Um estudo do Insper, encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça, traça um panorama e propõe soluções para esse desafio
Tiago Cordeiro
O contencioso administrativo e judicial brasileiro na esfera tributária corresponde a 5,4 trilhões de reais, o equivalente a 75% do PIB do país, de acordo com um relatório publicado pelo Insper em 2020. E um processo, segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), demora em média 18 anos e 11 meses para ser concluído.
Além disso, de acordo com o Tribunal de Contas da União, desde a publicação da Constituição de 1988 até o ano de 2019, foram editadas mais de 377 mil normas tributárias. Neste cenário tão desafiador, como reduzir o contencioso tributário?
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contratou o Insper para elaborar um estudo que entregasse um diagnóstico, assim como sugestões de soluções para o problema. O resultado desse esforço, “Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro”, foi tema do 1º Seminário do Observatório do Contencioso Tributário do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, realizado em maio.
“Embora a racionalização do contencioso seja uma tarefa árdua, as percepções dos especialistas nos ajudam a compreender os diversos problemas existentes, sob diferentes óticas”, diz Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação e dos cursos de Pós-Graduação e Educação Executiva em Direito da instituição. “Isso nos ajuda, enquanto pesquisadores, a buscar analisar esses problemas e produzir evidências para eventuais políticas públicas que busquem solucioná-los.”
A pesquisa apontou que as execuções fiscais representam 51% do estoque de processos tributários no Brasil, dos quais mais de 40% se referem a valores inferiores a 10 mil reais e apenas 1,1% foi extinta por ter o débito devidamente quitado.
A litigância acerca de tributos equivale em média a 57% do faturamento anual da operação brasileira de empresas transnacionais. Nos outros países em que essas mesmas companhias operam, a disputa tributária corresponde a 3,3% da receita. O contencioso no Brasil, para essas organizações, alcança 98,7% de toda a sua litigância, considerados todos os países em que elas atuam.
Com o objetivo de avaliar o cenário da forma mais precisa possível, os pesquisadores desenvolveram protocolos automatizados para avaliar 750 milhões de publicações em 5 milhões de processos. Também solicitaram dados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e realizara mais de cem entrevistas. O estudo analisou dados do CNJ, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, dos cinco Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça de 17 estados, entre 2011 e 2021.
O trabalho identificou que pode haver uma correlação entre o julgamento de recursos repetitivos e a redução de estoque de processos tributários nos tribunais superiores. Com a aceleração dos julgamentos repetitivos, iniciada em 2019, a quantidade de processos foi reduzida.
A falta de uniformização nas interpretações dos órgãos dos estados também gera contencioso. Os auditores fiscais ouvidos confirmam que realizam autuações com base em novas leis, mesmo antes de sua interpretação ter sido pacificada.
A relação tumultuada entre o Fisco e o contribuinte é outro fator que, caso seja aprimorada, poderia trazer benefícios: por intermédio da LAI, os pesquisadores descobriram que, de 16 órgãos, apenas três afirmam adotar transparência ativa quanto a atos preparatórios (como notas, estudos, pareceres internos sobre legalidade e constitucionalidade) das normas e atos tributários.
Os especialistas recomendam, além disso, a generalização de varas especializadas, o esclarecimento da competência administrativa para interpretar as leis tributárias, a criação de comissões de especialistas para revisar normas e, também, a ampliação de ferramentas de negociação com devedores do Fisco.
“É fundamental melhorar os procedimentos administrativos que o contribuinte possa utilizar em circunstâncias de falta de liquidez ou incertezas”, afirmou, durante o seminário no Insper, João Grognet, coordenador-geral de Estratégias de Recuperação de Créditos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
“Os principais objetivos devem ser aumentar a eficiência da cobrança da dívida ativa e aprimorar o controle da legalidade”, afirmou, por sua vez, o advogado Aristóteles Câmara, pesquisador da FGV Direito SP. Para ele, é crucial inovar na utilização da cobrança extrajudicial pelas fazendas públicas, estabelecer um filtro de viabilidade econômica para a proposta de acordo, colocando o Judiciário como último recurso, possibilitar ao devedor uma oferta antecipada de garantias e a reunião, em um único juízo, de ações antiexacionais e execuções fiscais, e aprimorar o sistema de garantias.
“O Congresso Nacional precisa estar cada vez mais próximo da academia, do setor privado, do setor produtivo — em outras palavras, do mundo real, para desenvolvermos leis que não gerem mais contenciosos”, afirmou o deputado federal Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados. “A falta e protocolos e de trabalho com dados gera prejuízos diretos ao bolso do consumidor”, disse, por fim, o presidente do Insper, Marcos Lisboa.
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