05/05/2020
Confira artigo de opinião de Tatiana Iwai e Guilherme Fowler, professores do Insper
OPINIÃO| CONTEÚDO SOBRE A PANDEMIA DE COVID-19 |ACESSE A PÁGINA ESPECIAL
Tatiana Iwai e Guilherme Fowler A. Monteiro
A pandemia do Covid-19 nos trouxe inquestionáveis desafios organizacionais. Uma questão básica é a sobrevivência da própria organização e a manutenção de empregos. Mas, internamente, outros desafios se revelam – mais sutis, porém não menos cruciais. Em momentos de incerteza e ambiguidade, agravados pela separação física forçada, a comunicação interna é um elemento crucial para a gestão e estratégia das empresas.
Quando se fala em comunicação interna, pensamos imediatamente nas lideranças assumindo seu papel de mobilizar e dar a direção da organização. Menos se pensa, entretanto, na comunicação ascendente – ou seja, de baixo para cima. É esta que pode, mais do que nunca, fazer a diferença agora, ajudando a organização a se adaptar às mudanças e aos desafios trazidos pela Covid-19.
Vale, então, a pergunta: quanto seus funcionários podem, de fato, vocalizar suas ideias, sugestões e preocupações? “Muito. Eles podem falar o que quiserem”, você possivelmente vai responder mentalmente. Você pode acalmar ainda mais sua consciência lembrando como sua empresa aderiu aos espaços abertos de trabalho, sem baias ou divisórias, visando exatamente aumentar a comunicação e coesão entre as pessoas. Mas será mesmo?
A voz em uma organização emerge quando há um ambiente propício para tal. Líderes, sobretudo no nível executivo, geralmente carregam consigo a ilusão de que as pessoas têm total liberdade para se expressar. E se nada é dito, é porque não há nada relevante a ser expressado. Ledo engano. Há algo que precisa ficar claro: silêncio e voz não são necessariamente faces opostas da mesma moeda. Não ter nada relevante a dizer não é silêncio. Silêncio é querer dizer algo, mas não ser capaz de fazê-lo por várias razões. Por medo de parecer inconveniente. De ser rechaçado. De sentir que não tem nada a ganhar. Ou de que seu esforço será inútil. Em resumo, é aquela terrível sensação de que sua voz permanecerá inaudível perante ouvidos surdos ou hostis. Neste momento, a pessoa se cala. E a organização perde.
Quando o silêncio se torna a regra na sua organização, a falta de voz expressa o indizível: as pessoas não se sentem confortáveis para falar. O silêncio dificilmente é positivo para as empresas. Inúmeras pesquisas mostram que ele não apenas atrapalha a identificação de desvios éticos, mas também impede que a organização, por meio das sugestões e ideias dos seus funcionários, corrija erros, refine processos de trabalho, adapte-se, inove e mude.
Isto significa que o silêncio pode ser especialmente importante para a discussão estratégica da organização. Ainda mais se considerarmos o fato simples, porém profundo, de que a estratégia organizacional não é algo estático e unidimensional.
A verdadeira estratégia não é um simples plano ou cronograma, definido de cima para baixo, que pode ser atualizado ao sabor dos cliques em uma planilha compartilhada. Ela é algo orgânico, que se molda e se alimenta da contribuição dos membros da organização, ao mesmo tempo em que dá um senso de direção a esses mesmos membros. Ainda que a estratégia possa parecer abstrata, ela é absolutamente presente. A sua execução sofre ajustes contínuos, que podem, inclusive, vir de baixo para cima. Os líderes “ouvem os ruídos” do mercado, dos concorrentes e, sobretudo, dos seus times. Obviamente, as informações podem fluir nas reuniões e apresentações formais da empresa, seja pela fala enérgica de um gestor ou pela discordância sutil de um analista. Mas elas podem emergir principalmente em canais mais informais. De uma forma ou de outra, tudo é insumo extremamente rico vindo daqueles que, espalhados pelas várias posições da hierarquia organizacional, possuem a informação e o expertise para que suas contribuições possam eventualmente ser incorporadas no plano original.
O silêncio é ruim porque dificulta todo esse processo. É como um maestro que, de repente, não consegue ouvir direito uma parte da sua orquestra. Perdido em meio ao aparente caos, o maestro (líder) pode se prender instintivamente à partitura (plano) diante de si, na esperança de que o resultado final seja algo harmônico. Todavia, como esperar navegar de forma bem-sucedida em uma crise como esta da pandemia do Covid-19, em um ambiente altamente turbulento, novo em todos os sentidos, sem poder contar com os olhos e ouvidos, as opiniões e impressões dos seus funcionários em todas as camadas hierárquicas da sua organização? O desafio aqui é criar a abertura necessária para a voz ecoar.
Como fazê-lo? Certamente não é por caixas de sugestões ou convites genéricos para que as pessoas participem e falem. Talvez um caminho mais produtivo seja deixar de esperar que as ideias, sugestões, e mesmo informações sobre os problemas, venham até você. Ao invés disto, provoque proativamente seu time a verbalizar sugestões e impressões do que está funcionando e principalmente do que não está. Quando as contribuições surgirem, não as ignore só porque elas, eventualmente, não constam na sua lista de propriedades imediatas. Tente encaminhar parte delas, ao menos. É importante que seus funcionários tenham a clara noção de que suas opiniões não foram jogadas fora. Estas iniciativas parecem pequenas? Mas saiba que elas podem fazer a diferença na criação de um ambiente mais vocal. Quantos destas pequenas ações você vem adotando?
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