A grave crise na Meta levou à percepção de que o metaverso acabou antes de começar. Não é bem assim
David Cohen
Quando Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook passaria a se chamar Meta, no final de outubro de 2021, a companhia que ele fundou e dirige valia pouco mais de 900 bilhões de dólares. Suas ações já haviam se desvalorizado cerca de 10% em relação ao pico de 1,07 trilhão de dólares de agosto daquele ano, mas a expectativa era que a onda da realidade virtual desse um novo impulso ao gigante de tecnologia.
Antes da realidade virtual, porém, veio o choque de realidade financeira. Nos 12 meses que se seguiram, a Meta perdeu quase três quartos de seu valor de mercado — no início de novembro, o conjunto de suas ações somava menos de 250 bilhões de dólares.
Esse declínio levou Zuckerberg a anunciar, na segunda semana de novembro, a primeira demissão coletiva da história da empresa: mais de 11.000 funcionários, cerca de 13% de sua força de trabalho, foi dispensada. O encolhimento da empresa disseminou a opinião de que a Meta está com problemas sérios para cumprir suas metas e que toda essa história de web 3.0, aquela que uniria os mundos real e virtual, acabou antes mesmo de começar.
“É uma percepção errada”, diz Luciano Soares, professor de engenharia e coordenador do laboratório de Realidade Virtual e Jogos Digitais do Insper. “A imersão no mundo virtual é um caminho inexorável.”
Não é que não haja uma crise. Ao assumir um nome tão ligado ao metaverso, a Meta pretendeu se tornar um símbolo da evolução da internet. Fez investimentos bilionários e animou diversas companhias a lançarem ou amplificarem seus esforços rumo a essa tecnologia. A falta de resultados até agora é uma ducha de água fria. “Mas ela não é a única empresa trabalhando nisso. O resto da indústria continua andando”, afirma Soares.
A alimentar esta sensação de desmoronamento do metaverso há a crise das criptomoedas. Além do mundo dos videogames, um dos primeiros campos em que a realidade virtual se espraiou foi o mercado de NFTs, os ativos não fungíveis — bens como certificados de propriedade de obras de arte virtuais. Como se baseia em blockchain (a tecnologia que garante a transmissão de valores no mercado das criptomoedas), o mundo das NFTs foi abalado pelo baque que esse mercado sofreu nos últimos meses.
“Há muita confusão sobre o que é o metaverso”, diz Soares. “Muitos influenciadores digitais identificam o movimento da maneira que interessa para eles — que é a NFT. Muita gente andou ganhando dinheiro com isso.”
Mas a NFT é apenas uma parte, talvez pequena, do que se supõe será o metaverso. De forma mais abrangente, o metaverso pode ser definido não necessariamente como um mundo virtual em três dimensões, e sim como uma transformação para uma relação mais próxima entre as nossas identidades física e virtual. Trata-se de um processo que tornará nossa experiência virtual mais imersa, mais simultânea às vivências físicas.
De certa forma, já vivemos isso… com os telefones celulares. Como escreveu Alex Herrity, cofundador da Anima, uma empresa de programas de realidade aumentada: “O metaverso não é uma tecnologia específica, e sim uma era na qual nós temos uma percepção alterada do papel da tecnologia em nossas vidas”.
Não são poucos os sinais de que nós caminhamos para essa imersão mais aprofundada do metaverso. Enquetes divulgadas pela comunidade de escritores, ativistas e acadêmicos Global Voices apontam que cerca de um quarto dos jovens estão atentos ao metaverso e se dizem dispostos a fazer compras nele; cerca de 20% já fizeram compras em lojas virtuais e uma porcentagem parecida diz que compraria produtos em um game online. Quase metade dos chineses com menos de 35 anos já usou o metaverso para descobrir produtos e metade dos indianos nessa mesma faixa etária já fez compras em uma loja virtual.
O que não está caminhando de acordo com o esperado é o metaverso da Meta. Como afirmou Farhad Manjoo, colunista do jornal The New York Times especializado em tecnologia, “cada canto do metaverso da Meta cheira a um arrepiante abandono”.
Paul Tassi, jornalista que escreve sobre games e filmes para a revista Forbes, é ainda mais contundente: “Horizon Workrooms e Horizon Worlds, os aplicativos centrais do metaverso para negócios e lazer da Meta, são terrivelmente feios, minimamente funcionais e servem, na melhor das hipóteses, como campo para desajeitadas interações sociais com estranhos, e na pior como lugares de assédio moral”.
É um desempenho para lá de decepcionante, considerando que a empresa começou a investir em realidade virtual há mais de oito anos, desde que o Facebook comprou a empresa Oculus, em 2014, e nos últimos três tornou essa área sua prioridade a ponto de mudar sua estrutura a fim de apoiá-la.
Só no último trimestre a Meta gastou quase 4 bilhões de dólares em seu Reality Labs, a divisão devotada ao metaverso. No ano, até novembro, foram mais de 10 bilhões de dólares aplicados ali, a caminho de ultrapassar os 12 bilhões de dólares de gastos relacionados ao metaverso do ano passado.
Apesar de toda essa injeção de recursos, uma reportagem do jornal The Wall Street Journal afirmou que as expectativas para a Horizon Worlds tiveram que ser recalibradas: a Meta esperava ter 500 mil usuários ativos até o final deste ano, e tem hoje menos de 200 mil.
“A gente não tem como saber se o objetivo da Meta não era mesmo fazer barulho, para fincar o pé como protagonista principal do metaverso”, diz Soares, do Insper. “Mas parece que houve um erro de cálculo, o Zuckerberg esperava um avanço mais rápido.”
Mesmo assim, ainda não dá para dizer que a aposta da Meta no metaverso esteja errada. “Os atuais problemas da empresa são muito mais um reflexo do seu negócio original do que da nova estratégia”, afirma Louis Rosenberg, um pioneiro com mais de 300 patentes relacionadas à realidade virtual e à realidade aumentada, em artigo na plataforma de tecnologia Venture Beat.
De fato, não faltam problemas no negócio original da Meta, concentrado nas divisões Facebook, Whatsapp e Instagram. Ponha nesta conta um declínio da atividade econômica no mundo inteiro, que levou a uma queda na publicidade digital, sua maior fonte de receita. Acrescente o surgimento de novos competidores, em especial o TikTok, que capturaram uma significativa fatia da audiência, em especial entre os mais jovens.
Inclua também as mudanças introduzidas pela Apple e replicadas pela Alphabet, exigindo que os usuários de seus celulares deem permissão aos aplicativos para monitorar sua atividade em outros apps e sites. Espreitar essas atividades está no cerne do modelo de negócios da Meta, que usa as informações dos usuários para segmentar o público e vender anúncios de forma mais eficiente — a nova política da Apple e em seguida da Alphabet pode custar à Meta mais de 10 bilhões de dólares em receita publicitária perdida só este ano.
Nesse contexto, os investidores se mostraram mais irritados e muito menos dispostos a aceitar os investimentos bilionários no metaverso. Para tentar acalmá-los, Zuckerberg declarou no final de novembro, na conferência de negócios DealBook Summit, do New York Times, que os gastos com a Reality Labs representam apenas 20% do total de investimentos da companhia. Ele atribuiu a demissão dos 11.000 funcionários ao erro (dele próprio) de ter contratado gente demais e não ter percebido os sinais de mudança na economia.
Aparentemente, o baque da empresa vai afetar pouco a aposta no metaverso. Segundo fontes internas citadas em reportagens de jornais americanos, Zuckerberg teria poupado dos cortes as equipes ligadas à área.
Está se tornando mais evidente, porém, que o metaverso não se restringe à Meta. Muitas companhias grandes — Microsoft, Apple e outras — estão investindo no mercado de realidade aumentada (RA) e realidade virtual (RV). Esta é uma das razões pelas quais Rosenberg não acredita que “o inverno esteja chegando” para o setor.
“Digo isso como alguém que passou pelo mais longo dos invernos”, escreveu em seu artigo na Venture Beat. “Em 1995 a indústria estava pegando fogo, num nível de entusiasmo similar ao do início de 2022. E aí veio a crise das empresas ponto-com, que sugou todo o ar virtual das salas virtuais. Durante uma década, você não podia falar as palavras ‘realidade virtual’ para a maioria dos investidores.”
Agora, no entanto, ele afirma que a situação é diferente. Os espaços virtuais estão ficando mais naturais e realistas. “A tecnologia ainda tem que evoluir muito”, diz Soares, do Insper. “Mas já evoluiu demais. Há 20 anos, o campo de visão dos óculos de RV não passava de 20º, o contraste era ruim, o aparelho dava enjoo. Tudo isso deu um salto. A resolução de imagens, por exemplo, era de 200 pontos por 200 pontos. Hoje, são 2.000 na horizontal e 2.000 na vertical — uma densidade de pixels 100 vezes maior.”
Projetando uma evolução tecnológica desse porte, Rosenberg prevê que no início dos anos 2030 o metaverso terá se tornado uma parte central de nossas vidas. Mas ele talvez não seja o metaverso preconizado pela Meta. “O verdadeiro metaverso — aquele que vai transformar as nossas vidas — será baseado na realidade aumentada, que nos permitirá vivenciar o mundo real incrementado com conteúdo virtual imersivo. Esta é, de longe, a maneira mais natural de trazer o mundo digital para nossas vidas.”
Por esse simples motivo, diz ele, o metaverso é inevitável.