O professor Victor Barbosa Félix mostra como educação, empatia e inclusão abrem oportunidades para as populações mais vulneráveis
Leandro Steiw
Um mundo sustentável passa pela redução de todos os tipos de violência. Esse é um dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas, que incluem a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas. A ONU instituiu também, em 2007, o Dia Internacional da Não Violência, celebrado em 2 de outubro de cada ano para coincidir com a data de nascimento do pacifista indiano Mahatma Gandhi (1869-1948).
A história do professor Victor Barbosa Félix, da Engenharia Mecânica do Insper, mostra como a rejeição à violência pode ser uma escolha — a mais correta, evidentemente. “Hoje temos muito esta discussão: arma ou livro?”, diz Félix. “Eu nasci e cresci em uma região violenta da periferia de São Paulo, onde vivenciei certas situações e tive que optar, entre outros, por um desses caminhos.”
Félix fez o ensino técnico no Senai, onde estudava em tempo integral. Não foi por acaso. A estratégia da mãe era que o filho não ficasse na rua, vulnerável à violência, quando voltasse da escola. “Com o ensino técnico, os meus pais acreditavam que eu teria uma profissão para trabalhar, mas o mais importante era me manter o dia inteiro na escola”, afirma. O deslocamento de ônibus pelos cerca de 30 quilômetros que separam Guaianases do Centro da capital tomavam o resto das horas.
Doutor em Engenharia Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Félix graduou-se pela Universidade Cruzeiro do Sul em 2004. Também havia um motivo na escolha. Era a instituição de ensino que ficava mais perto de casa; logo, com menor custo de transporte público, uma condição importante para seguir os estudos. Mas à qual se afeiçoou tanto que, formado, passou a trabalhar na universidade. Atualmente, é professor e coordenador dos cursos de Engenharia Mecânica e Mecatrônica do grupo Cruzeiro do Sul, atenção dividida com as aulas no Insper.
Do final da graduação à conclusão do doutorado, em 2019, dedicou mais 15 anos. “Fiz o mestrado e o doutorado trabalhando, já com família”, diz Félix. “Dei sorte de ter um orientador que foi um divisor de águas, que percebeu as dificuldades que eu tinha. Ele entendeu que eu precisava trabalhar e que não dava para me sustentar com bolsa, então sempre me ajudou muito. Eu sabia que ele estava me dando oportunidades, mesmo quando me puxava a orelha.”
E as chances fazem a diferença para quem mora em uma região com baixa escolaridade superior: só 8% da população da Zona Leste 2, onde se localiza Guaianases, têm diploma de graduação, a menor da capital, segundo o estudo “Trajetórias Ocupacionais”, da Fundação Seade. “Construir uma carreira não é algo que acontece naturalmente”, afirma Félix. “Existe o seu esforço, claro, mas também tem um pouco de sorte e oportunidades, de não desistir no primeiro revés, de encontrar empatia.”
Em condições de vulnerabilidade, a educação não pode ser responsabilidade só da família, na opinião de Félix. “Para a pessoa que vive na favela, às vezes a salvação é a escola”, diz o professor. “Eu enxergava isso na periferia. Tenho amigos que estudaram comigo em escola pública em área violenta. A mãe e o pai, muitas vezes, não tiveram formação, e você está sujeito a seguir o mesmo caminho. Na escola, a criança pode ter a oportunidade de aprender com algum professor e se interessar por algo mais.”
Félix relata a sua experiência: “Eu sempre gostei da área de matemática e física, mas na escola pública eu nunca tive de forma satisfatória. Os professores faltavam muito. No Senai, precisei aprender, porque era um ensino mais rígido. Hoje, com os cursos que fiz na área da Pedagogia, vejo que existem outra formas de educação, que aquele modelo precisaria evoluir, porque a sociedade é outra. Mas, naquele momento, aquilo me serviu. Porque não se esperava muitas coisas na época. Você não tinha acesso à informação. E a escola me deu essa força”.
A inclusão representa um passo importante para combater a violência, principalmente porque os investimentos públicos demoram a chegar à periferia. “A realidade é muito complexa”, afirma. “Mora-se numa região onde as pessoas tem um poder aquisitivo muito baixo. É difícil essa violência não se generalizar. Queira ou não, você acaba sendo vítima. Fui assaltado várias vezes no caminho de casa. Para resolver, você precisa melhorar o meio, dando perspectiva de vida e oportunidades para as pessoas.”
Na Comissão de Diversidade, Equidade e Inclusão do Insper, Félix colabora com o eixo de acessibilidade. “Por mais que pareça utópico e todo processo tenha falhas, a inclusão vai encaminhando, tenta dar um norte às pessoas, oferece maiores oportunidades”, diz. “Como as pessoas são diferentes, alguém sempre vai encontrar um argumento para cometer qualquer ato de agressão. E, se ainda houver incentivo à violência, a sociedade perderá o controle.”
Ninguém estaria imune a esse descontrole. “Aí não tem classe social”, afirma Félix. “Pensando em violência, pode ser tanto o cara que te assalta como o que te xinga no trânsito, não dá passagem ou joga o carro em cima do teu. Falta um pouco de empatia, de paciência. Tenho um filho adolescente, naquela idade na qual é natural as explosões de humor, mas sempre falo para ele que não existe justificativa para agredir uma pessoa. E essa agressão não é só física.”