Em entrevista, Juliana Inhasz analisa os efeitos da reabertura gradual do comércio, o novo comportamento do consumidor e os desdobramentos da crise sobre a desigualdade de renda, entre outros temas
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto da Covid-19, produzimos conteúdos especiais para colaborar na tomada de decisão e na superação dos desafios deste período.
Gerar conhecimento que impacte positivamente a sociedade é uma das nossas missões e, neste momento, reforçamos nossa atuação com uma série de entrevistas, matérias, vídeos e webinars que abordam diversos temas e destacam cuidados e orientações que todos devemos atentar durante o isolamento social.
Na entrevista a seguir, Juliana Inhasz, coordenadora do curso de Graduação em Economia, analisa os efeitos da reabertura gradual do comércio sobre a economia, resultados do PIB neste ano, a queda de preços registrada no último mês de maio, os novos hábitos de consumo e os impactos da pandemia sobre a desigualdade de renda em nosso país. Confira:
1) Qual sua visão a respeito dos efeitos sobre a economia, de modo geral, da reabertura gradual do comércio em suas atividades presenciais?
A reabertura do comércio tem sido aguardada há algumas semanas. Existe uma ansiedade, por parte de lojistas e comerciantes, em reativar a economia, e essa ansiedade é muito natural: as pessoas estão em casa, as vendas caíram e, com elas, o faturamento também despencou. Mas as contas continuam chegando. Por isso, pra muitos, o pior efeito da pandemia tem sido aquele percebido sobre a atividade econômica.
Particularmente, acho que a reabertura gradual do comércio gera efeitos inicialmente positivos para a economia: não à toa, vemos aumento significativo de pessoas indo às compras em grandes centros populares, na tentativa de reabastecer seus comércios para as vendas dos próximos meses. Isso deve, de fato, reaquecer a economia nessas últimas semanas de junho e começo de julho. No entanto, se essa reabertura for feita de forma precipitada e sem os controles fitossanitários necessários (e esse é o grande medo de muitas pessoas), poderá criar grandes transtornos não apenas no lado da saúde (elevando o número de casos, com maior ocupação de leitos em enfermarias e UTIs, entre outros), como também piorando as condições econômicas.
Numa situação extrema, já vemos municípios que reabriram de forma precipitada notificando uma segunda onda de contaminação e, por consequência, tendo que decretar uma nova quarentena. Casos como esses trazem muitos danos à economia, intensificando aqueles já percebidos com o início da pandemia: uma nova quarentena impõe novas e mais intensas perdas, com inseguranças e incertezas maiores ainda, que prejudicam muito a retomada da economia
2) Em maio, foi registrada a maior queda de preços desde 1988. Quais são as causas dessa queda? Ela é benéfica para a economia?
Os preços caíram em maio muito motivados pela redução do consumo. Com a quarentena e o isolamento social, as pessoas deixaram de consumir boa parte daquilo que era seu consumo habitual, e muitos dos bens e serviços que compunham sua cesta de bens deixaram de ser demandados. Há também redução de demanda por conta de aumento de desemprego (que reduz a renda do brasileiro, diminuindo seu potencial de consumo) e aumento das incertezas, que provocam redução na quantidade de bens e consumos adquiridos.
Esses efeitos provocaram uma redução de preços em maio. No entanto, importante salientar que nem todos os bens e serviços registraram, individualmente, esta queda de preços. Os bens de primeira necessidade, que continuaram com sua demanda aquecida, registraram elevações de preços nos últimos meses, como é o caso dos alimentos em geral.
Essa redução não pode ser vista como um efeito positivo na economia, pois ela não é acompanhada de um cenário macroeconômico positivo. A queda de preços, quando acompanhada de um crescimento econômico ou de um aumento de produtividade expressivo, pode ser considerada benéfica e muito bem-vinda. Nesse cenário, porém, a queda dos preços acontece em consequências adversas: a redução da demanda força preços para baixo, piorando o bem-estar da população brasileira. Nesse sentido, não é possível dizer que essa queda acontece melhorando a situação do brasileiro. Na verdade, ela é muito mais um sintoma de que a economia não está em seus melhores dias.
3) Tivemos queda de 1,5% do PIB brasileiro no primeiro trimestre deste ano. Qual a sua análise a respeito do PIB para este ano?
Este ano, já é possível aceitar que teremos queda provavelmente acentuada do PIB. O primeiro trimestre, muito pouco afetado pela Covid-19 (cerca de dez dias, de forma objetiva), já apresentou resultado negativo. Os resultados do segundo trimestre serão certamente muito piores, já que os números refletirão meses de extrema queda de demanda e atividade econômica. Ainda que tenhamos os dois últimos trimestres com economia completamente ativa (o que ainda é improvável, dado o cenário fitossanitário, com aumento no número de casos e dificuldade de conter a pandemia), dificilmente teremos uma economia com o mesmo vigor de antes.
As pessoas ainda estarão reticentes quanto à possível retomada das atividades de forma normal, o que deve se refletir em uma demanda ainda contida pela queda de renda, pelas incertezas e pelo aumento do desemprego. Alguns setores continuarão sob extrema incerteza, como é o caso do turismo e entretenimento, entre outros. Esse cenário deverá motivar uma queda de produção e, portanto, um produto mais baixo no final de 2020, quando comparado a 2019.
4) A pandemia trouxe novos hábitos de consumo. Como as mudanças no comportamento do consumidor impactam a economia?
As pessoas hoje, em média, possuem hábitos de consumo diferentes daqueles da época pré-pandemia. E eles devem permanecer no período após a Covid-19. Alguns deles são:
– As compras on-line provavelmente vieram pra ficar: a pandemia fez com que muitas pessoas perdessem o preconceito com as compras feitas pela internet, e certamente essa praticidade deve permanecer no período pós-Covid. Isso deve impactar bastante o antigo hábito que as pessoas tinham de frequentar shoppings e grandes centros de compras: muito provavelmente, os shoppings serão locais para experiências mais ligadas ao lazer e à gastronomia, e muito menos voltados à satisfação de necessidades de bens de consumo.
– Outra mudança significativa está na forma de pagamento que os brasileiros utilizavam. Dados da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo apontam que os meios de pagamento eletrônicos passaram a ser mais acionados, justamente por conta do aumento do número de vendas on-line. Esse hábito deve permanecer após a pandemia.
– Os serviços de delivery também deverão se tornar frequentes na rotina do brasileiro. Se eles já eram uma realidade, sobretudo no setor de alimentação, as entregas devem continuar em alta no período pós-pandemia. A comodidade e agilidade fazem com que tais serviços sejam cada vez mais desejados e demandados.
– O home office também achou seu lugar ao sol. E isso muda muita coisa nos hábitos de consumo do brasileiro. Primeiro, porque os produtos de alta tecnologia devem continuar em alta, possibilitando que exista alto rendimento e performance produtiva dentro das residências. O mesmo deve acontecer com serviços de telecomunicações: as demandas por internet veloz e de qualidade devem continuar acontecendo. Outro hábito que deve mudar são as viagens, sobretudo de negócios, que devem ficar muito menos frequentes. Com a necessidade de adaptação ao modelo remoto, empresas e pessoas perceberam que é possível se manter produtivo ainda que de forma virtual, e que as reuniões que antes aconteciam de forma presencial podem ser feitas de forma remota, sendo desnecessário, muitas vezes, arcar com custos de viagens.
– Por fim, é importante dizer que também há uma mudança de hábito no que diz respeito ao planejamento. As pessoas passaram a se planejar mais: já que não era possível achar tudo o que precisávamos facilmente (uma vez que durante um período prolongado de tempo as lojas permaneceram fechadas), as compras on-line precisaram ser programadas, o que fez com que as pessoas as pensassem de forma estratégica. Esse hábito talvez permaneça, ainda que parcialmente, depois da pandemia.
5) Como você vê os impactos da pandemia sobre a desigualdade de renda em nosso país?
A desigualdade de renda se acentua nessa situação, não há dúvidas. Especialmente porque agora fica muito nítida a diferença entre as classes sociais.
O primeiro ponto é o isolamento. As pessoas de classes sociais mais altas conseguem fazer um isolamento social mais adequado no geral, enquanto que as pessoas de classes sociais menos favorecidas não conseguem (ou continuam trabalhando presencialmente, ou ainda eram informais ou autônomas e, dado que foram altamente impactadas nessa pandemia, estão à procura de alternativas para recompor a renda). Isso coloca as pessoas menos favorecidas mais propensas ao contágio, e no geral são essas que tem menor acesso à saúde de qualidade. Nesse aspecto, já há uma diferenciação entre classes sociais que começa a distanciar os mais favorecidos dos menos favorecidos.
Além disso, outros elementos me fazem crer que teremos uma maior discrepância entre ricos e pobres. Uma vez que os informais e autônomos estão concentrados nas periferias, é lá onde teremos o maior impacto da pandemia ao longo do tempo. Primeiro, porque a renda se reduziu muito para esses grupos desde o começo da pandemia, o que indica que essas periferias estão recebendo, no geral, menor renda, o que alimenta com maior dificuldade o comércio local.
As periferias são compostas por muitos pequenos negócios, que têm maior dificuldade de se sustentar em momentos como este. E quando um pequeno negócio quebra em uma periferia, existe toda uma rede de inserção social que se rompe: são inúmeras pessoas que estão ligadas àquele pequeno negócio que deixam de ter renda, direta ou indiretamente. O impacto social é muito grande, pois não se trata apenas de salários que deixarão de ser pagos: trata-se de oportunidades de estudo, moradia, saúde, lazer, entre tantos outros qualificadores que deixarão de beneficiar famílias daquela região. A inserção social fica prejudicada, o que aprofunda as diferenças sociais.
Por fim, para além das questões de curto prazo vistas até aqui, existe uma diferença social no quesito educacional que aprofunda as desigualdades para o médio prazo. Enquanto as crianças de escola particular conseguem, na média, condições adequadas de estudo (tanto infraestrutura quanto tecnológica), os estudantes do ensino público enfrentam muito mais dificuldades para conseguir manter o ano letivo: a ausência de recursos adequados muitas vezes impossibilita que o estudante da rede pública tenha acesso ao ensino remoto. Isso poderá, sem dúvidas, gerar uma defasagem entre os estudantes da rede privada e da rede pública, que se materializará daqui alguns anos em uma desigualdade de renda ainda maior.
Juliana Inhasz é Graduada em Economia pela Universidade de São Paulo (2005), Mestre em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas – SP (2009) e Doutora em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo (2013). Lecionou em diversas instituições de ensino, entre elas EAESP – FGV-SP, FECAP, Mackenzie e FIPE.
Atualmente, é professora em tempo integral (dedicação exclusiva) no Insper – Instituto de Ensino e Pesquisa, onde leciona disciplinas na Graduação e Mestrado, além de coordenadora do curso de Graduação em Economia na mesma instituição. Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Teoria Econômica, atuando principalmente nos seguintes temas: dívida pública, política fiscal, política monetária, econometria de séries temporais e conjuntura econômica.