além de tudo, por não ter um poder de barganha, ele acaba pagando um preço muito mais alto do que grandes redes.”
Como romper esse ciclo vicioso? O empreendedor pediu demissão e partiu em busca de desenvolver a resposta: uma solução que ligasse os fornecedores, de todos os cantos do Brasil, com os comerciantes do bairro e regiões periféricas. Para os fornecedores, a proposta de valor era ter capilaridade em regiões que eles não chegavam; para os comerciantes, economia de tempo, diversidade de produtos e preço a que não tinham acesso antes.
Para colocar em pé a iniciativa, Yassine consultou professores do Insper, como Marcelo Nakagawa. Também conversou com empreendedores experientes. “Falei com Paulo Veras, da 99, Patrick Sigrist, do Ifood, e quando falei com o Guilherme Bonifácio, que também era fundador do Ifood, ele me apresentou para dois amigos que estavam olhando para um benchmark da Índia que fazia exatamente a mesma coisa que eu queria fazer no Brasil.” Os dois, Guilherme Freire e Marcelo Loureiro, se tornaram seus sócios.
Em fevereiro de 2020, o trio escalou um grupo de estudantes do Insper para criar uma equipe de tecnologia. Tudo indicava que a iniciativa estava no caminho certo, com clientes definidos e hipóteses validadas. O lançamento oficial seria em março. E então veio a pandemia. “De repente, tudo aquilo que a gente estava trabalhando em cima há meses já não era mais dor de nenhum comércio. As lojas se fecharam por conta do lockdown, então, se ninguém vendia, ninguém comprava.”
De repente, os pequenos comerciantes, que sequer tinham e-mail e passaram décadas focados em comprar mercadorias ao melhor preço e trabalhar de sol a sol, se viram paralisados. A Dolado nasceu precisamente nesse cenário. “Começamos a ensinar os comerciantes com quem já estávamos em contato a se digitalizarem de uma maneira mais humana e 100% gratuita. A gente ensinava a tirar fotos, descrever e cadastrar produtos e compartilhar o catálogo digital criado com os clientes deles pelo WhatsApp”, conta Yassine.
A notícia se espalhou rápido. “Fizemos isso com meu pai, depois com o vizinho dele, que comentou com a prima, que pediu para fazer para o amigo, que jogou em algum grupo do Facebook, e o produto viralizou. De repente, estávamos criando catálogos digitais para o bairro inteiro e criando uma relação de confiança que só a Dolado tinha.”
O produto era gratuito e seus criadores se beneficiavam do contato diário com as dores dos comerciantes. Do convívio sugiram outras soluções customizadas, como a de otimização de compra de estoque. Em oito meses, já havia 5 mil empresários utilizando o catálogo digital. Em março de 2021, foi lançado o produto de otimização de compras. “Crescemos 19 vezes ao longo do ano em termos de receita e atingimos a marca de 20 mil comerciantes utilizando nossa plataforma”, relata o cofundador.
A Dolado já recebeu duas rodadas de investimento. À rodada seed, de R$ 11 milhões, seguiu-se uma rodada Série A de R$ 53 milhões liderada pelo fundo americano Valor Capital Group, com participação do Flourish (Grupo Omidyar Network), GFC, Clocktower Ventures, IDB e Endeavor.
“Somos a primeira startup investida do IDB Lab no Brasil, laboratório de inovação da maior fonte de financiamento para o desenvolvimento da América Latina e Caribe, o IDB”, relata o filho de imigrante que encontrou sua vocação na trajetória do pai e na formação para o empreendedorismo proporcionada pelo Insper.