O apoio de associações de classe ajuda a barrar absurdos como a cloroquina contra a covid, diz Paulo Almeida, diretor do Instituto Questão de Ciência
Leandro Steiw
O mundo está caminhando para se tornar menos financiador público de pseudociência, tirando tratamentos sem eficácia comprovada do sistema público de saúde. Mas o Brasil vai no caminho oposto. A constatação é do diretor do Instituto Questão de Ciência (IQC), Paulo Almeida, que participou do webinar Políticas Públicas Afetando a Ciência, promovido pelo Insper no dia 13 de abril. Mestre em Psicologia e doutorando em Administração na Universidade de São Paulo, Almeida diz que a ideia não é proibir a adoção de terapias alternativas. “A conclusão a que se chegou é que não é o melhor uso de dinheiro público”, afirmou.
Mediado pelo engenheiro de produção Luiz Durão e pelo biólogo Paulo Amaral, professores do Insper, o evento discutiu o impacto das políticas públicas no processo de inovação e no combate à desinformação científica. Para Almeida, o combate ao negacionismo deveria testar intervenções que levem em conta questões menos óbvias que a desinformação. “O Brasil é um país que tem o hábito de se vacinar, algo que está muito arraigado na cultura do brasileiro”, disse Almeida. Faltaria um empurrãozinho na direção das boas práticas.
Ele citou o grupo de cientistas comportamentais montado pela Organização Mundial de Saúde no início da pandemia, coordenado pelo professor Cass Sunstein, um dos conselheiros do ex-presidente americano Barack Obama. Sunstein propõe o uso de incentivos nas políticas públicas que mudem o comportamento das pessoas sem interferir do poder de escolha individual. “Eles estão pensando no humano racional, em como as pessoas funcionam de verdade, facilitando a tomada de decisão ótima para a sociedade”, afirmou Almeida.
A solução imediata é contar com pessoas de confiança e autoridade, de preferência com formação científica, para a divulgação das políticas públicas — e não deixar esses colaboradores isolados durante os ataques. Outra forma, já experimentada pelo IQC durante a pandemia da covid-19, é apoiar-se em iniciativas com associações e sociedades científicas, inclusive judicialmente, como ocorreu na derrubada do protocolo da cloroquina via Supremo Tribunal Federal. “O IQC não tem autonomia para propor ações constitucionais dessa natureza, mas se juntou a um sindicato de pessoal da indústria farmacêutica que tem representatividade”, recordou Almeida.
Enfrentar o lobby da desinformação é difícil quando se lida com quem não tem muitos escrúpulos, ainda mais se o ódio é institucionalizado pela máquina de governo, alertou Almeida. Em campanhas bem-sucedidas do passado, como a da aids, havia o alinhamento de governos municipais, estaduais e federal e farta divulgação na mídia (principalmente na TV, de grande exposição de massa), além da inexistência da rede social para fazer o jogo contrário.
“O Brasil teve, durante muito tempo, uma ferramenta de conscientização de problemas sociais que era a novela das oito, que tratava de temas candentes da sociedade que precisavam ser apresentados à população”, comentou Almeida. “Talvez tenha faltado isso em algum momento. Abandonamos um pouco a ficção como ferramenta interessante de divulgação de respeito do cientista.”
Segundo o diretor do IQC, o ideal é profissionalizar gente que sabe fazer essa tradução de conhecimento, tanto para os políticos do Congresso — que influenciam as políticas públicas — quanto para a população em geral. É o chamado design instrucional: transformar e disponibilizar o conteúdo do ultraespecialista para o público que se deseja atingir, mantendo a informação palatável e com rigor científico. Almeida afirmou que, no Brasil, o habitual é escolher um pesquisador renomado e torná-lo um grande comunicador. Em parte, faz sentido. O viés é tirar tempo do acadêmico para a pesquisa e deixar o profissional que produz bem o conteúdo sem trabalho.