Nascida em Presidente Prudente, interior de São Paulo, Fernanda Kesrouani Lemos, pesquisadora associada do Insper, teve sua vida profundamente marcada pelo universo rural. “Desde criança vivenciei de perto a rotina do campo, acompanhando com curiosidade o trabalho dos meus pais e avós na fazenda da família”, relembra ela, destacando como essas experiências moldaram sua visão de mundo e sua trajetória profissional.
Com uma formação acadêmica que inclui um Ph.D. em Administração pela USP, mestrado em Engenharia de Produção pela Poli-USP, especialização em Economia de Empresas pela FGV e graduação em Administração pela ESPM, Fernanda se dedica atualmente a investigar padrões privados de sustentabilidade em cadeias produtivas como a soja e a mineração, além de analisar cadeias globais de proteína animal. Essa linha de pesquisa demonstra seu desejo de contribuir para a construção de um agronegócio mais sustentável e socialmente responsável.
Desde junho, Fernanda é a coordenadora administrativa do Insper Metricis, além de atuar como monitora nos cursos de estratégia de graduação em Administração. E mantém suas raízes no campo: “Quero continuar contribuindo para as cadeias agroindustriais, especialmente aplicando metodologias que emergem desse contexto para resolver problemas complexos, tanto públicos quanto privados”, afirma Fernanda.
A seguir, conheça mais sobre sua trajetória.
Nasci em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, uma cidade voltada para a agropecuária. Meus pais, ambos já falecidos, tiveram um papel fundamental na formação dos meus valores e interesses. Meu pai era engenheiro, mas dedicou sua vida ao agronegócio, aplicando seus conhecimentos na fazenda da nossa família. Minha mãe era professora, formada em Ciências Físicas e Biológicas.
Estudei o ensino fundamental em uma escola local com princípios voltados a valorização da cultura dos povos tradicionais, respeito a natureza e a convivência entre amigos. O ensino médio e preparatório para o vestibular foi em uma escola do sistema Anglo. O contato com a natureza sempre fez parte da minha rotina. Durante minha infância, passávamos as férias e feriados na fazenda. Eu vivi a rotina da produção de alimentos e a vida no campo de perto. Sempre fui muito curiosa e questionadora, perguntava o motivo de cada ação e me tornei conhecida como “a menina dos porquês”. Meus pais, com muita paciência, procuravam explicar tudo o que acontecia de maneira didática.
Essas conversas familiares eram enriquecidas com a presença de pesquisadores da ESALQ, Unesp e da Embrapa. Meu pai era uma pessoa muito aberta à realização de experimentos e desenvolvimento tecnológico para melhorar os processos de produção. Lembro-me de quando assisti a uma transferência de embrião em com a finalidade de melhoramento genético, no início dos anos 1990. Na época, aquilo não parecia fazer muito sentido para mim, eu era muito jovem, mas meu pai disse: “Isso será disruptivo no setor, teremos uma carne melhor na mesa dos brasileiros”. Isso reforçou para mim a missão da empresa, que eles declararam posteriormente: “Alimentar mais pessoas e fazer isso com qualidade”.
Apesar dessa forte conexão com o agronegócio, minha trajetória acadêmica não começou de conectada diretamente com o setor. Eu gostava de quase tudo que estudava na escola, além de outras atividades ligadas a criatividade e línguas estrangeiras.
Depois de muitas dúvidas, decidi seguir cursar Administração de Empresas. Meus pais me falaram que se gostasse do contato com Economia poderia cursar também. Passei no vestibular da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) logo após o terceiro ano do ensino médio. Mudei-me para São Paulo e, aos finais de semana, eu ia para a casa da minha avó, mantendo o contato com minhas raízes familiares.
Durante a faculdade, percebi que, diferentemente dos meus amigos, eu não queria trabalhar com marketing. Achei inicialmente que trabalharia com recursos humanos e cheguei a fazer um estágio de seis meses nessa área. No entanto, ao longo da minha experiência, senti que não era o meu perfil. Busquei outro estágio e entrei na área de planejamento estratégico de uma empresa financeira, onde fui efetivada seis meses depois, um ano antes de me formar. Eu me sentia “em casa”. Esse sentimento me motivou posteriormente a fazer um curso de especialização em Economia de Empresas na Fundação Getulio Vargas (FGV).
Depois de terminar a graduação, entrei em um programa de trainees em uma consultoria. Tive diversas experiências de consultoria em indústrias e serviços, tais como plástico, serviços financeiros, mídia e comunicação. Logo iniciei as consultorias em fusões e aquisições (M&A) no mercado financeiro. Achei que seguiria minha carreira como consultora.
Tive uma experiência interessante durante esse período, quando percebi que a metodologia proposta para realização de um projeto não iria funcionar para o departamento pelo qual eu era a responsável. Estava cursando a FGV na época e, durante uma aula de estratégia, decidi conversar com meu professor sobre o problema e meu dilema. Expliquei a ele que o modelo que estávamos aplicando não faria sentido no contexto, mas que eu tinha uma ideia de abordagem diferente, que era baseada em ouvir as pessoas deste departamento primeiro e envolvê-las no processo para construir a solução. Ele me incentivou a testar minha abordagem.
Na semana seguinte voltamos a conversar, e os resultados foram positivos. Então, o professor me perguntou de onde eu estava tirando aquelas ideias, e respondi que era algo que vinha da minha leitura do contexto e dos valores da empresa. Para minha surpresa, ele disse: “Acho que você está no lugar errado”. Fiquei surpresa, especialmente porque eu estava indo bem na consultoria e recebia elogios pelo meu trabalho. Ele me disse que eu deveria considerar fortemente fazer um mestrado acadêmico.
Durante esse período, enquanto minha vida profissional estava em ascensão, fui confrontada com uma reviravolta pessoal. Meus pais adoeceram gravemente, o que exigiu que eu voltasse a Presidente Prudente para ajudar nos negócios da família. Na época, um dos meus irmãos cursava a Escola Politécnica da USP e o outro ainda era muito jovem. Essa transição foi difícil, já que eu gostava de São Paulo e não me via voltando para a vida no interior.
Ao retornar a Presidente Prudente, enfrentei desafios relacionados aos conhecimentos técnicos, ao fato de ser considerada jovem demais e uma mulher. O paradigma era bem diferente da nossa realidade atual. Inicialmente, meu pai me incumbiu de liderar uma mudança de produção relevante para a empresa. Fui fazer levantamento de campo na fazenda e modifiquei a estrutura de incentivos para a equipe, além de adotar outras práticas pouco ortodoxas. Queria que as pessoas se sentissem parte deste projeto e das mudanças de realidade que viriam pela frente.
Trabalhar em colaboração com práticas de gestão à vista e a informatização da fazenda representou um salto na empresa. Mas confesso que não foi fácil. Essa foi uma vitória significativa, tanto para a fazenda quanto para mim pessoalmente, pois consolidou minha posição de liderança em um ambiente de incerteza alta.
Nesse meio tempo, fiz meu mestrado trabalhando nos negócios da família, estudei a evolução das políticas públicas no agronegócio na Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da USP. Eu queria entender os problemas da pecuária de corte e seu baixo nível de desenvolvimento tecnológico, o que era bem diferente da realidade que observei durante muitos anos. Conheci pessoas neste período se que tornaram mais do que colegas de profissão, como pesquisadora, mas amigos para uma vida. Cursei disciplinas na Unicamp, Escola Politécnica, FEA/USP, ESPM.
Durante o doutorado em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), voltei a morar em São Paulo e a me dedicar plenamente aos estudos. Estudei coordenação de sistemas agroindustriais com o professor Décio Zylbersztajn com base na Nova Economia Institucional. Nesse período também conheci o professor Sérgio Lazzarini, que se tornaria, mais tarde, um mentor importante para mim.
A oportunidade de ingressar no Insper Metricis como pesquisadora visitante veio através de um pós-doutorado no Canadá, liderado pelo professor Sérgio. Fui selecionada para participar de um projeto financiado por um Grant de uma agência de fomento canadense, para estudar padrões de sustentabilidade globais nas cadeias de mineração e soja e o envolvimento do governo. Meu trabalho inicial como pesquisadora qualitativa envolveu muitas reuniões e entrevistas com esses setores para entendimento das relações entre os atores.
Depois de um ano de projeto, reencontrei Marcos Jank, do Insper Agro Global, que me propôs uma colaboração, em meio período. A partir disso, comecei a trabalhar no Agro Global, desenvolvendo projetos como o Agro in Data, que busca traduzir pesquisas acadêmicas em textos mais acessíveis para um público mais amplo, sem perder o rigor científico. Além disso, trabalhei em uma pesquisa sobre a cadeia da carne, o que foi uma experiência muito enriquecedora.
Com o tempo, o time da área de estratégia da graduação no Insper me convidou para ser monitora na graduação. Aceitei imediatamente. Meu trabalho na monitoria é algo que valorizo muito, pois me permite ter um contato direto com os alunos da graduação. Eu gosto de atendê-los individualmente ou em pequenos grupos, pois isso me ajuda a entender as dificuldades específicas que eles estão enfrentando, seja em termos de conteúdo, seja algo relacionado ao aprendizado.
Logo após me tornar monitora e deixar o Agro Global, recebi a proposta para assumir a coordenação do Insper Metricis. O convite partiu do professor Geraldo Setter, que acreditava que minha experiência em gestão e pesquisa fazia sentido para a função. Fizemos essa transição durante o primeiro semestre todo. Essa transição foi um processo natural, que me permitiu unir minha paixão por estratégia com a gestão de projetos de impacto e tornar-me pesquisadora associada do núcleo de pesquisa.
Senti um forte acolhimento desde que cheguei no Insper, tanto pelo Insper Metricis quanto meus colegas de sala. Mesmo não conhecendo ninguém inicialmente, logo percebi uma forte conexão com as pessoas que, como eu, vieram da mesma área de pesquisa e passaram pelo Pensa da FEA-USP.
Além disso, é um grande prazer trabalhar com o professor Sérgio Lazzarini: é uma constante sensação de aprendizagem, crescimento e admiração. Essa jornada foi marcada pela transição do pós-doutorado no projeto canadense até a parte mais administrativa no Metricis, envolvendo também o professor Sandro Cabral, o professor Pedro Makhoul e o Leandro Pongeluppe, que hoje é professor em Wharton. Além deles, tenho o privilégio de aprender mais sobre o Insper, estratégia e a graduação com outros colegas que também passaram PENSA, como Guilherme Fowler, Bruno Varella e Camila Dias de Sá, entre outros colegas com quem interajo. Aprendo muito com todos eles.
Essa sensação de aprendizado constante também vem dos alunos. Acho sensacional a o contato com eles, seja pela liga do Agro Insper, seja nas discussões sobre estratégia. Essas trocas são ricas e proporcionam um aprendizado mútuo, o que torna minha experiência no Insper ainda mais interessante.
Apesar de ter saído formalmente do Agro Global, o agronegócio continua muito presente na minha vida e nas minhas pesquisas. A pesquisa que desenvolvo no Canadá tem uma conexão muito forte com agronegócio. Para mim, o agro é um setor de imenso potencial. As portas estão sempre abertas para oportunidades de colaboração quanto a estudos de impacto, governança, problemas complexos.
Ao longo da minha vida, as coisas mudaram de maneira inesperada e repentina, o que me ensinou a estar sempre aberta e me adaptar. Quero continuar contribuindo para as cadeias agroindustriais, especialmente aplicando metodologias interativas dos grupos de atores para endereçar problemas complexos, que podem resultar tanto em políticas públicas quanto em estratégias privadas. No entanto, meus interesses vão além do contexto agro: a coprodução, como base teórica e emancipatória do conhecimento, é um campo de grande interesse, resgatando aspectos do meu mestrado, quando estudei o construtivismo no contexto da educação. Além disso, estou envolvida com o avanço teórico em estratégia e instituições.