Larissa Luzia Longo, que concluiu o Mestrado Profissional em Políticas Públicas
“A política tributária é uma política pública e também precisa ser formulada com base em evidências.” A fala é de Larissa Luzia Longo, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. Aos 28 anos, ela se formou no Mestrado Profissional em Políticas Públicas (MPP) do Insper e desenvolveu uma dissertação intitulada “O que é a complexidade tributária e como mensurá-la?” e passou a ser uma das precursoras da discussão no país.
Segundo Larissa, a ideia central do trabalho, que levou mais de um ano para ser concluído, é fazer uma análise das dimensões em que a complexidade tributária se manifesta no Brasil para, a partir disso, definir indicadores aptos a mensurar e monitorar a complexidade tributária. “Precisamos usar evidências, usar dados, para tentar combater os problemas das políticas tributárias. Meu trabalho inaugura uma linha de pesquisa no Brasil, no sentido de compreender melhor a complexidade tributária e, portanto, conseguir combatê-la de uma forma mais eficaz”, explica.
Formada em Direito, Larissa sempre teve interesse pela intersecção do tema com a economia e acabou se enveredando para a área tributária em suas primeiras experiências profissionais. “No início da minha carreira, eu tinha uma visão mais tradicional da advocacia tributária, pois estagiei em escritórios. Quando fui trabalhar como pesquisadora no Centro de Cidadania Fiscal e no Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, meu olhar começou a mudar. Não tem como discutir propostas para melhorar o sistema tributário brasileiro se restringindo ao direito nacional. Precisamos buscar conhecimentos econômicos, contábeis, de políticas públicas e práticas internacionais”, conta.
Para ela, trabalhar a questão tributária de forma restrita ao direito não fazia sentido, uma vez que há interligação com várias áreas de conhecimento. “Comecei a perceber quão amplo é o tema da tributação e como a visão jurídica é limitada, por isso quis me aprofundar e iniciei o MPP do Insper, já que o estudo de políticas públicas é bastante interdisciplinar”, diz.
Para Larissa, a questão da complexidade da tributação brasileira sempre chamou atenção. Algumas pesquisas que ela fez, no Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper, buscaram compreender os impactos da complexidade tributária e sua correlação com contencioso e insegurança jurídica, por exemplo.
Nas últimas eleições presidenciais, Larissa analisou os planos de governo dos candidatos à presidência e notou que a maioria identificava que havia uma complexidade na área, mas as propostas de simplificação eram distintas. “Esse fato acendeu uma luz e me fez ver que essa questão era muito falada, mas pouco aprofundada. Todo mundo percebe que o sistema tributário é complexo, mas ninguém consegue apontar exatamente quais as complexidades para que elas sejam simplificadas. Por isso, as propostas dos presidenciáveis eram, em alguns casos, bastante distintas”, diz.
Segundo ela, uma das fases da formulação das políticas públicas é a identificação dos problemas, para que, depois, sejam pensadas ferramentas para combater essas questões. “Estamos em um estágio em que os problemas ainda não foram listados. Por exemplo, um dos princípios da Reforma Tributária, aprovada em 2023, é simplificar as regras, mas não há diretrizes concretas e evidências empíricas sobre como isso será feito. Identificar o problema, mensurá-lo e monitorá-lo são etapas do ciclo de formulação de políticas públicas e deveriam ser implementadas também nas políticas tributárias”, completa.
Por isso, a pesquisadora decidiu concentrar esforços e focar na questão em sua dissertação. Segundo ela, o primeiro passo foi fazer um mergulho profundo na literatura internacional para compreender as engrenagens da complexidade nos sistemas tributários ao redor do mundo.
“É um consenso internacional que a simplicidade tributária é pouco compreendida e constantemente negligenciada pelos formuladores de política tributária, justamente porque ela tem um caráter abstrato e amplo. Além disso, a simplicidade combate a complexidade, que não é facilmente identificável porque ela é multidimensional e multifatorial”, explica. Foram meses de pesquisas aprofundadas, seguidas de diversas entrevistas com especialistas brasileiros no assunto, como representantes do governo e de contribuintes, advogados, contadores e acadêmicos, que ajudaram a entender as particularidades e dores em cada uma das dimensões em que a complexidade tributária se manifesta no Brasil.
.jpg)
Em razão de seu caráter multidimensional, a literatura internacional revisada por Larissa costuma definir a complexidade por meio das dimensões em que a complexidade tributária se manifesta em cada país. Seguindo essa ideia, com base em todo material coletado, Larissa definiu cinco dimensões da complexidade tributária no Brasil: estrutural, normativa, operacional, comportamental e processual, todas relacionadas entre si.
As dimensões identificam manifestações da complexidade em cada etapa da elaboração e aplicação dos atos normativos tributários, sendo influenciada pela ação de diversos agentes, legisladores, administração tributária e contribuintes. A dimensão estrutural diz respeito ao desenho constitucional do sistema tributário, ou seja, relaciona-se à forma como o constituinte reparte as competências tributárias. A dimensão normativa abrange critérios qualitativos e quantitativos dos atos normativos. A dimensão operacional reflete o custo da tributação, seja para a administração tributária arrecadar e fiscalizar (custo administrativo), seja para o contribuinte cumprir suas obrigações tributárias (custo de conformidade). A dimensão comportamental contempla ações da administração tributária e dos contribuintes que contribuem para a complexidade, relacionadas a falta de governança, transparência, postura passiva ou, então, a planejamentos tributários agressivos e evasão fiscal. Por fim, a dimensão processual diz respeito a forma como são resolvidas as discussões entre a administração tributária e os contribuintes, envolvendo aspectos relacionados ao contencioso administrativo e judicial, além da abrangência do papel do Judiciário como revisor da interpretação da administração tributária.
No trabalho de Larissa, ela propõe indicadores aptos a contribuir com iniciativas futuras de mensuração e monitoramento de cada uma das dimensões da complexidade tributária brasileira, uma vez que a produção de evidências empíricas é essencial para a eficácia de políticas que busquem atacar esse problema. “A ideia é que estudos futuros apliquem os indicadores em índice para mensurar a complexidade tributária no contexto brasileiro. Apesar da dificuldade relacionada à disponibilização e harmonização de dados, iniciar a aplicação do índice no contexto dos impostos estaduais brasileiros pode ser interessante em razão da diversidade amostral apta a possibilitar a comparação entre diferentes impostos e entes tributantes”, explica.
Ele dá exemplos do uso dos indicadores. “A dimensão normativa pode ser mensurada a partir da quantidade de atos normativos que regulam determinado tributo e estão vigentes hoje, ou então ela pode ser medida a partir da quantidade de alterações nesses atos normativos ao longo de um determinado período de tempo”, diz.
Na dimensão operacional, pode-se mensurar a complexidade a partir da quantidade de obrigações acessórias, ou seja, de quantas declarações o contribuinte precisa apresentar para o Fisco, além de pagar o tributo. “Minha ideia ao definir os indicadores foi tornar ainda mais tangíveis essas dimensões. Dessa forma, espero que tenhamos evidência empírica o suficiente para formular políticas que realmente consigam promover a simplificação do sistema tributário e, portanto, realmente combatam a complexidade.”
Larissa pontua ainda que um bom sistema tributário não objetiva só a simplicidade. “Os formuladores de políticas tributárias têm outros objetivos a serem perseguidos, como eficiência, transparência, equidade e neutralidade, que também são importantes. Minha ideia não é que todas as políticas tributárias sejam simples puramente, mas que a simplicidade possa ser compreendida e implementada. Quero tentar fornecer subsídios para que os formuladores de políticas tributárias possam concretamente considerar a simplicidade no trade-off entre seus diferentes objetivos, para que eles saibam o quanto cada escolha pode ou não gerar complexidade”, diz.
A pesquisadora já faz planos para aprofundar o tema em novas formações. “Quero estudar isso em um futuro doutorado, justamente para tentar aplicar esses indicadores que propus. A ideia é buscar mensurar e monitorar a complexidade tributária, para ver se as propostas que estão objetivando combatê-la realmente cumprem esse papel”, finaliza.