O pouso de drones em terrenos de difícil acesso é desafiador até mesmo para os pilotos mais experientes. Daí a razão do problema apresentado pela Akaer Engenharia, indústria brasileira do setor aeroespacial, para alunos de Engenharia Mecatrônica do Insper. Orientados pelo professor Fabio Bobrow, os estudantes Alessandra Yumi Carvalho Ogawa, Enzo Dadier Lacks Zamberlan, Mateus Ruggero de Oliveira e Vinicius Gallo desenvolveram e testaram o algoritmo de um sistema de guiagem autônomo para veículo aéreo não tripulado (Vant) de transporte de cargas. Na empresa, a mentoria técnica ficou sob responsabilidade dos engenheiros Conrado Luiz Santiago de Almeida e Waldemar Carvalho.
A tarefa foi executada no Capstone, o trabalho de conclusão de curso das Engenharias e da Ciência da Computação, no segundo semestre de 2024. Em apenas três meses, o grupo criou um algoritmo que aprimora a segurança de pouso do Vant por meio do processamento de dados visuais de obstáculos no solo, usando recursos de inteligência artificial e visão computacional. Depois, testou o sistema no software Unreal Engine 5.4. O Unreal é um motor de jogo (game engine), um software complexo que abstrai e facilita o desenvolvimento de jogos e aplicações com gráficos em tempo real, oferecendo funcionalidades como renderização gráfica, simulação de física, suporte a animação, inteligência artificial, gerenciamento de memória, redes e integração com linguagens de script, entre outros. A organização do trabalho foi fundamental. Os quatro alunos seguiram a metodologia ágil Scrum, para entrega de tarefas, e se adequaram à metodologia V&V, de verificação e validação de requisitos, empregada pelos engenheiros da Akaer.
Com sete metros de envergadura, o drone da Akaer precisa de espaço seguro para aterrissagem. Segundo o relatório do projeto, a inteligência artificial é uma solução tecnológica promissora porque pode gerar modelos probabilísticos baseados em informações e coordenadas inseridas e coletadas antes e durante o voo do drone. “Caso o sistema identifique impedimentos para o pouso, ele deverá propor novas localizações ou acionar o sistema de segurança da aeronave”, escrevem os estudantes. “Potenciais problemas podem incluir obstáculos imprevistos, como caixas de transporte e containers em áreas urbanas, ou a presença de animais e árvores em áreas rurais e de vegetação densa.”
Bobrow orientou um trabalho de graduação pela primeira vez, com excelente impressão do resultado. “Os alunos se apropriaram da ideia e das metodologias de trabalho da empresa e entraram de cabeça no projeto”, recorda o professor. “Eles usaram o estado da arte da computação e mostraram para os engenheiros o algoritmo já funcionando em ambiente de simulação. Foi algo que encantou o pessoal. Acho que é um daqueles casos de Capstone bem-sucedido para alunos, empresa e orientador.”
Um dos desafios técnicos do projeto, por exemplo, era o cálculo da localização dos pontos de pouso alternativo. A área de aterrissagem precisa ser grande o suficiente para a envergadura do Vant, só que o sistema de navegação da aeronave pode ser enganado pela distância em relação ao solo — quanto mais perto ou longe do chão, o espaço parecerá maior ou menor. O algoritmo precisava considerar a altura do drone e converter a distância real de metros para pixels, os pontos que formam a imagem detectada pela câmera do sistema. Esse processo é ensinado da disciplina eletiva Drones, ministrada por Bobrow.
Fato notável é que o grupo ainda venceu o contratempo de assumir um projeto diferente no início do semestre, porque o Capstone original, programado com outra empresa, foi adiado. Embora o tema permanecesse relacionado a Vants, impôs-se a dificuldade extra de trabalhar com ferramentas que não são tão habituais na Engenharia Mecatrônica. Para a aluna Alessandra Ogawa, isso determinou um esforço enorme nas primeiras semanas. “Acabamos trabalhando só com simulação, que não era a expectativa inicial, e tivemos que aprender do zero a mexer com a Unreal, uma engine que, normalmente, é estudada só pelo pessoal da graduação em Computação”, diz Ogawa. “No fim, essa parte de integração de sistemas tem tudo a ver com mecatrônica, e o trabalho ainda ficou com um pezinho em computação. Acredito que conseguimos até superar a nossa expectativa de entrega.”
O aluno Enzo Zamberlan destaca a capacidade do grupo em transformar a preocupação com tantas novidades em atitudes que organizaram a distribuição das tarefas. “Criamos uma dinâmica interna na qual fazíamos reuniões semanais, estabelecíamos algumas metas e estipulávamos os esforços necessários para aquela semana”, afirma Zamberlan. “A partir da terceira semana, já tínhamos entendido como a enginefuncionava e pudemos definir trabalhos específicos para cada um.”
Em resumo, Ogawa cuidou do desenvolvimento do algoritmo de tomada de decisão no contexto de pouso alternativo, da integração do ambiente de simulação Unreal Engine com o algoritmo de tomada de decisão e da detecção de alternativas para pouso. Zamberlan treinou o modelo de inteligência artificial e desenvolveu o algoritmo de detecção de alternativas para pouso. Gallo desenvolveu a simulação de movimentação autônoma dentro do ambiente da engine dado os inputs vindos do algoritmo de detecção de alternativas para pouso. E Oliveira desenvolveu os ambientes e cenários de simulação e capturou as imagens para o treinamento modelo de inteligência artificial.
Ogawa relata alguns sentimentos que teve durante o projeto: “Eu não sabia muito bem com o que queria trabalhar no futuro, então ter tido essa experiência quase profissional, com tarefas que seguiam o ritmo de uma empresa, foi um aprendizado e tanto. Ganhei desenvoltura para me comunicar com os nossos mentores e tratei as sprints semanais como sprints de trabalho. Descobri que essa é uma temática com a qual quero trabalhar e desmistifiquei o mundo de engines, que todo mundo falava que era um bicho de sete cabeças.”.
Zamberlan concorda que, depois do Capstone, também pôde direcionar o seu plano de futuro. Até maio, ele faz intercâmbio na Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos. “Na época, sabia algumas coisas sobre inteligência artificial, mas despertei um interesse maior ainda na exploração de novas oportunidades, principalmente em negócios”, diz Zamberlan. “Aqui em Berkeley, estou estudando inteligência artificial e implementação de mercado. Tudo isso surgiu graças ao Capstone, que abriu bem mais a minha cabeça.”
Ogawa e Zamberlan reconhecem a importância da formação que receberam no Insper para superar as dificuldades do projeto. “O background que nos dão desde o começo da nossa formação, em trabalhos práticos, nos permite ter contato com tudo que está acontecendo no mercado de trabalho”, afirma Zambelan. “Assim, a própria adaptação que precisamos passar dentro desse contexto ocorreu naturalmente, reforçada pelo apoio que tivemos do professor Bobrow e da equipe da Akaer.” Mesmo diante das incertezas, foram meses de aprendizado e esforço que garantiram um pouso seguro para todos.