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Aumenta a pressão internacional contra o desmatamento

A Europa dá mais um passo rumo a uma legislação para evitar a importação de produtos ligados à degradação ambiental
A Europa dá mais um passo rumo a uma legislação para evitar a importação de produtos ligados à degradação ambiental

  

Renato Cintra Camargo, assistente de pesquisa do Insper Agro Global

Camila Dias de Sá, pesquisadora do Insper Agro Global

 

No último dia 6 de dezembro, o Conselho e o Parlamento Europeu entraram em acordo sobre o texto da legislação que estabelece regras obrigatórias de diligência devida (due diligence, em inglês) para importadores de commodities associadas ao desmatamento e à degradação florestal. Cenas dos próximos capítulos ainda são aguardadas, uma vez que foram publicados apenas um comunicado à imprensa e o esboço da regulamentação com algumas modificações em relação à versão anterior (já analisada pelo Insper Agro Global). Ao que tudo indica deve ser aprovada uma lei que traz exigências que vão além da legislação brasileira. Vamos aos detalhes:

As cadeias de produtos incluídas no acordo são as da soja, óleo de palma, carne bovina, café, cacau, madeira e borracha, bem como produtos derivados (como couro, móveis ou chocolate). Houve alteração do texto prévio em pontos como a data limite (cutoff date, em inglês) para desmatamento, que passou de 31/12/2019 para 31/12/2020, e os biomas abrangidos pela regulação. A versão atual promete englobar a Amazônia e a Mata Atlântica, deixando de fora, nesse primeiro momento, o Cerrado brasileiro. A Comissão propõe uma análise progressiva das commodities abrangidas a cada dois anos, assim como a revisão dos biomas de forma a adaptar-se às mudanças nos padrões de desmatamento.

A União Europeia demandará que os importadores coletem as coordenadas geográficas dos polígonos produtivos para verificação da conformidade aos padrões exigidos, assim como administrará um sistema de classificação de risco dos países ou regiões com obrigações específicas atreladas ao nível categorizado. Uma vez formalizada a lei, grandes e médias empresas terão 18 meses de adaptação, enquanto micro e pequenas terão 24 meses. O não cumprimento das regras levará a sanções, proporcionais ao dano e dissuasivas, no máximo de 4% do faturamento total da empresa na UE.

O anúncio foi divulgado após a COP27 do Clima e na véspera da COP15 de Biodiversidade (6 a 19 de dezembro), como um sinal de comprometimento com as negociações em curso. No entanto, a Conferência, que tem a ambição de estabelecer o Marco Global da Biodiversidade, sofre com uma flagrante dificuldade de ampliar o financiamento, levando os países em desenvolvimento a acusar os países desenvolvidos de exigirem metas ambiciosas de preservação, mas com pouca vontade política para desembolsar recursos para a transição. Assim, evidencia-se cada vez mais a importância do envolvimento efetivo do setor privado, do mercado financeiro e de outros atores que contribuam e desencadeiem a implementação das ações.

Em paralelo a este cenário internacional movimentado, e após uma sequência de anos consecutivos de aumento no desmatamento da Amazônia, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou uma redução estimada de 11,3% no período de 1° de agosto de 2021 a 31 de julho de 2022, em relação à taxa de desmatamento consolidada no período anterior 2020/2021, para os nove estados da Amazônia Legal (Tabela 1).

 

Tabela 1: Desmatamento na Amazônia Legal

Após três anos sem variações relativas negativas, é de se comemorar o conjunto de esforços em nível subnacional para o combate ao desmatamento, apesar de ainda alto — mais que o dobro — em comparação com o patamar de 457.100 hectares em 2012. A quebra na tendência de alta (Figura 1) é algo observável em todos os estados, com exceção do Amazonas, que registrou um aumento de 13% em relação ao período anterior. Iniciativas locais, como a estratégia Produzir, Conservar e Incluir no Mato Grosso (PCI-MT), que lança um olhar jurisdicional de paisagem sobre o estado, além da boa gestão da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR), têm conseguido manter relativo controle na taxa de desmatamento. Para o governo mato-grossense, o resultado positivo indica que a política de tolerância zero com o desmate ilegal, somada aos investimentos na fiscalização, na eficiência do licenciamento ambiental e no monitoramento por satélite, tem surtido efeito, colocando o estado como principal produtor de commodities do país ao mesmo tempo que mantém mais da metade do seu território preservado.

 

 

Apesar de a União Europeia estar a caminho de aprovar uma lei com rigor sem precedentes, ainda foi alvo de críticas. Por um lado, alega-se que os direitos dos povos originários que vivem em áreas florestais são apenas parcialmente protegidos pela nova legislação, e o fato de outros ecossistemas não estarem incluídos gera uma pressão pelo desmate de outras áreas arborizadas, como o Cerrado brasileiro. Além disso, a legislação, por enquanto, não englobará as instituições financeiras, possibilidade debatida há mais de um ano. A ideia é que os bancos europeus fossem incluídos na legislação de modo a não financiar clientes e operações que estivessem associados ao desmatamento ou à degradação florestal. Do outro lado, surgiram críticas à não inclusão de incentivos ou compensações para quem tenha licença ou permissão para a supressão e opte pelo esforço de manter a floresta em pé. Esse tema sempre foi uma demanda do setor produtivo brasileiro e deve voltar à pauta uma vez que a redação do texto do acordo é vaga sobre o reconhecimento do desmatamento legal, de acordo com o CAR e a adequação ao Código Florestal.

Na análise anterior sobre a legislação de due diligence — publicada na Newsletter n.17 — já foram ponderadas as implicações e os desafios da nova regulamentação. Reforçamos aqui alguns deles. Será possível rastrear, dentro do tempo de adaptação, a cadeia produtiva de fornecedores diretos e indiretos desde o polígono de produção até o importador? Quem pagará pelo aumento de custo relacionado ao processo de gerenciar uma informação consistente ao longo da cadeia?

Diante do cenário exposto, cabe ao Brasil articular uma ação coordenada para reduzir o risco ambiental de sua pauta exportadora. Conferir agilidade à implementação do Código Florestal, como ferramenta de rastreabilidade, deve ser encarado como uma estratégia concreta e robusta de demonstração de compliance frente às demandas internacionais. A regularização fundiária também é vital, uma vez que a falta de segurança jurídica e de garantia dos direitos de propriedade sobre uma parte substancial do território brasileiro é forte indutor do desmatamento. Propostas para desburocratizar a governança de terras, desde que atenda somente às ocupações legítimas, são críticas para dar robustez ao processo. Progressivamente, somam-se estratégias que, aliadas ao pragmatismo para implementação, possam demonstrar o papel da agropecuária na conservação da vegetação nativa e na agregação de valores de sustentabilidade como elemento principal de diferenciação da imagem do agro brasileiro no exterior.

 

Quadro regulação

 

 

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