Os aplicativos e as plataformas digitais coletam informações pessoais além do necessário. E falta transparência sobre como esses dados são utilizados
Rodolfo Avelino*
O Facebook continua sendo a maior rede social do mundo. A cada dia, quase 1,9 bilhão de pessoas utilizam a rede para compartilhar publicações e interagir com o conteúdo de outras pessoas. O que muita gente não sabe é que, além de monitorar as atividades dos usuários dentro da plataforma, o Facebook também coleta dados fora dela. Isso é possível porque a rede social tem acordos comerciais com vários sites e aplicativos de celulares, que compartilham suas informações.
Há pouco tempo, verifiquei a minha conta no Facebook. Nada menos do que 722 aplicativos tinham enviado minhas informações para o Facebook. São dados pessoais como os sites que visitei, quando entrei na minha conta bancária no aplicativo do celular, quais produtos coloquei no carrinho de compras em lojas de comércio eletrônico.
O Google não fica atrás. Por exemplo, ele guarda o histórico de compras das pessoas, extraindo informações dos recibos de compras enviados ao Gmail. Mantém dados como o que você comprou, quem vendeu, o preço e o endereço de entrega. Além disso, o Google é dono do aplicativo Waze, que monitora sua rotina diária, sabe a que hora você sai de casa e para onde vai. O Google possui também as principais plataformas de multimídia, como o Youtube, e sabe a quais vídeos você está assistindo e quais músicas está ouvindo.
Claramente, os aplicativos coletam muito mais dados do que seria necessário para seu funcionamento. E isso acontece porque o modelo de negócios do Google, do Facebook e de outras Big Techs depende totalmente de dados pessoais. Eles precisam conhecer seus usuários e consumidores em profundidade — até mais do que as próprias pessoas — para exibir anúncios personalizados. Segundo estimativas da plataforma interativa de dados e análise Trefis, a publicidade representa em torno de 85% do faturamento da Alphabet, a holding que contra o Google. No Facebook, a publicidade responde por 98,5% do faturamento.
O Google e o Facebook são dois exemplos evidentes de coleta de dados além do necessário, mas outras empresas também adotam a mesma prática. É comum entrar num site de uma empresa para baixar um estudo ou relatório técnico e aparecer um formulário para você preencher com seus dados pessoais, como sua etnia, se você é casado ou não. São informações totalmente desnecessárias para ter acesso a um relatório sobre informática, por exemplo.
O grande problema é que não sabemos como os dados pessoais coletados são utilizados. Falta transparência às empresas. Algumas mudam a política de privacidade constantemente e outras só permitem que você navegue no site se concordar com todos os termos e condições.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor em 2020, não é clara em muitos pontos, mas deve ajudar a melhorar a situação, ainda que a uma velocidade mais lenta do que seria desejável. A lei dá aos cidadãos um poder para questionar as empresas, que passaram a ter a obrigação de manter um canal aberto para atender a essas demandas.
É um bom ponto de partida, mas as pessoas também devem ter a consciência de que a privacidade é um direito. Com a LGPD, os cidadãos têm o direito de acessar os dados pessoais que lhes digam respeito, exigir a correção dos dados inexatos e eliminar aqueles desnecessários ou excessivos. É um poder que os consumidores não tinham antes e devem exercê-lo.
* Rodolfo Avelino é professor de Cibersegurança no curso de Ciência da Computação do Insper