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Escalada de impostos do governo central asfixiou algodão brasileiro no século XIX

Dissertação de doutorado contraria explicações mais comuns exploradas em história econômica
29/11/2018 02:00

A escassez de mão-de-obra e o alto custo de transporte não parecem ter sido, como se pensava, os fatores que fizeram declinar a pujante produção brasileira de algodão no início do século XIX. Taxações gravosas pela coroa portuguesa que fugia de Napoleão, e depois pelo governo central independente, fizeram explodir os custos de produção nas regiões nordestinas mais especializadas, sobretudo no Maranhão, e foram decisivas para tirar o Brasil desse jogo.

No final do século 18, mostra Thales Pereira na tese Algodão e o Comércio Internacional do Brasil durante a Revolução Industrial, o algodão importado do Brasil representava 40% das compras inglesas do produto cru no porto de Liverpool. Fazendas no nordeste brasileiro eram grandes fornecedoras para a arrancada pioneira da Revolução Industrial, concentrada no setor têxtil inglês.

O pesquisador encontrou evidências de que a vantagem do produto brasileiro não estava associada, como aventado em parte da historiografia, a complicações políticas na América do Norte e no Caribe. O tipo de algodão cultivado no Maranhão e em Pernambuco, de fibra mais longa e resistente, adaptava-se melhor ao maquinário tecnologicamente mais avançado das fábricas inglesas na virada para o século XIX. Daí a preferência pelo insumo brasileiro.

Pelos dados coligidos e trabalhados no estudo, o declínio da produção brasileira, pronunciado e definitivo a partir da crise que derrubou os preços da commodity em 1819, não esteve relacionado com a “doença holandesa”, o desestímulo via taxa de câmbio de atividades menos dinâmicas, como o algodão e o açúcar do Nordeste, em favor de outras mais produtivas, como o café no sudeste.

A hipótese, defendida por Nathaniel Leff no clássico “Subdesenvolvimento e Desenvolvimento no Brasil”, não foi confirmada na tese de Thales Pereira. Os dados mostram que Maranhão e Pernambuco tinham taxas de câmbio mais valorizadas que o restante do Brasil durante os anos de boom do algodão, mas depois elas se desvalorizaram relativamente com a entrada do café do Sudeste, na contramão do que prevê a conjectura da “doença holandesa”.

A carência de mão-de-obra escrava, outra explicação explorada na historiografia, tampouco se verificou no estudo de Pereira. Havia intensa demanda pelos trabalhadores cativos no Maranhão até 1830, onde a participação da população negra, cerca de metade de todos os habitantes, superava a do sul algodoeiro dos EUA na mesma época. Além disso, no Maranhão até 1820 se pagava um prêmio para adquirir escravos em relação a outros centros escravagistas do país.

O custo do frete também não teve impacto no declínio algodoeiro no Brasil. A tarifa para transportar o algodão maranhense até Liverpool foi discreta mas sistematicamente menor que a incidente na rota que saía de Nova York.

Resta a hipótese de que a escalada dos impostos sobre a exportação do algodão, para financiar a coroa portuguesa que se refugiara no Rio em 1808 e, depois de 1822, o governo central do Império, derrubou a competitividade do algodão.

Pereira calcula que 60% da diferença de preço que favorecia no porto de Liverpool o algodão embarcado em Nova York, na comparação com o oriundo de São Luís, é explicada pelos tributos sobre a exportação do produto brasileiro.

A taxação total do algodão exportado, reforçada a partir de 1808, representou uma tarifa média para os produtores maranhenses de 22% entre 1809 e 1830. Era mais que o dobro do peso do transporte doméstico no custo da commodity.

Principalmente depois da crise que derrubou os preços internacionais do algodão em 1819, a taxação da exportação fez o custo do algodão maranhense superar o nível máximo em que ele continuaria competitivo.

Além disso, o governo central, para suprir suas crescentes necessidades de gastos correntes e financeiros, retirou do Maranhão em média 41% do que a região arrecadou durante o boom do algodão, o que diminuiu a possibilidade de que investimentos na infraestrutura de transportes reduzissem os custos e contrabalançassem a perda relativa da capacidade de competir.

Complicações fiscais somadas a outras institucionais, como a centralização das decisões no Rio, também impediram o Maranhão de introduzir inovações tecnológicas, como a navegação fluvial a vapor que deu grande impulso ao algodão nos EUA, capazes de melhorar as perspectivas para seus produtores.

Enquanto outros grandes fornecedores de algodão para as máquinas inglesas cresciam junto com a explosão da demanda até 1860, a produção maranhense sumia do mapa conforme o século XIX avançava.

Acesse o estudo:


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