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Desmatamento, mudanças no uso da terra e as emissões brasileiras

Olhar para as oportunidades que a preservação da floresta em pé — em sintonia com a expansão agrícola sustentável — proporciona é fundamental

Olhar para as oportunidades que a preservação da floresta em pé — em sintonia com a expansão agrícola sustentável — proporciona é fundamental

Imagem de satélite do estado do Pará captada pela Nasa
Vista aérea do estado do Pará em imagem captada por satélite 

 

Camila Dias de Sá Niels Sondergaard

 

No último relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), os cientistas pontuaram que a temperatura média global se elevou em 1,1° Celsius desde o século XIX e descreveram a ligação entre a atividade humana e as mudanças climáticas como “inequívoca”.

Na COP26, conferência do clima realizada no ano passado em Glasgow, na Escócia, os líderes mundiais se comprometeram a manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. No entanto, estudos alertam que, com a manutenção dos atuais níveis de emissões, estamos em um caminho que poderá levar a um aumento médio de 3°C até o final do século, comprometendo seriamente o equilíbrio do planeta se nada for feito.

Globalmente, a maior fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) é a geração de energia, dada a ampla utilização de combustíveis fósseis. A segunda maior fonte de emissão é a atividade agropecuária, seguida por processos industriais, mudança no uso da terra/florestas e resíduos.

Gráfico Emissões por setores

 

O Brasil está na sexta posição entre os maiores emissores de GEE — com cerca de 5% das emissões globais —, atrás de China (36%), Estados Unidos (18%), Índia (11%) e Rússia (6%) e em nível muito próximo da participação da Indonésia (5%). Em 2020, emitiu 2,16 gigatoneladas de CO2 equivalente. Se por um lado o país tem uma matriz energética bastante limpa em emissões, baseada na geração de hidroeletricidade e no uso de biocombustíveis, por outro apresenta altas emissões geradas pela mudança no uso da terra e agropecuária (tema a ser aprofundado na parte 2 deste artigo).

 

 

Mudanças no uso da terra: o efeito do desmatamento

A maior fonte emissora brasileira, responsável por 46% do total em 2020, é a mudança no uso da terra, que se refere principalmente ao desmatamento. O desflorestamento da Amazônia responde por grande volume de emissão em virtude de as florestas tropicais conterem grande quantidade de carbono. A perda de cerrado também tem emissões significativas, sobretudo pelo carbono estocado no subsolo.

 

 

Entre 1988 e 2004, o desmatamento avançou com força sobre a Amazônia e chegou ao pico de quase 3 milhões de hectares em 1995. Nesse período, a área desmatada acumulada foi de 31,5 milhões de hectares, o correspondente à área da Polônia ou quase o tamanho do Maranhão. A partir de 2005, iniciou-se uma trajetória de queda, que perdurou até 2014. Ao longo de uma década, houve uma redução de 82% no desmatamento propiciada pela ênfase política, combinada com uma coordenação bem-sucedida entre atores públicos e privados. A partir de então, a taxa de desmatamento manteve-se estável até 2017/2018, quando voltou a crescer significativamente. Historicamente, a maior perda florestal ocorre nos estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia, e mais recentemente no Amazonas.

 

 

Ao longo do período registrado, Pará e Mato Grosso acumularam, respectivamente, uma área desmatada de 16,3 milhões (35%) e 15 milhões de hectares (32%). Mas o estado de Mato Grosso anotou também a mais expressiva queda na taxa de desmatamento e tem conseguido moderar a recente elevação graças a um conjunto de ações e iniciativas integradas de produção agropecuária, conservação ambiental e inclusão social (Estratégia PCI – Produzir, Conservar, Incluir), além de avanços na gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR).

O CAR é o registro público obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais da propriedade compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento.

O desmatamento é fruto, principalmente, da especulação de terras e da expansão agropecuária. A grilagem de terras devolutas — áreas registradas irregularmente como propriedade particular dentro de terras públicas — tem sido apontada em diversos estudos como o grande indutor de destruição da floresta nesses territórios.

De acordo com o Instituto de Pesquisas da Amazônia (Ipam), entre agosto de 2020 e julho de 2021, 28% do total desmatado ocorreu em áreas públicas não destinadas. Ao considerar outras áreas públicas (unidades de conservação e áreas de preservação ambiental) e terras indígenas, o índice chegou a 45%.

Ainda de acordo com a mesma fonte, existem na Amazônia mais de 50 milhões de hectares de florestas públicas (federais e estaduais) não destinadas, sendo que nos últimos 25 anos mais de 5% desse total foi desmatado. Além disso, cerca de 30% dessas áreas públicas estão registradas ilegalmente como propriedade privada no CAR. Ao avaliar o histórico do desmatamento, no período, nas áreas cadastradas, mais de 70% do desmatamento acumulado ocorreu em áreas com CAR, evidenciando a utilização desse instrumento para legitimar a propriedade da terra.

Embora o Código Florestal Brasileiro seja uma legislação moderna e das mais rigorosas do mundo, ainda enfrenta desafios em sua implementação. Análise e validação dos dados declarados no CAR e a implantação dos Programas de Regularização Ambiental (PRA), que diz respeito ao conjunto de ações que devem ser desenvolvidas por proprietários rurais para a adequação da regularização ambiental de seus imóveis, são ações prioritárias.

Mas também há alternativas que podem induzir resultados positivos a partir de incentivos econômicos. Os pagamentos por serviços ambientais (PSA), por exemplo, constituem modalidade que valoriza os serviços ecossistêmicos proporcionados pela floresta em pé, como regulação do ciclo da água, qualidade do ar e preservação de biodiversidade, entre muitos outros. Já a precificação de carbono, especialmente depois da COP26, que reconheceu as soluções baseadas na natureza como tendo um papel crítico para o controle das mudanças climáticas, adquire um papel cada vez mais estratégico.

Dada a abundância de florestas, o potencial de restauração de pastagens e o desenvolvimento de práticas agrícolas sustentáveis que recolhem o carbono da atmosfera e armazenam no solo e na biomassa das plantas, o potencial brasileiro tanto do PSA como do mercado de carbono é imenso, mas requer responsabilidade com a contenção do desmatamento. Olhar para as oportunidades que a preservação da floresta em pé — em sintonia com a expansão agrícola via intensificação sustentável — proporciona é fundamental.

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