A contratação de profissionais de diferentes nacionalidades estimula a inovação e renova o capital intelectual, diz o professor Charles Kirschbaum
Sem o capital humano de outros países, dificilmente o Vale do Silício, nos Estados Unidos, teria alcançado o grau de maturidade e inovação de que desfruta hoje. Mais da metade das startups locais avaliadas em 1 bilhão de dólares ou mais foram fundadas por imigrantes, segundo um levantamento da National Foundation for American Policy, organização voltada a estudos sobre impactos econômicos da mão de obra estrangeira. Não à toa, o sucesso de hubs de inovação como o Vale do Silício, na Califórnia, Vancouver, no Canadá, e Tel Aviv, em Israel, vem despertando o interesse de acadêmicos sobre o impacto da atração de talentos de origens diversas no que diz respeito à conquista de novos patamares de criatividade e expansão.
No ano passado, uma equipe de pesquisadores do National Bureau of Economic Research (Nber), entidade voltada a pesquisas econômicas e sediada em Cambridge, Massachusetts, se debruçou sobre os motivos da alta performance de times de futebol europeus, conhecidos por contar com jogadores de diversas nacionalidades. O estudo abrangeu o período de 1990 a 2020. Por meio de uma série de cálculos e análises, os especialistas chegaram à conclusão de que cada jogador estrangeiro melhora a chance de vitória do time em cerca de 0,12 pontos percentuais. Em um ambiente extremamente competitivo como o futebol europeu, pode ser a diferença entre ganhar ou perder.
As empresas também estão de olho nos benefícios da atração de talentos internacionais como uma estratégia para aumentar a geração de novas ideias e pavimentar o crescimento sustentável. Em Israel, o governo estruturou um plano para atrair profissionais estrangeiros para as empresas do país, especialmente nos setores de engenharia e tecnologia. “Há uma escassez de talentos, e não só em Israel, o que explica o movimento no setor privado de contratar pessoas de outros países”, diz Charles Kirschbaum, professor do Insper e pesquisador de áreas como indústrias criativas e empreendedorismo. “Trata-se de algo que gera um impacto cognitivo, tirando as pessoas da zona de conforto ao precisar lidar com o novo e o diferente”, afirma o especialista na entrevista a seguir.
Qual é a principal vantagem, para as empresas, de contar com profissionais de diversos países?
Primeiro, é preciso lembrar que há uma escassez de talentos. Outro dia vi que os países escandinavos estão oferecendo programas agressivos de residência e pacotes para atrair gente para esses locais. É algo muito forte. Há alguns anos, o cônsul da Irlanda em São Paulo fez questão de realizar um evento para os alunos do Insper para poder contratar talentos para empresas irlandesas. Talvez a diversidade não seja um motivo tão forte para a contratação de profissionais de outros países como a questão de habilidades. Aí, as empresas têm que lidar com a diversidade e observam que a diversidade agrega valor. Em Israel, é muito comum as pessoas passarem dois ou três anos fora. O país tem uma política de pagar o retorno da pessoa para Israel. Isso demonstra o esforço em trazer a pessoa de volta, o que tem muito a ver com escassez de talentos.
E quais são os impactos dessa visão sobre a diversidade e inovação?
As pessoas são sempre confrontadas com o novo, o diferente, em um ambiente diverso, com gente de outros países. Isso tem um efeito direto, de acesso a mais ideias e capital intelectual. E quando as pessoas têm que trabalhar com pessoas diferentes, isso também gera um impacto cognitivo. Com isso, os profissionais se tornam mais reflexivos porque eles passam a ter menos chance de dar as coisas como dadas, eles pensam mais criticamente.
Há empresas de setores específicos da economia que estejam mais antenadas com essa tendência?
Todos os hubs muito dinâmicos de inovação, como o Vale do Silício, nos Estados Unidos, têm uma realidade de trazer talentos muito bons. No mercado de tecnologia, a grande diversidade é geográfica e étnica. No Vale do Silício, há muita gente de outras culturas. No Brasil, é uma boa reflexão olhar para as empresas que promovem uma diversidade geográfica, atraindo pessoas de várias regiões do país e com diferentes perfis de raça e gênero.
E de que forma uma cultura mais diversa, com pessoas de diferentes países, contribui para a inovação?
A diversidade contribui com a inovação porque a pessoa fica exposta a mais ideias. Essa é a teoria mais comumente usada. Nos lugares onde as pessoas circulam sempre no mesmo círculo social e falam a mesma língua, há uma sensação de coesão social alta, mas, ao mesmo tempo, isso leva a uma uniformidade de pensamento que não é necessariamente boa para a inovação. Além disso, há a questão de reforçar o modo de pensar daquele grupo, o que colabora para um empobrecimento do pensamento. Quanto maior a diversidade e a dimensão que é alterada, maior a mudança em relação à visão de mundo, o que importante para inovação. Pessoas mais expostas à diversidade, inclusive com gente de outros países, tendem a assumir diferentes pontos de vista e se colocar no lugar do outro, o que leva a um grau de reflexibilidade maior.