Essa é a ideia do aluno Pedro Paulo Mendonça Telho, autor de um projeto que propõe aprimorar a auditabilidade do voto e possibilitar a fiscalização dos candidatos eleitos
Tiago Cordeiro
Os índices de abstenção nas eleições têm aumentado ao longo da última década. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral, desde 2011, o total de títulos cancelados se mantém acima de 1,3 milhão, chegando perto de 2,5 milhões em 2019. Sinal de que uma parcela expressiva dos cidadãos e das cidadãs não está satisfeita com o processo de escolha das lideranças do país. A tecnologia pode apresentar uma contribuição importante para resolver esse problema.
Surgida em 2008 para garantir a confiabilidade das transações em bitcoins, a tecnologia da blockchain permite desenvolver contratos inteligentes. São aplicações em forma de código que, quando lançadas à rede, se tornam imutáveis e invioláveis. As partes envolvidas interagem de forma direta e as respectivas recompensas só são atribuídas após o cumprimento das cláusulas estabelecidas no contrato. E os dados de transação ficam expostos em um livro-razão conhecido como ledger, que garante um modelo de auditabilidade simples e automatizado.
Essas características permitem, por exemplo, fortalecer ainda mais a auditabilidade do voto. A técnica já foi aplicada em pelo menos dois países: Serra Leoa e Estados Unidos. No primeiro caso, a startup suíça Agora contou, com sucesso, os votos de um pequeno em Freetown, a capital do país. Já os americanos utilizaram o sistema em uma eleição federal no estado da Virgínia Ocidental — militares que não puderam comparecer à seção eleitoral votaram por smartphone.
No caso do Brasil, a blockchain poderia se somar ao sistema de contagem de votos das urnas eletrônicas. Essa foi a proposta apresentada em 2020 por um aluno do Insper, Pedro Paulo Mendonça Telho. Ele, que hoje tem 21 anos e está no 9º semestre do curso de Engenharia de Computação, foi além: além de propor uma nova camada de segurança para a votação, o aluno sugeriu que os candidatos firmem contratos inteligentes relacionados às suas promessas de campanha. Assim, os eleitores e os órgãos de controle poderiam acompanhar de perto, de forma ágil e transparente, se os eleitos agem de acordo com seus compromissos públicos.
“O que me fez chegar ao tema foi uma conversa que tive com meu pai em Goiânia”, relata o estudante, que nasceu na capital de Goiás e é bolsista do Insper. “Sempre tive vontade de mudar de país, por não concordar em como a política é tratada no Brasil.”
O pai respondeu a ele: “Como você pode criticar seu país se, na primeira oportunidade, em vez de fazer algo por ele, vai embora?”. Foi então que Pedro se dispôs a buscar soluções para contribuir. Ele, que a princípio passou no vestibular para Engenharia Mecânica no Insper, descobriu sua vocação na disciplina Ciência de Dados.
“Simplesmente me apaixonei pelo conteúdo e pela programação, que, aliás, era um grande desafio pra mim!”, conta. “Fui evoluindo e, durante muitas conversas com o professor Raul Ikeda, vi que eu gostava mesmo era de Engenharia de Computação. Fiz o processo de transferência e, a partir dali, tudo ficou mais divertido ainda.”
O passo seguinte foi conhecer a tecnologia da blockchain. “Entrei para a liga acadêmica Blockchain Insper no segundo semestre de 2018. Foi lá que conheci pessoas incríveis e determinadas a transmitir conhecimento entre os membros. Imagine a quantidade de soluções que podem ser criadas para trazer segurança e integridade às pessoas que utilizam essa tecnologia?”
Criada em setembro de 2017, a Blockchain Insper é a primeira organização estudantil da América Latina focada em estudo de tecnologias blockchain. Derivada de uma iniciativa universitária, que reúne estudantes de Administração, Economia, Engenharias e Direito, a entidade se dedica a três áreas de estudo: negócios, finanças e tecnologia.
Inspirado pela conversa com o pai e pelo convívio com o professor Ikeda e com a Blockchain Insper, Pedro solicitou uma bolsa ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Conseguiu. E começou então a trabalhar no projeto “Blockchain e eleições: fortalecimento democrático”.
“Comecei a bolar uma solução utilizando smart contracts para a realização das eleições”, descreve o estudante. “As eleições continuariam da mesma forma, ainda teríamos as seções eleitorais. Porém, elas contariam com um sistema totalmente diferente integrado às urnas eletrônicas. O TSE registraria na blockchain um grande contrato que interagiria com contratos individuais de cada candidato.”
Sobre o controle do desempenho dos candidatos, seriam estabelecidas métricas factíveis alinhadas ao plano de governo de cada um deles. Alcançar os resultados prometidos poderia acarretar possíveis punições ou bonificações. “Estariam descritas as propostas de governo de cada candidato. Então, ao votar em um político, estaria sendo firmado um contrato entre candidato e eleitor. As propostas poderiam ser auditadas não só pelo povo, mas por outros órgãos de fiscalização que exercem influência nesse processo”, relata o aluno.
A rotina no Insper já colocou o estudante para trabalhar em banco de investimento, healthtech e outras startups, tudo isso antes de completar a graduação. “O Insper me passou e vem passando bastante conhecimento, o que está garantindo boas propostas profissionais e um futuro, aparentemente, promissor”, diz Pedro.
Neste momento, o aluno mora em Portugal, onde desenvolve um programa de mobilidade na Universidade do Porto. “É minha primeira experiência no exterior. Lembra aquela conversa com o meu pai sobre sair do Brasil? Minha cabeça mudou completamente. Nós moramos em um país incrível e não vejo a hora de voltar ao Brasil.”
O código de blockchain desenvolvido pelo estudante está disponível neste link.
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