Em entrevista, Priscila Claro aborda a importância dos temas e os desafios para as empresas os desenvolverem, em especial, neste período
ENTREVISTA| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Seguindo os esforços conjuntos de toda a Comunidade Insper para mitigar o impacto do vírus Covid-19, estamos publicando uma série de entrevistas com professores, gestores e diretores para abordar ações realizadas pela nossa escola, além de dicas e orientações nas mais diversas áreas para colaborar com a superação dos desafios deste período.
Na entrevista a seguir, Priscila Claro, Professora Associada e Coordenadora de Extensão e Responsabilidade Social do Insper, aborda a importância da Responsabilidade Social Corporativa e da Sustentabilidade Ambiental e os desafios para as empresas os desenvolverem, em especial, neste período:
1) Por que é importante que as empresas se posicionem de modo socialmente responsável? Essa postura se torna mais relevante em momentos de crise?
Acho que esta pergunta remete à premissa básica de que as empresas fazem parte de um ecossistema. Assumir que a empresa sofre influência e é influenciada pelo seu contexto é relevante em qualquer situação, e especialmente importante em épocas de crise. Não reconhecer, entender e considerar os aspectos contextuais, positivos ou negativos, na tomada de decisão, pode ser arriscado.
Gosto muito de uma frase, de autor desconhecido, que é mais ou menos assim: “nenhuma empresa vai bem em uma comunidade ou país que vai mal”. Isso coloca em perspectiva o momento atual, da pandemia. Por que as empresas de todos os setores estão tentando inovar socialmente? Pois, no longo prazo, é uma questão de sobrevivência.
Responsabilidade social não é só sobre fazer caridade com dinheiro do acionista, pode até ser, se isso foi acordado entre as partes. Responsabilidade Social é fazer o que é certo, da maneira certa, considerando os impactos positivos e negativos da empresa sem desconsiderar que também existe um dono/acionista que toma risco e que tem expectativas de resultados financeiros. Nessa jornada, algumas empresas acabam identificando uma dor da sociedade que pode ser solucionada por meio de um novo produto ou serviço, ou seja, uma nova oportunidade de negócio.
2) Quais os principais desafios para as empresas se manterem socialmente responsáveis ou se desenvolverem neste sentido em um cenário de crise como o que vivemos agora?
Implementar um modelo de gestão que considere os interesses não só dos donos da empresa mas de uma gama ampliada de stakeholders não é trivial. Além de identificar todos os stakeholders internos e externos, é necessário priorizá-los e definir qual será a estratégia para relacionamento com cada um dos grupos. Em alguns casos, será necessário monitorar e informar sobre as ações e resultados da empresa. Em outros, é desejável integrar alguns grupos de stakeholders no processo de planejamento mais amplo. Um dos maiores desafios, na minha percepção, é este processo de integração. Como integrar? E, depois de integrar, como resolver situações de conflito quando há divergência em relação aos meios e aos objetivos organizacionais entre donos e demais stakeholders?
Uma empresa precisa ter políticas claras e decisões consistentes em relação aos interesses dos stakeholders e ao seu posicionamento de responsabilidade social. Falar e não fazer é tão ruim como fazer algo diferente do que se fala.
3) Quais os principais aspectos que devem ser levados em consideração ao planejar a gestão com stakeholders neste momento?
Sem dúvida, as empresas que já tinham esta prática e cultura de integrar interesses de stakeholders no processo de tomada de decisão são mais ágeis neste momento de crise. Por quê? Porque o relacionamento já existia e acessar os parceiros acaba sendo mais eficiente. Não será necessário iniciar um novo relacionamento, desenvolver um novo canal.
Para as empresas que ainda não atuavam neste modelo, a minha sugestão, no curto prazo, é integrar ao máximo os seus próprios colaboradores no processo de tomada de decisão no contexto de crise. Colaboradores são, na maioria das vezes, stakeholders extremamente valiosos por conhecerem vários outros stakeholders e por conhecerem o ambiente organizacional. Uma pena que em várias empresas ainda não sejam considerados na tomada de decisão. Não me refiro aos executivos do nível estratégico, somente. Me refiro a colaboradores da linha de frente, que estão na ponta, em contato com fornecedores, clientes, representante da vizinhança ou de sociedade civil organizada, entre outros. Sem falar que estes mesmos colaboradores também estão sofrendo com a crise, precisando se adaptar ao trabalho remoto, muitas vezes sem a tecnologia e o espaço necessários, tendo que dividir o local “sagrado” da vida pessoal e familiar com suas obrigações trabalhistas. E isto tem gerado uma dificuldade em separar o que é trabalho do que é vida fora do trabalho.
Em conversas virtuais, tenho percebido que a maioria das pessoas está trabalhando 24 horas nos sete dias da semana. Além dos indícios já levantados por outros colegas e pesquisadores sobre o potencial aumento de depressão, em função do medo e incertezas da pandemia, acho que vamos ter que lidar também com número cada vez maior de casos de burnout. Por isso, a importância de cuidar do colaborador. Não demitir e promover a segurança financeira é só o começo. É preciso encorajar a saúde mental e, uma das formas de fazer isso, é integrar o colaborador no processo de pensar nas decisões importantes para superar a crise, é integrar o colaborador no processo de pensar a inovação social. Isso pode gerar o tão sonhado sentimento de propósito e pode ser bom para todo mundo. Algumas empresas já estão fazendo isso e alcançando bons resultados.
4) Na sua visão, essa crise pode tornar o tema da responsabilidade social ainda mais relevante para as empresas e sociedade?
Eu acho que sim. Historicamente, as empresas não se comprometiam em buscar alternativas nas épocas de crise. Mas à medida que o capitalismo foi se desenvolvendo, as empresas passaram a ter um papel mais relevante em temas relacionados a bem-estar social e ambiental. Mas é obvio que nem todas as empresas assumem estas responsabilidades.
Hoje, estamos aprendendo na marra, por um motivo muito ruim, que juntos somos mais fortes. O mesmo está acontecendo no ambiente de negócios, por exemplo, com alguns concorrentes se juntando para, em parceria, pensarem soluções e auxiliar as suas cadeias de valor. Empresas têm se conectado aos governos para atuarem juntos no combate ao Covid-19.
Apesar do driver ser ruim, eu costumo dizer para meus alunos que não importa o que motivou a mudança de comportamento dos tomadores de decisão em prol da gestão mais responsável, o que importa é agir.
5) Em relação à sustentabilidade ambiental: quais os principais desafios trazidos com esta nova crise e quais os caminhos para superá-los?
Hoje é o novo coronavírus, mas desde muito tempo estão na nossa “cara” as mudanças climáticas e seus impactos no nosso dia a dia. Mudanças influenciadas também pelas nossas escolhas. Apesar dos impactos não acontecerem ao mesmo tempo e globalmente, como está sendo com a pandemia, eles são cumulativos. Amanhã pode ser um novo vírus, uma nova bactéria, uma seca, uma queimada em larga escala, uma crise hídrica severa, entre outros problemas que já vivemos.
Acho que o principal desafio é reconhecer e considerar que não dá para crescer indefinidamente em um ambiente com recursos naturais limitados (alguns tantos não renováveis). A partir do momento que considerarmos essa premissa, tomaremos decisões mais acertadas a nível de governo e de políticas públicas, de decisões de negócios e em relação à forma como vivemos e consumimos. No final do dia, todas essas decisões são tomadas por indivíduos. Temos que parar de colocar a culpa nos outros e fazermos a nossa parte. Precisamos ser protagonistas das mudanças ambientais e sociais necessárias para vivermos mais e melhor.
Priscila Claro é Professora Associada e Coordenadora de Responsabilidade Social e Extensão do Insper. Doutora em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Mestre pela Universidade de Wageningen (WUR) na Holanda em Gestão Soocioambiental e graduada em Administração de Empresas pela Universidade Federal de Lavras.
Conduz pesquisa na área de sustentabilidade corporativa e cidades sustentáveis. Desenvolve consultoria e pesquisa nas áreas responsabilidade corporativa e sustentabilidade, bem como relatórios de sustentabilidade no padrão GRI. Trabalhou no Instituto de Economia Agrícola em Haia, na Holanda, como pesquisadora Junior (2002-2003) e também como pesquisadora do PENSA (Centro de Inteligência do Agronegócio) da FEA/USP de 2005 a 2007.
Foi Coordenadora Acadêmica de Programas Executivos no Insper de 2006 a 2012 (Clariant, CONIB, Grupo ABC, Nestle, Pepsico, Cargill, Banco Real, Santander, CPFL, Toyota, J&J, Baxter, Orbitall, Bradesco, AGF/Allianz, Einstein, Alpargatas, Grupo Ultra, Latapack-Ball). Na área de educação, trabalhou como docente em tempo parcial na EASP/FGV de 2013 a 2015 e como professora nos Programas de Educação Executiva da FUNDACE, Unisinos, Newton Paiva, FIA, São Paulo, GV-PEC.