Próxima atração do Insper Cineclube, no dia 21 de novembro, a distopia marca a estreia na direção do ator Lázaro Ramos e discute temas como identidade, racismo e afetividade
Leandro Steiw
O filme Medida Provisória apresenta um Brasil distópico onde pessoas negras — ou “cidadãos de melanina acentuada”, como dizem as autoridades — são expatriadas e enviadas para a África, não sem antes ser submetidas à violência das forças do Estado. Distopias desenham futuros de opressão, frequentemente baseados nos conhecimentos do presente. Estreia na direção do ator Lázaro Ramos, o filme chegou a ser boicotado pela Agência Nacional de Cinema, que levou mais de um ano para liberar a exibição nas salas nacionais. Assista à sessão do Insper Cineclube, no dia 21 de novembro, às 18h, e entenda por quê.
Lázaro Ramos disse que a ideia do filme era conversar sobre o projeto de nação que queremos. Também reconheceu, posteriormente, que se chocava com o fato de Medida Provisória não ser mais uma distopia, por causa das violências e do silenciamento que já aconteciam em 2022. O texto original do escritor Aldri Anunciação, para o teatro, é de 2011. A adaptação do roteiro para o cinema começou em 2015, até chegar à versão final de Lusa Silvestre, Lázaro Ramos, Aldri Anunciação e Elísio Lopes Jr.
O futuro do Brasil era um tanto mais promissor no período em que nasceu a história de Namíbia, Não!, que rendeu a Anunciação o Prêmio Jabuti de livro juvenil em 2013. A primeira representação foi no teatro, também dirigida por Lázaro, e que foi assistida por 400.000 pessoas em quatro anos de turnê pelo país. A peça tinha apenas dois atores em cena, acompanhados pelas vozes das demais personagens.
Para o cinema, a ideia passou a ser outra, escreveu Lázaro em Medida Provisória: Diário do Diretor: “A personagem feminina, por exemplo, gritava para estar presente na tela. E eram gritos que precisavam ser escutados. Aquela peça, que no início se aproximava do teatro do absurdo, começou a ter semelhanças estranhíssimas com o nosso dia a dia em um país rachado. O texto foi ganhando mais relevância e atualidade”.
Em busca de uma linguagem diferente para falar de temas como identidade, racismo e afetividade, Lázaro diz no livro que contratou a antropóloga Aline Maia Nascimento como pesquisadora de conteúdo. “A pesquisa de Aline nos alimentou e informou, embasando nossas discussões e nos ajudando a fugir de ciladas narrativas, com alertas para o que a população negra já não queria mais ver no audiovisual como características suas”, contou.
Filmes como Moonlight: Sob a Luz do Luar e Se a Rua Beale Falasse, do diretor Barry Jenkins, e a série Breaking Bad, criação de Vince Gilligan, inspiraram soluções técnicas e estéticas. Lázaro relata que Black Mirror e O Conto da Aia eram séries de TV que, na época, já exploravam histórias distópicas, mas não tratavam de questões específicas de pessoas negras. Daí vem parte do diferencial de Medida Provisória.
Embora houvesse a intenção de passar alguma comicidade, principalmente nas aparições do jornalista André (Seu Jorge), a tensão prevalece nos 90 minutos de ação. Os protagonistas são o advogado Antônio e a médica Capitu (Alfred Enoch e Taís Araújo), separados durante a perseguição racial, mas o drama do casal se dispersa para os conflitos entre funcionários do governo e resistentes do Afrobunker. Em certo momento, André questiona: “Como é que a gente riu disso?”. É uma frase-chave do que vem pela frente.
O filme levou meio milhão de pessoas aos cinemas, sendo 100.000 espectadores somente na primeira semana de exibição em 188 salas pelo país. Com o sucesso iminente, na semana seguinte passou para 330 salas e conquistou outros 140.000 espectadores. Em junho, um mês depois da estreia, começou carreira nas plataformas de streaming.
O filme empregou 850 pessoas negras nas diversas fases de produção, nos bastidores e à frente das câmeras.
Integrantes do governo Bolsonaro chamaram um boicote ao longa-metragem, alegando que a história era uma crítica ao presidente. Não funcionou, vide o sucesso de público.
Medida Provisória reuniu, pela primeira vez nas telas, os atores William Russell e Alfred Enoch, pai e filho na vida real.
O primeiro longa-metragem de Lázaro Ramos marcou a estreia do rapper Emicida como ator no cinema.
O número da medida provisória que autoriza a perseguição às pessoas negras – 1888 – é uma referência direta ao ano de assinatura da chamada Lei Áurea, que aboliu, no papel, a escravidão no Brasil.