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Existem limites para a liberdade de expressão?

Qual seria o limite que separa o que é aceitável daquilo que é repugnante?

Qual seria o limite que separa o que é aceitável daquilo que é repugnante?

 

Luis Guilherme Silveira de Oliveira

 

Mesmo que muitos acreditem que a liberdade de expressão deva ter um limite, o filme O Povo contra Larry Flynt, de 1996, nos faz questionar essa opinião. O filme apresenta o caso real de um julgamento que ocorreu com o empresário Larry Flynt, no qual o povo americano se revolta contra a revista pornográfica Hustler, criada por ele. A grande questão aqui é qual seria o limite que separa o que é aceitável daquilo que é repugnante? Até onde o indivíduo deve ter o direito de expressar sua opinião, por mais desprezível que ela seja?

Antes de qualquer coisa, assumamos como base a falibilidade do ser humano: de acordo com o filósofo britânico do século XIX John Stuart Mill, “nunca podemos ter certeza de que a opinião que tentamos sufocar é falsa”. De fato, seres humanos são falhos e constantemente aprendem com erros passados; estão sempre surgindo “novas verdades” que refutam as teses antes consideradas verdadeiras. Mas isso só é possível porque aquelas tiveram a chance de ser expressas, e estas, desafiadas.

Apesar de uma revista pornográfica, consensualmente, não dever ser exposta em lugares de fácil acesso para crianças, por exemplo, não existe um dono da verdade absoluta que tem o poder de definir o que é certo e errado. Nesse sentido, qual seria, então, o critério usado para separar o que deve ser censurado ou não? É justamente por não existir um que o “erro” deve ser permitido: de acordo com Mill, se a opinião a ser censurada estiver certa, “os indivíduos são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade”, e se estiver errada, eles “perdem a percepção mais clara e vívida da verdade, produzida pela sua colisão com o erro”, ou seja, a sociedade cai na mediocridade, no sentido de que haverá pouco compromisso com os fundamentos racionais da verdade.

No filme citado anteriormente, há um momento em que o personagem principal, Larry Flynt, diz publicamente que é importante que o seu direito à liberdade de expressão seja defendido, pois se ele — que é considerado pelo povo como o “pior” da sociedade — tem esse direito, todo o resto também terá. Afinal, se a sociedade estabelece que em um caso alguém passou dos limites da liberdade de expressão, abrem-se portas para que outros limites, em casos cada vez mais “leves”, sejam definidos. Dessa forma, eventualmente será impossível que haja uma colisão entre novas ideias e os preconceitos arraigados na sociedade.

A fim de chegar cada vez mais próximo da verdade, o conhecimento de qualquer contexto deve ser posto à prova, inclusive no caso em que a opinião dominante constitua a verdade por inteiro, pois, uma vez que ela é tida como uma doutrina pelos que a aceitam, não existe um incentivo para que eles busquem compreensão sobre os fundamentos dessa opinião. Por outro lado, se ela ainda não constitui a verdade por inteiro, a única forma de aproximar as duas é pelo desafio decorrente de novas ideias, possivelmente erradas. No caso do filme, o Estado garantindo a liberdade de Larry Flynt incentiva as pessoas que são contra e a favor a ele a fundamentarem melhor os seus argumentos, visto que ambas as partes continuarão a argumentar entre si.

Portanto, se não for dada ao indivíduo a possibilidade de errar, será cada vez mais comum que as novas ideias permaneçam ocultas, o que acarretaria num grande prejuízo historicamente falando, visto que muitas grandes ideias surgem a partir do risco. Então, o direito à liberdade de expressão deve ser garantido a todos, como foi para Flynt, por mais desprezível que seja a ideia defendida. O encontro entre as duas partes leva a humanidade sempre um pouco mais próxima da verdade, e de acordo com Mill, “esta é a verdadeira moralidade da discussão pública”.


FONTES CONSULTADAS

MILL, John Stuart. Sobre a liberdade / John Stuart Mill; tradução Pedro Madeira. Edição especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.

O Povo contra Larry Flynt. Direção: Miloš Forman. Produção: Oliver Stone. 1996.

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